quarta-feira, 25 de abril de 2012
25 DE ABRIL DE 2012
Comemoram-se hoje 38 anos sobre o movimento militar que derrubou a II República. Golpe de estado promovido por um grupo de militares, que há muito, por razões corporativas mas também por razões políticas, conspirava contra o Estado Novo, o movimento dos capitães rapidamente evoluiu para uma situação revolucionária que transformou profundamente o regime, então decadente, titubeante e incapaz de resolver o principal problema com que se debatia: encontrar uma solução para a questão colonial que pudesse ser aceite pelas várias correntes políticas que controlavam o poder e pela chamada comunidade internacional.
Sobre a I República, sobre a Ditadura que vigorou de 1926 a 1933, sobre a II República (que muitos insistem em designar apenas por Estado Novo), sobre o período revolucionário de 1974 a 1976 e sobre a actual III República, têm sido escritas centenas de milhar de páginas. Não é nem o momento nem o sítio para tecer considerações relativamente a épocas que ainda nos são demasiado próximas e que, por isso, impedem uma análise serena e objectiva. Assim, apenas umas breves notas.
A I República foi proclamada porque a Monarquia, a própria monarquia constitucional, esgotara com D. Carlos, o seu prazo de validade, embora tivesse, nomeadamente entre a população rural, e por razões ancestrais, ainda largo número de apoiantes. Mas os políticos da I República não conheciam bem o povo português e, mesmo com louváveis intenções, cometeram sucessivos erros que levaram ao descrédito do regime. Registaram-se levantamentos monárquicos, ocorreu o parêntese Sidónio Pais (matemático e militar que gozou de uma enorme popularidade) e, ao fim de 16 anos, um golpe militar pôs fim a um regime em que muitos haviam depositado as maiores esperanças. Fora a I República um período de grande instabilidade política, frequentes pronunciamentos militares, profunda insegurança interna, culminando numa desastrosa situação financeira. O país estava à beira da ruína.
O golpe militar de 28 de Maio de 1926, que breve derrubou os seus principais protagonistas, como é de uso nas revoluções (Saturno devorou os seus próprios filhos e Büchner recorda-nos oportunamente o episódio mitológico em A Morte de Danton) teve o propósito de instaurar um regime duradouro. E conseguiu o intento, indo buscar a Coimbra um professor que começasse por restaurar as finanças públicas e a credibilidade do país. Salazar chegou, retirou-se e regressou para não mais sair (até ao controverso incidente da cadeira). Terminado o período da Ditadura, com a Constituição de 1933, Salazar passou a governar o país sem oposição (legal), já que o texto fundamental impedia a constituição de partidos políticos. Porque conhecia profundamente os portugueses, e porque dotado de uma polícia política (aliás todos os governos a possuem) e de uma censura (por vezes mais estúpida do que eficaz), Salazar governou sem grandes sobressaltos (aparte o caso Humberto Delgado) até ter sido exonerado, por incapacidade, por Américo Tomaz. Evidentemente que o sucessor, Marcelo Caetano (que logo na posse referiu a dificuldade de suceder a "um homem de génio"), não estava em condições de prosseguir a caminhada. E a situação internacional alterara-se profundamente.
O golpe militar de 25 de Abril de 1974, que também derrubou os seus protagonistas, pôs termo a um regime que ultrapassara igualmente a sua validade. Na época do PREC (período revolucionário em curso) cometeram-se excessos, dos quais, porventura, estaremos hoje a pagar a factura. Mas a Constituição de 1976, texto de compromisso e hoje já substancialmente alterado, permitiu a instauração de um regime democrático (pelo menos formal) e o restabelecimento das liberdades fundamentais (a mais nuns casos e a menos noutros). Porém, a adesão à CEE primeiro e à União Europeia depois restringiu o âmbito da democracia e das liberdades, ao estabelecer, de facto, que apenas o sistema capitalista poderia vigorar na União, derrubado que fora o Muro de Berlim e desmoronada a União Soviética e os regimes comunistas do Leste Europeu. A má governação desta III República conduziu a uma nova crise financeira, agravada pela crise internacional decorrente da investida de um modelo económico ultraliberal cujo objectivo último é, numa irónica evocação da democracia ateniense, reduzir as populações a duas categorias: os cidadãos (naturalmente uma minoria, infinitamente ricos) e os escravos (uma maioria, infinitamente pobres). É evidente que um tal regime só por escárnio se poderá designar de democrático. Mas a confusão semântica é hoje de regra. Não podemos esquecer-nos que, ao decidir invadir o Iraque, George Bush proclamou, para lá da mentira flagrante e evidente das armas de destruição maciça (em que só os ingénuos, os estúpidos ou os desonestos, para não empregar outro termo, acreditaram), a necessidade de estabelecer a democracia naquele país. Bush confundia, muito convenientemente, democracia e economia de mercado ultraliberal. Além da democracia não ser, em caso algum, uma mercadoria exportável.
Passam hoje 38 anos sobre o 25 de Abril de 1974. Já não nos debatemos com o problema colonial, mas confrontamo-nos com uma profunda crise financeira ( e económica) inserida numa crise financeira internacional, decorrente, em parte, da inacreditável desregulação dos mercados, que começou a ser promovida por Margaret Thatcher e Ronald Reagan. São impostas aos cidadãos (à maior parte dos cidadãos que é também a parte de menor recursos) medidas de austeridade que ultrapassam o limite do dignamente aceitável, mesmo em períodos de profunda crise. Nem Salazar, porque tão bem conhecia os portugueses, ousou, na sua época, reservadas todas as distâncias no tempo e na conjuntura, sobrecarregar a população com tão pesado ónus. E para quê? Estuda-se em Economia, logo no começo, que uma austeridade profunda acarreta uma recessão igualmente profunda. Logo, um crescimento negativo. Elementar. Por isso, as promessas de saída da crise com a aplicação de um tal regime são forçosamente falsas. Como, de resto, o futuro se encarregará de confirmar. E não creio que os actuais governantes, que não considero totalmente estúpidos, sejam inconscientes quanto às políticas que praticam. Além do mais, acentua-se o fosso entre os que cada vez têm menos e os que cada vez têm mais, numa intencional destruição da chamada classe média e num desejo (oculto) de destruir o "estado social" com o pretexto de o salvar.
Constituem estas linhas (e já são mais das que me propusera escrever) uma breve reflexão sobre a evolução do regime republicano em Portugal.
Como referi no início, comemoram-se hoje os 38 anos da Revolução de Abril. Não tenho a certeza de que, de hoje a um ano, possamos comemorar o 39º aniversário.
Subscrever:
Enviar feedback (Atom)
1 comentário:
O que nós precisamos é de uma quarta república
Enviar um comentário