quinta-feira, 6 de dezembro de 2012

A CRISE NO EGIPTO



Com o palácio presidencial guardado por tanques de guerra e artilharia pesada e cercado por milhares de opositores ao regime, o presidente da República, Mohamed Morsi, falou esta noite aos manifestantes, anunciando para sábado uma reunião com as forças da oposição e condenando a violência de ambas as partes. Mas recusou-se a adiar o  próximo referendo (previsto para o dia 15) sobre o projecto da nova Constituição e a revogar os plenos poderes que se atribuiu.

A violência dos últimos dias já provocou sete mortos e 770 feridos, cuja responsabilidade Mohamed El-Baradei, Amr Mussa e Hamdeen Sabbahi, principais dirigentes oposicionistas (que criaram uma Frente de Salvação Nacional) atribuíram aos Irmãos Muçulmanos e aos salafistas (a soldo da Arábia Saudita). Entretanto, demitiram-se vários colaboradores do presidente e alguns ministros estarão também demissionários.

Segundo informa a Al Jazira, as concessões do presidente ficaram nas meias-tintas e não satisfazem a grande contestação popular, embora se admita que entre os que agora se manifestam estejam partidários do ex-presidente Hosni Mubarak. Aliás, seria de espantar que, depois de 30 anos de governo, e numa população de mais de 80 milhões de habitantes, não existissem no Egipto apoiantes do antigo chefe de Estado.

Creio que a Irmandade Muçulmana (e os salafistas que mais ou menos a apoiam, embora a achem frouxamente islâmica) cometeu um erro ao subvalorizar os sentimentos do povo egípcio, ufanando-se da votação das últimas eleições. Ao pretender introduzir a sharia na Constituição e ao atribuir poderes autocráticos ao presidente da República, ignorou que mais de 10% dos egípcios são cristãos coptas, existem milhares de egípcios francamente ateus e a larga maioria dos que são muçulmanos não são fundamentalistas, até pela pragmática questão do turismo: tendo uma parte substancial da população vivido do turismo nas últimas décadas, e sendo certo que não é comum os turistas, pelo menos os ocidentais, que são uns 90%, visitarem países fundamentalistas (por razões óbvias), a instauração do regime com que Morsi sonha mergulharia o país definitivamente no caos, para o qual apressadamente já caminha.

A Irmandade Muçulmana tornou-se benquista no Egipto, especialmente entre as classes mais desfavorecidas, devido à acção social que praticou durante décadas perante a indiferença de um poder corrupto e insensível às necessidades de uma população extremamente pobre. Por isso obteve os resultados eleitorais que se conhecem; mas tal não significa uma adesão incondicional a uma religiosidade medieval ultrapassada pelo tempo, e que no fundo de si mesma a maioria do povo já não pratica. Isto nem tem a ver com princípios "democráticos" ocidentais que pretendam fazer do Egipto, de repente, uma sociedade moldada nos seus valores. É tão somente uma questão de bom senso.

Se a contestação persistir. se voltarem os acampamentos à praça At-Tahrir, se continuarem a verificar-se graves incidentes com mortos e feridos, que fará o exército, que permitiu o derrube de Mubarak? Teremos a resposta nos próximos tempos.

1 comentário:

Anónimo disse...

Avizinham-se tempos difíceis para o Egipto. É lamentável a instabilidade que agora reina nesta terra milenar. Se com Mubarak era mau, parece que agora ainda é pior.