segunda-feira, 15 de fevereiro de 2010

CHRISTIAN GIUDICELLI



Christian Giudicelli, escritor e crítico literário francês, nasceu em Nîmes, em 1942, sendo a família originária da Córsega. Em 1960 mudou-se para Paris, tendo publicado até hoje mais de 20 livros, incluindo romances, contos, teatro, descrição de viagens, entrevistas, etc., em que sempre sobressaem elementos de carácter autobiográfico, que muito enriquecem a obra.
Colaborador habitual da Nouvelle Revue Française, do Combat, dos Cahiers de saisons, da Quinzaine litteráire, do Figaro Magazine, do Paris-Match, foi também autor de programas difundidos pela France-Culture. Em 1986, o seu romance Station balnéaire foi galardoado com o Prémio Renaudot, de cujo júri passou a fazer parte desde 1993 e é também membro do conselho de leitura das Éditions Gallimard.
Esta semana, foi publicado em França o seu último romance, Square de la Couronne, e é precisamente esse facto que me motiva a escrever este post. Sendo amigo pessoal de Christian Giudicelli e tradutor de uma das suas peças, representada nos palcos nacionais, poderá supor-se que esta evocação é motivada por uma questão de familiaridade e amizade. Mas não.

 

Acontece que Square de la Couronne é uma obra merecedora, porque justas, das mais encomiásticas referências. Embora o tema se insira, genericamente, nas preocupações habituais do autor, Giudicelli revela na abordagem dos assuntos, já que “o tempo é um grande escultor”, uma profunda compreensão dos seres na sua complexa diversidade. Evidenciada, é certo, nos livros anteriores, essa compreensão assume aqui uma expressão muito particular. E é notável a extraordinária sensibilidade de Giudicelli ao observar e descrever as personagens e as situações de uma estória que, porventura banal em alguns aspectos do seu enredo, constitui a história de grande parte das pessoas do nosso tempo.
As personagens deste romance, à excepção de uma (que se revela, ou não, no final do livro) são homens e mulheres comuns, as situações descritas são as que todos ou muitos de nós vivemos no quotidiano, e se parte dos factos decorre da própria experiência do autor (existe um carácter nitidamente autobiográfico nas suas obras) não é igualmente de excluir que qualquer leitor se possa identificar, no passado, agora, ou no futuro, como protagonista do romance. E digo protagonista e não personagem porque, afinal, neste livro, todas as personagens são, de certa maneira e a seu modo, protagonistas das estórias que se cruzam, sem que a obra jamais perca a unidade que esteve na sua génese.
Haverá quem julgue que se trata de um romance gay; nada mais falso. Se os comportamentos de alguns dos intervenientes assumem, de forma aberta, ambígua ou ocasional, essa característica, é a vida, a verdadeira vida, e não aquela que é apresentada como padrão de normalidade para consumo diário, que surge estampada da primeira à última página deste livro.
Duas notas breves: quando Giudicelli escreve, glosando Sartre, “L’enfer, c’est l’absence des autres.” (pág. 71) não é por menosprezar a solidão, que tantas vezes nos é imprescindível, pelas razões mais diversas (para lá da concepção filosófica expressa em Huis-Clos), mas para sublinhar quão horrível é, igualmente, uma solidão indesejada, cada vez mais comum na sociedade em que vivemos, e onde, por razões de idade, de saúde, de precariedade, aumenta, de ano para ano, o número de pessoas que vivem ou sobrevivem sozinhas.
A outra, sobre o acaso (embora a expressão se compreenda melhor no contexto do livro): “Le hasard fait bien les choses à condition qu’un malin chez malin les fasse pour lui.” (pág. 109).   
E mais não direi para não retirar aos presumíveis leitores a fruição de um dos melhores livros publicados em França nos últimos anos. Ignoro se a esta obra será atribuído em 2010 o Prémio Goncourt (o que, aliás, é de somenos importância). Mas considero que a sua leitura é um prazer para o espírito e um convite a meditar sobre a condição humana, suas grandezas e misérias.
Porque as paixões da alma alimentam o corpo, a leitura de Square de la Couronne é imprescindível. 

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