terça-feira, 5 de junho de 2012
ELEIÇÕES SEM DEMOCRACIA
O intelectual tunisino Larbi Sadiki publicou recentemente um oportuno e exaustivo livro sobre a relação que há entre democracia e eleições: Rethinking Arab Democratization: Elections Without Democracy. Trata-se de um estudo editado pela primeira vez em 2009 e agora actualizado com as revoluções da chamada Primavera Árabe.
Analisa o autor a situação no Mundo Árabe, mas temos de convir que o estudo se aplica a muitos outros países, aliás à maior parte dos países, incluindo obviamente a Europa e a América, já para não falar da África e da Ásia.
Nos últimos anos tem sido salientada a realização de eleições, tanto quanto possível livres, como demonstração do funcionamento dos regimes democráticos. Puro engano. A esse respeito, já tive ocasião de publicar um post, em que transcrevi uma entrevista de Jacques Rancière ao Nouvel Observateur e onde aquele filósofo francês tece pertinentes questões sobre a matéria.
A democracia não se esgota em eleições, nem estas, por mais fiáveis que sejam, constituem uma garantia de democracia. Para o confirmar, não precisamos de sair da Europa, nem sequer de Portugal. É da ciência política que a Democracia supõe a existência de partidos políticos, que se apresentam ao sufrágio dos eleitores com um programa que se propõem aplicar, caso obtenham votação maioritária e sejam chamados a formar governo. O que temos constatado, nestes quase 40 anos de regime dito democrático em Portugal, especialmente nos últimos anos, é que os programas eleitorais, por razões só explicadas a posteriori, nunca são integralmente concretizados, ou, o que é pior, a prática governativa acaba por ser precisamente o oposto daquilo que fora prometido antes da realização das eleições.
Não admira, por isso, que a taxa de abstenção aos actos eleitorais seja continuamente crescente. Os cidadãos, descrentes, prescindem de ir às urnas, pois já não confiam nas promessas dos políticos. Daí a pergunta, que muitos fazem, quanto à legitimidade democrática de um governo saído de umas eleições em que, por hipótese, se abstenham 70 ou 80 % dos eleitores. A descredibilização da classe política avança em marcha acelerada, em Portugal como em outros países da Europa, e não tardará o dia em que se coloque a questão: são os países europeus, onde se pratica o sufrágio universal, mais democráticos do que eram as chamadas democracias populares dos regimes comunistas? Esta a vexata quaestio.
Voltando a Larbi Sadiki e ao seu livro, recorda o autor que na Tunísia e no Egipto se realizaram nas últimas décadas eleições presidenciais, legislativas e autárquicas. Embora sofrendo de todos os condicionalismos dos regimes vigentes e da pouca transparência dos actos, a verdade é que tiveram lugar. Não se pode, contudo, afirmar, que os regimes no poder eram democráticos.
É verdade que os actos eleitorais na Europa, ou pelo menos em grande parte dela, se processam em condições de liberdade formal. Mas poderá considerar-se democrático um governo que, sendo eleito mediante um programa, aplica políticas contrárias às prometidas logo que assume funções. Reside aqui a grande contradição, cujas consequências não têm sido devidamente avaliadas, uma vez que esse governo não pode ser removido (a não ser à força) até à realização de outro acto eleitoral.
Não fazia mal a ninguém que todos os cidadãos, a começar pelos políticos, dedicassem uns minutos de atenção a esta matéria.
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2 comentários:
Óptima análise. É mesmo o que se passa. Felicito o autor. Temos de começar a pensar se vivemos ou não em democracia, ou se ela é apenas uma questão de fachada, uma farsa. os nossos políticos nunca levaram isto a sério. talvez se lixem.
Excelente análise do autor. Cá por mim, não tenho quaisquer dúvidas de que se trata e apenas, de uma mera questão de fachada. Estão-se nas tintas para aquilo que propalaram nos seus programas eleitorais e que, vale a pena acrescentar, poucos ou nenhuns cidadãos se dão ao trabalhar de ler e nem isso lhes interessa. Ficam-se por aquilo que vêem nos telejornais, o que um ou outro grupo de políticos comenta, sendo que todos eles estão enfeudados aos Partidos que concorrem às referidas eleições e pouco mais.
A Democracia, é obviamente muito muitíssimo mais do que essas operações de cosmética a que habituaram os eleitores, nas quais muito se fala, mas pouco ou nada se diz.
Marquis
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