sábado, 31 de dezembro de 2011
EUGÉNIO DE ANDRADE: O FIM DA FUNDAÇÃO
Nestes últimos dias de 2011, segundo se lê no PÚBLICO, os membros da última Direcção da Fundação Eugénio de Andrade, criada em 1992 e extinta em Setembro passado, entregaram à Câmara Municipal do Porto as chaves da parte pública do edifício-sede da Fundação.
A restante parte do edifício é habitada pelos legatários de Eugénio de Andrade,os quais foram recentemente objecto de uma notificação do município para que procedam à entrega do piso que ocupam num prazo de 60 dias.
Foi Eugénio de Andrade um grande poeta contemporâneo mas os equívocos que rodearam a constituição da Fundação, e as posteriores conclusões do seu presidente, o prof. Arnaldo Saraiva, levaram à constatação da inviabilidade da mesma. Pretendeu Eugénio reservar uma parte do edifício que abriga o seu espólio para a sua família de adopção, o seu afilhado Miguel Moura e os pais, Ana Maria Moura e Gervásio Moura, que foi amigo pessoal do poeta. Mas os problemas que sucessivamente surgiram, incluindo direitos autorais e ausência de subsídios públicos e privados, tornaram insustentável a manutenção da instituição, à qual a Câmara Municipal do Porto terá agora de dar um destino adequado.
Tudo teria sido mais simples se Eugénio, em vida, tivesse abandonado as suas hesitações identitárias, aliás bem expressas nos primeiros poemas, que são sem dúvida os mais notáveis. Não o quis fazer, em contradição com a postura que se aguardava por parte de um homem de particular sensibilidade e cultura. Emaranhou-se numa teia de públicas virtudes e afectos privados. Às vezes resulta, mas nem sempre, como agora se verifica.
sexta-feira, 30 de dezembro de 2011
FUTEBOL EM FIM DE ANO
Nestes derradeiros dias de 2011 reina grande euforia no futebol português, devido ao regresso ao Sporting do médio brasileiro Renato Neto, de 20 anos, que esteve cedido no último ano e meio ao Cercle Brugge.
O jovem jogador tem afirmado que pode jogar em várias posições no meio-campo, do que não se duvida, dada a versatilidade dos desportistas brasileiros. Tendo já realizado os testes médicos, ficou à disposição de Domingos Paciência, segundo se lê aqui. Mais informa "A Bola" que Renato, sendo um jogador possante, alinhou com regularidade no clube belga.
Não duvidamos das qualidades deste futebolista, agora regressado á casa mãe, onde será certamente bem aceite.
quinta-feira, 29 de dezembro de 2011
AS GUERRAS DO EMIR
Sheilh Hamad bin Khalifa Al-Thani |
Estranho percurso o do sheikh Hamad bin Khalifa Al-Thani, emir do Qatar. Nascido a 1 de Janeiro de 1952, vai completar dentro de dias 60 anos. Parabéns! Herdeiro presuntivo do trono e ministro da Defesa, Hamad realizou um golpe de Estado, em 27 de Junho de 1995, e depôs o pai, o emir Khalifa bin Hamad Al-Thani, que se encontrava no estrangeiro, assumindo seguidamente o poder e sendo coroado em 20 de Junho de 2000.
O actual emir tem três esposas e 24 filhos, o que não é particularmente estranho na região. Mais curiosas são as relações perigosas que mantém. Segundo se lê aqui e é do conhecimento público, o emir tem procurado tornar conhecido o seu minúsculo país, aliás rico em petróleo. Primeiro, transformou a cadeia Al-Jazira, a que nos referimos aqui, por um acaso da sorte (ou talvez não), numa das principais emissoras televisivas não só do mundo árabe mas de todo o mundo. Através dela, autorizou todas as críticas aos países árabes, excepto ao seu, bem entendido. Tem contribuído a Al-Jazira para as insurreições no mundo árabe, o que é entendido no Ocidente como um apoio às transformações "democráticas" na região. No caso da Líbia, e mediante pressões dos Estados Unidos, o Qatar apoiou a invasão da NATO, financeira e militarmente e através de uma televisão instalada em Doha, a Libya al-Ahrar. As reportagens efectuadas pela Al-Jazira na Síria são manifestamente tendenciosas e o Qatar intervém aonde a Arábia Saudita não se permite actuar. Digamos que o emir se tornou o porta-voz das monarquias petrolíferas do Golfo. De facto, lá não existem repúblicas. A única república da Península Arábica, o Iémen, está no estado que sabemos. E a revolta do Bahrein foi sufocada pelo Conselho do Golfo.
