Henry James (1843-1916), famoso escritor americano naturalizado britânico, publicou a novela The Aspern Papers em 1888, que surge na presente edição com a designação Les Papiers de Jeffrey Aspern (1968).
Trata-se de uma história baseada nas cartas que o poeta Percy Bysshe Shelley (1792-1822) enviou a Claire Claimont, meia-irmã de sua mulher Mary Wollstonecraft (conhecida como Mary Shelley), que as conservou até à sua morte. O episódio ocorre em Veneza, cidade em que Henry James viveu durante algum tempo.
Resumindo o enredo: o Narrador chega a Veneza com a intenção de obter os papéis (cartas e outros documentos) de Jeffrey Aspern, um genial poeta norte-americano já falecido. É suposto que se encontrem na posse de Juliana Bordereau, uma senhora quase centenária, que fora sua amante, e que vive na companhia de uma sobrinha, Tina. Habitam um palazzo já muito decadente, na margem de um canal (como convém em Veneza) e vivem muito modestamente, sem qualquer convívio social.
Para se aproximar da velha senhora, o Narrador recorre ao expediente de propor alugar uma parte da vasta habitação para passar um tempo a escrever no jardim da casa. A proprietária acede, mediante preço elevado, e o Narrador vai estabelecendo diariamente contactos com a sobrinha na tentativa de saber algo sobre os ditos papéis. Tina é uma solteirona ingénua e tímida que começa por negar a existência da preciosa documentação, mas acaba por confessar a sua existência, guardada avidamente pela tia, que já recusara sucessivas propostas de aquisição.
Tendo Juliana adoecido, e julgando-a moribunda, o Narrador introduz-se no aposento e tenta descobrir onde os papéis se encontram escondidos, mas, subitamente, a velha senhora, como que ressuscitada, ergue-se à sua frente e chama-lhe "editor canalha"; o Narrador abandona a casa, mas resolve regressar dias depois. É então que Tina, que não tem mais família, o surpreende com o pensamento de que ele poderia desposá-la em troca dos papéis. O Narrador recusa em absoluto e volta a abandonar a casa; quando regressa, Juliana já está morta e sepultada. Tina diz-lhe então que queimou todos os papéis.
Apesar da desilusão, o Narrador conforma-se e até envia algum dinheiro a Tina, que lhe tinha oferecido uma miniatura com uma pintura de Jeffrey Aspern em novo, que a tia lhe havia mostrada aquando dos poucos diálogos que tinham mantido.
A novela maneja os temas favoritos de James: a vida íntima, a morte, o fantástico, o segredo. De resto, Henry James cultivou sempre o segredo. Celibatário, ocultou durante largos anos a sua orientação sexual, e só na idade madura admitiu, ainda que com reservas, a sua inclinação homoerótica. Em 1899, encontrou em Roma o escultor e pintor norueguês Hendrik Christian Andersen, então com 27 anos (James tinha já 56 anos) e com ele manteve uma longa relação. Mas outros nomes surgiram na vida do escritor, a quem endereçou cartas amorosas, como Howard Sturgis, Hugh Walpole, Walter Berry ou Jocelyn Perse.
Também a obra de Henry James é percorrida directa ou indirectamente por fantasmas homossexuais, como a novela The Turn of the Screw (1898), que viria a ser adaptada ao teatro, ao cinema, ao bailado e mesmo à ópera, com uma notável criação de Benjamin Britten.
A sua obra de ficcionista é vasta e célebre, incluindo The Portrait of a Lady, The Wings of the Dove, The Ambassadors, The Bostonians, Daisy Miller.
Nem sempre os grandes escritores apreciaram os seus livros. Somerset Maugham escreveu a seu respeito:«"He did not know the English as an Englishman instinctively knows them and so his English characters never to my mind quite ring true... [...] The great novelists, even in seclusion, have lived life passionately. Henry James was content to observe it from a window.»
Mas Henry James é hoje um nome incontornável na história da literatura.
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