Mas existem grandes contradições na actuação do emir. A "democratização" tem levado ao poder as correntes islâmicas mais extremistas, que são as mais bem acolhidas no Qatar. Diz-se mesmo que o emir pretende, à revelia de Sarkozy, pôr um pé no grande território da Líbia, aonde já estão instalados os seus homens de mão.
Na Tunísia já se realizaram manifestações contra uma possível visita do emir e no Egipto o Conselho Supremo das Forças Armadas começou a averiguar a proveniência dos milhões de petrodólares que afluem às caixas dos Irmãos Muçulmanos.
Entre o apoio aos insurrectos árabes e o apoio aos fundamentalistas, o emir prossegue um jogo arriscado cuja finalidade não é, de momento, absolutamente descortinável. Será o emir um agente da CIA? Todas as interpretações são possíveis nos nossos dias. O futuro o dirá.
Hamad Al-Thani e a segunda esposa, Barack Obama e a mulher |
O "VÍRUS" DO CANCRO
Hugo Chávez e Cristina Kirchner |
Segundo "The Telegraph", o presidente da Venezuela, Hugo Chávez, considera estranha a vaga de cancros que assola os presidentes sul-americanos de esquerda.
De facto, depois de o próprio Chávez ter sido submetido a uma operação para extracção de um tumor da pélvis, do ex-presidente do Brasil, Lula da Silva, estar a receber tratamento a um tumor na laringe, da actual presidente do Brasil, Dilma Rousseff, sofrer de um linfoma, do presidente do Paraguai, Fernando Lugo, se encontrar em tratamento a um cancro linfático, é agora a vez da presidente da Argentina, Cristina Kirchner, declarar que sofre de um cancro na tiróide, devendo ser brevemente operada.
Embora afirmando não estar a fazer acusações mas apenas a pensar em voz alta, Chávez manifestou a sua apreensão pela coincidência de todos estes líderes sul-americanos terem sido atacados por diversas formas cancerígenas. O presidente venezuelano não põe de parte a possibilidade de os Estados Unidos terem desenvolvido alta tecnologia que possibilite a transmissão do cancro, tal como recentemente alguns cientistas afirmaram que a doença de Alzheimer é contagiosa. Tudo se torna possível no mundo em que vivemos e começa a considerar-se a hipótese de todas as doenças serem transmissíveis.
Existiu e continua a a existir muita gente em todo o mundo convencida de que a SIDA foi propagada pelos Estados Unidos, intencionalmente ou não, sendo o mais provável em consequência de experiências laboratoriais mal sucedidas.
Aguardemos quem será o próximo presidente sul-americano vitimado por um câncer.
quarta-feira, 28 de dezembro de 2011
DESORDEM NA CASA DE DEUS
A Basílica da Natividade, em Belém, que é administrada por católicos, ortodoxos gregos e ortodoxos apostólicos arménios, foi hoje palco de uma cena insólita. Quando se preparavam para a limpeza anual das instalações, a fim de preparar a festa do Natal ortodoxo, uma centena de padres gregos e arménios envolveram-se em confrontos, utilizando as próprias vassouras, acusando-se mutuamente de terem invadido o espaço das respectivas jurisdições.
A polícia palestiniana, com a ajuda de bastões, restabeleceu a ordem e, salvo algumas contusões ligeiras, ninguém ficou verdadeiramente ferido.
O Médio Oriente é, de facto, uma zona pouco tranquila.
terça-feira, 27 de dezembro de 2011
HOMENAGEM AOS CIGANOS DE PORTIGAL
Fiorenza Cossotto canta "Stride la vampa" em Il Trovatore, de Verdi, na Ópera de Viena, sob a direcção de Herbert von Karajan, 1978
A MALDIÇÃO DOS "MERCADOS"
Transcrevemos três parágrafos de O Chalet da Memória, de Tony Judt:
«Tal como o infeliz chanceler trabalhista britânico entre 1929-1931, Philip Snowden, desistiu perante a depressão e declarou que não valia a pena contrariar as leis inelutáveis do capitalismo, assim os dirigentes da Europa de hoje se refugiam à pressa em medidas de austeridade orçamental para acalmar os "mercados".
Mas "o mercado" - tal como o materialismo dialéctico - é apenas uma abstracção: simultaneamente ultrarracional (a sua argumentação supera tudo) e o apogeu do absurdo (nada pode ser questionado). Tem os seus verdadeiros crentes - pensadores medíocres quando comparados com os pais fundadores, mas ainda assim influentes; e os seus compagnons de route - que em privado podem duvidar dos princípios do dogma, mas não veem alternativa a pregá-lo; e as suas vítimas, muitas das quais nos EUA, em especial, engoliram pressurosamente o seu comprimido e proclamam aos quatro ventos as virtudes de uma doutrina cujos benefícios nunca verão.
Acoma de tudo, a servidão em que uma ideologia mantém a sua gente mede-se melhor pela sua incapacidade coletiva parta imaginar alternativas. Sabemos muito bem que a fé ilimitada nos mercados desregulados mata: a aplicação estrita do que até há pouco tempo, em países em desenvolvimento vulneráveis, se chamava "o consenso de Washington" - que punha a tónica numa política fiscal rigorosa, privatizações, tarifas baixas e desregulamentação - destruiu milhões de meios de subsistência. Entretanto, os "termos comerciais" rígidos em que estes remédios são disponibilizados reduziram drasticamente a esperança de vida em muitos locais. Mas, na expressão letal de Margaret Thatcher, "não há alternativa".»
In Tony Judt, O Chalet da Memória, 2011
Transcreveu-se segundo a ortografia da edição portuguesa, que respeita o sinistro Acordo Ortográfico.
O TESTAMENTO DE TONY JUDT
Foi publicada há semanas a edição portuguesa (O Chalet da Memória) da última obra do historiador britânico Tony Judt, The Memory Chalet, originalmente editada em 2010.
Tony Judt, a quem nos referimos aqui, aqui, aqui e aqui, faleceu em 6 de Agosto do ano passado, com 62 anos, vítima de uma doença estúpida (afinal todas as doenças são estúpidas), uma esclerose lateral amiotrófica, que deixando-lhe intacto o cérebro o privou progressivamente dos movimentos, mesmo dos mais simples, como falar.
Os textos reunidos neste livro foram publicados em "The New York Review of Books", ainda em vida do autor, e constituem uma espantosa revisitação da sua vida, apoiados numa invejável memória, que a doença não lhe diminuira. Constituem a revisitação de alguns dos aspectos, porventura dos mais banais, que impressionaram Judt ao longo da vida, que o marcaram definitivamente, a ele que viveu num período interessante da história, entre o fim da Segunda Guerra Mundial e o presumível início de uma Terceira, provocada pela cupidez daquilo a que se chama "os mercados" e que o autor vigorosamente denuncia na obra.
Não cabendo aqui uma crítica do livro, citaremos mais tarde algumas linhas do que escreveu sobre os referidos mercados, mas não poderíamos deixar de referir o seu juízo profundamente negativo sobre Margaret Thatcher e o seu profundo desprezo por Tony Blair.
segunda-feira, 26 de dezembro de 2011
É PRECISO ROMPER COM A "TROIKA"
Para sair da crise, é preciso “romper com a troika” e obrigá-la a “renegociar a dívida”
Pelo seu interesse e oportunidade transcrevemos do PÚBLICO a entrevista a Éric Toussaint.
O politólogo e professor universitário belga esteve recentemente em Lisboa para ajudar a lançar a Iniciativa por uma Auditoria Cidadã à Dívida Pública. Experiência não lhe falta.
É presidente do Comité para Anulação da Dívida do Terceiro Mundo e fez parte da equipa que realizou, entre 2007 e 2008, a auditoria sobre a origem e destino da dívida pública do Equador, ao serviço do novo Governo de esquerda do país, num processo que levou ao julgamento de vários responsáveis políticos e à decisão unilateral de não pagar parte da dívida equatoriana. Acredita que o mesmo pode acontecer na Europa. Mas isso implica romper com as exigências da troika.
Depois das decisões que saíram da última cimeira europeia, acha que a crise da dívida está próxima do fim?
Esta é uma crise que vai durar 10 ou 15 anos, porque o problema fundamental não é a dívida pública, mas sim os bancos europeus. E não estou a falar dos pequenos bancos portugueses ou gregos. O problema é que os grandes bancos – Deutsche Bank, BNP Paribas, Credit Agricole, Société Generale, Commerzbank, Intesa Sanpaolo, Santander, BBVA – estão à beira do precipício. Isso é muito pouco visível no discurso oficial. Só se fala da crise soberana, quando o problema é a crise privada dos bancos.
Está a referir-se à exposição dos bancos à dívida pública de alguns países do euro?
Não, não é a exposição à dívida soberana, mas sim a derivados tóxicos do subprime [crédito de alto risco]. Está a ocultar-se que todo o conjunto de derivados adquiridos entre 2004 e 2008 continuam nas contas dos bancos, porque são contratos a 5, 10 ou 15 anos. Somente quando o contrato chegar ao fim é que se vai descobrir a amplitude da toxicidade e das perdas, visto que as contas actuais dos bancos mostram esses derivados avaliados, não ao valor de mercado, mas ao valor facial, do contrato. Foram, aliás, esses problemas com os activos tóxicos que geraram os da dívida soberana. Em 2008, quando os bancos deixaram de conceder crédito entre si, o investimento mais seguro era comprar títulos da dívida soberana e os mais rentáveis eram da Grécia, Portugal, Irlanda, Espanha e Itália. Então, os bancos compraram muitos títulos para substituir os derivados que tinham. Agora, têm os dois, porque não conseguiram desfazer-se dos primeiros. Mas é totalmente falso dizer que o problema actual é a dívida soberana. É a soma dos dois.
Há, contudo, uma crise da dívida, que obrigou a Grécia, Portugal e a Irlanda a pedir ajuda. Como é que avalia a resposta que foi dada para estes países com os planos da troika?
Esses planos vão piorar a situação desses países, isso é absolutamente claro. A redução maciça das despesas públicas e do poder de compra da maioria da população vai diminuir a procura e as receitas fiscais e provocar ainda mais necessidade de o país se endividar para pagar a dívida. Tanto a política da troika na Grécia, Irlanda e Portugal, como a política da Comissão Europeia e dos países do Centro, como a Alemanha e a França, vai provocar mais recessão. A própria Alemanha vai ter problemas, porque precisa de ter quem compre os seus produtos.
Qual seria a solução? Uma reestruturação da dívida?
Em Portugal a reestruturação está muito na moda, mas não gosto dessa palavra. Na história da dívida, a reestruturação corresponde a uma operação totalmente controlada pelos credores. Quando o devedor quer tomar a iniciativa, tem de suspender os pagamentos da dívida, para obrigar os credores a sentarem-se à mesa e discutir condições. Uma reestruturação é o que a troika vai fazer na Grécia, impondo um corte de 50% na dívida dos bancos privados, em troca de mais austeridade no país. Contudo, sem redução da dívida à troika, que se tornou o maior credor da Grécia e, ainda por cima, privilegiado, este tipo de reestruturação só alivia de maneira conjuntural o pagamento da dívida. Não é uma solução de verdade.
Que solução seria essa?
Sei que esta ideia está fora do debate público, mas, para mim, se um país quiser sair desta crise, tem de romper com a troika. Tem de dizer: senhores, as condições que nos impõem são injustas e não nos servem a nível económico.
Mas se Portugal ou outro país disser isso, não terá de sair da zona euro?
Não acho que seja automático, mas é claro que é complicado. A Alemanha beneficia com o euro, pelas suas exportações e inclusive pelos empréstimos a Portugal. Quando vai financiar-se ao mercado, a Alemanha paga 1%, mas empresta a Portugal a 5%. Não é generosidade, é um bom negócio para a Alemanha. O que Portugal precisa é de uma política soberana em que o Estado declarasse não querer sair da zona euro, mas dissesse que as condições impostas pela troika são inaceitáveis para os cidadãos e para o interesse do país. Caso contrário, a troika só fará mais exigências, que não permitirão ao país sair da situação em que se encontra. Se Portugal disser não à troika, esta seria obrigada a sentar-se à mesa e renegociar a dívida e as condições que impõe. E não me parece que a troika queira a saída de um país do euro.
Como se insere neste processo a auditoria à dívida pública?
A auditoria é um processo promovido sobretudo por cidadãos para romper o tabu da dívida soberana, que nunca se discute nem se analisa. Até pode ser má, mas há que pagá-la, porque uma dívida paga-se sempre, quando, na realidade, tanto ao nível de um particular, de uma empresa ou de um Estado, uma dívida ilegítima, ilegal ou imoral é uma dívida nula. E há toda uma vasta história de anulação e suspensão dessa dívida.
O que é uma dívida ilegítima?
A ilegitimidade é um conceito cuja definição não se encontra no dicionário. É a forma como os cidadãos interpretam, de forma rigorosa, o respeito aos princípios da nação, da construção do país e do direito interno e internacional. Uma dívida ilegítima é, por exemplo, uma dívida contraída porque o Estado favoreceu uma pequena minoria, reduzindo impostos sobre as grandes empresas multinacionais ou as famílias mais ricas, que assim diminuíram a sua contribuição para as receitas fiscais, obrigando o Estado a endividar-se. Esta contra-reforma fiscal aconteceu em toda a Europa e também nos EUA, com o anterior presidente, George W. Bush. Os resgates aos bancos são outro exemplo. O custo de ajudar os banqueiros, que foram totalmente aventureiros, desviando os depósitos dos seus clientes para investir no subprime, implicou um aumento da dívida soberana, que é totalmente ilegítimo. Não podiam ter sido resgatados dessa forma, os grandes accionistas não deviam ter sido indemnizados.
A dívida à troika também é ilegítima?
Sim. Foi uma dívida contraída para impor um desrespeito aos direitos económicos e sociais da população. Há uma chantagem da troika, que dá crédito para pagar aos credores, que são eles próprios e os bancos dos países do Centro europeu, e, em contrapartida, exige austeridade. Não há dúvida: é uma dívida ilegítima.
Organizou uma auditoria à dívida do Equador... O que Portugal poderia retirar desse exemplo?
É uma situação diferente. No Equador, o novo presidente tinha sido eleito com o mandato de fazer uma auditoria da dívida pública, de modo a definir que parte era ilegítima e não seria paga.
Vê possibilidade de isso acontecer na Europa?
Com uma mudança de Governo, sim. Não pode ser um Governo que defende os acordos com a troika a fazer uma auditoria à dívida. O descontentamento das populações pode abrir caminho a isso, mas não sei quando é que uma mudança desse tipo pode ocorrer na Europa. Os latino-americanos viveram 15 a 20 anos de neoliberalismo e de aceitação do pagamento da dívida soberana. Espero que não demoremos 20 anos na Europa.
É presidente do Comité para Anulação da Dívida do Terceiro Mundo e fez parte da equipa que realizou, entre 2007 e 2008, a auditoria sobre a origem e destino da dívida pública do Equador, ao serviço do novo Governo de esquerda do país, num processo que levou ao julgamento de vários responsáveis políticos e à decisão unilateral de não pagar parte da dívida equatoriana. Acredita que o mesmo pode acontecer na Europa. Mas isso implica romper com as exigências da troika.
Depois das decisões que saíram da última cimeira europeia, acha que a crise da dívida está próxima do fim?
Esta é uma crise que vai durar 10 ou 15 anos, porque o problema fundamental não é a dívida pública, mas sim os bancos europeus. E não estou a falar dos pequenos bancos portugueses ou gregos. O problema é que os grandes bancos – Deutsche Bank, BNP Paribas, Credit Agricole, Société Generale, Commerzbank, Intesa Sanpaolo, Santander, BBVA – estão à beira do precipício. Isso é muito pouco visível no discurso oficial. Só se fala da crise soberana, quando o problema é a crise privada dos bancos.
Está a referir-se à exposição dos bancos à dívida pública de alguns países do euro?
Não, não é a exposição à dívida soberana, mas sim a derivados tóxicos do subprime [crédito de alto risco]. Está a ocultar-se que todo o conjunto de derivados adquiridos entre 2004 e 2008 continuam nas contas dos bancos, porque são contratos a 5, 10 ou 15 anos. Somente quando o contrato chegar ao fim é que se vai descobrir a amplitude da toxicidade e das perdas, visto que as contas actuais dos bancos mostram esses derivados avaliados, não ao valor de mercado, mas ao valor facial, do contrato. Foram, aliás, esses problemas com os activos tóxicos que geraram os da dívida soberana. Em 2008, quando os bancos deixaram de conceder crédito entre si, o investimento mais seguro era comprar títulos da dívida soberana e os mais rentáveis eram da Grécia, Portugal, Irlanda, Espanha e Itália. Então, os bancos compraram muitos títulos para substituir os derivados que tinham. Agora, têm os dois, porque não conseguiram desfazer-se dos primeiros. Mas é totalmente falso dizer que o problema actual é a dívida soberana. É a soma dos dois.
Há, contudo, uma crise da dívida, que obrigou a Grécia, Portugal e a Irlanda a pedir ajuda. Como é que avalia a resposta que foi dada para estes países com os planos da troika?
Esses planos vão piorar a situação desses países, isso é absolutamente claro. A redução maciça das despesas públicas e do poder de compra da maioria da população vai diminuir a procura e as receitas fiscais e provocar ainda mais necessidade de o país se endividar para pagar a dívida. Tanto a política da troika na Grécia, Irlanda e Portugal, como a política da Comissão Europeia e dos países do Centro, como a Alemanha e a França, vai provocar mais recessão. A própria Alemanha vai ter problemas, porque precisa de ter quem compre os seus produtos.
Qual seria a solução? Uma reestruturação da dívida?
Em Portugal a reestruturação está muito na moda, mas não gosto dessa palavra. Na história da dívida, a reestruturação corresponde a uma operação totalmente controlada pelos credores. Quando o devedor quer tomar a iniciativa, tem de suspender os pagamentos da dívida, para obrigar os credores a sentarem-se à mesa e discutir condições. Uma reestruturação é o que a troika vai fazer na Grécia, impondo um corte de 50% na dívida dos bancos privados, em troca de mais austeridade no país. Contudo, sem redução da dívida à troika, que se tornou o maior credor da Grécia e, ainda por cima, privilegiado, este tipo de reestruturação só alivia de maneira conjuntural o pagamento da dívida. Não é uma solução de verdade.
Que solução seria essa?
Sei que esta ideia está fora do debate público, mas, para mim, se um país quiser sair desta crise, tem de romper com a troika. Tem de dizer: senhores, as condições que nos impõem são injustas e não nos servem a nível económico.
Mas se Portugal ou outro país disser isso, não terá de sair da zona euro?
Não acho que seja automático, mas é claro que é complicado. A Alemanha beneficia com o euro, pelas suas exportações e inclusive pelos empréstimos a Portugal. Quando vai financiar-se ao mercado, a Alemanha paga 1%, mas empresta a Portugal a 5%. Não é generosidade, é um bom negócio para a Alemanha. O que Portugal precisa é de uma política soberana em que o Estado declarasse não querer sair da zona euro, mas dissesse que as condições impostas pela troika são inaceitáveis para os cidadãos e para o interesse do país. Caso contrário, a troika só fará mais exigências, que não permitirão ao país sair da situação em que se encontra. Se Portugal disser não à troika, esta seria obrigada a sentar-se à mesa e renegociar a dívida e as condições que impõe. E não me parece que a troika queira a saída de um país do euro.
Como se insere neste processo a auditoria à dívida pública?
A auditoria é um processo promovido sobretudo por cidadãos para romper o tabu da dívida soberana, que nunca se discute nem se analisa. Até pode ser má, mas há que pagá-la, porque uma dívida paga-se sempre, quando, na realidade, tanto ao nível de um particular, de uma empresa ou de um Estado, uma dívida ilegítima, ilegal ou imoral é uma dívida nula. E há toda uma vasta história de anulação e suspensão dessa dívida.
O que é uma dívida ilegítima?
A ilegitimidade é um conceito cuja definição não se encontra no dicionário. É a forma como os cidadãos interpretam, de forma rigorosa, o respeito aos princípios da nação, da construção do país e do direito interno e internacional. Uma dívida ilegítima é, por exemplo, uma dívida contraída porque o Estado favoreceu uma pequena minoria, reduzindo impostos sobre as grandes empresas multinacionais ou as famílias mais ricas, que assim diminuíram a sua contribuição para as receitas fiscais, obrigando o Estado a endividar-se. Esta contra-reforma fiscal aconteceu em toda a Europa e também nos EUA, com o anterior presidente, George W. Bush. Os resgates aos bancos são outro exemplo. O custo de ajudar os banqueiros, que foram totalmente aventureiros, desviando os depósitos dos seus clientes para investir no subprime, implicou um aumento da dívida soberana, que é totalmente ilegítimo. Não podiam ter sido resgatados dessa forma, os grandes accionistas não deviam ter sido indemnizados.
A dívida à troika também é ilegítima?
Sim. Foi uma dívida contraída para impor um desrespeito aos direitos económicos e sociais da população. Há uma chantagem da troika, que dá crédito para pagar aos credores, que são eles próprios e os bancos dos países do Centro europeu, e, em contrapartida, exige austeridade. Não há dúvida: é uma dívida ilegítima.
Organizou uma auditoria à dívida do Equador... O que Portugal poderia retirar desse exemplo?
É uma situação diferente. No Equador, o novo presidente tinha sido eleito com o mandato de fazer uma auditoria da dívida pública, de modo a definir que parte era ilegítima e não seria paga.
Vê possibilidade de isso acontecer na Europa?
Com uma mudança de Governo, sim. Não pode ser um Governo que defende os acordos com a troika a fazer uma auditoria à dívida. O descontentamento das populações pode abrir caminho a isso, mas não sei quando é que uma mudança desse tipo pode ocorrer na Europa. Os latino-americanos viveram 15 a 20 anos de neoliberalismo e de aceitação do pagamento da dívida soberana. Espero que não demoremos 20 anos na Europa.
domingo, 25 de dezembro de 2011
MAIS UM INCÊNDIO
Esta madrugada deflagrou mais um incêndio, num prédio abandonado, em plenas "avenidas novas". O incêndio alastrou a outros dois edifícios, que tiveram de ser evacuados, em plena noite de Natal. Segundo a VISÃO, a traseira do edifício ruiu e a fachada ameaça desmoronar-se.
Sucedem-se em Lisboa os incêndios (ao que tudo indica devido a fogo posto) em edifícios devolutos. Que não só acabam em perigosa derrocada como ameaçam, e a maior parte das vezes comprometem, a segurança dos edifícios (ainda habitados) vizinhos. Como consequência, proliferam os cortes de ruas, que se prolongam por meses. E os locatários adjacentes perdem as suas habitações, os seus haveres e mesmo a sua vida.
Que faz a Câmara Municipal de Lisboa para travar este ciclo infernal, donde não está ausente, bem pelo contrário, a especulação imobiliária? NADA, que se saiba. Aliás, não se vislumbra por parte da actual vereação da Câmara qualquer medida não só para prevenir e impedir estes actos pirómanos, como para ordenar racionalmente o trânsito, planificar correctamente a cidade, evitar a destruição dos espaços verdes que ainda restam, obstar à desertificação do centro da Cidade, e mais não escrevo porque a lista não teria fim.
Podemos hoje constatar que a actual Câmara da Capital é a pior de todas as más Câmaras que se sucederam desde o 25 de Abril. Azar dos Lisboetas e de todos os portugueses que se deslocam a Lisboa.
Ainda tenho saudades do engº Santos e Castro que foi presidente da edilidade em plena Ditadura e que construiu um utilíssimo viaduto sobre a linha férrea, em Alcântara. Construiu-o com carácter provisório para ser substituído mais tarde por uma infraestrutura definitiva. Ainda hoje lá está, e serve diariamente milhares de portugueses. Agora, só vejo os edis discutirem o chão do Terreiro do Paço, talvez para eles a primeira prioridade da cidade. Podiam ir brincar com as tias deles.
O PAPA PEDE O FIM DA VIOLÊNCIA NA SÍRIA
O papa Bento XVI, falando aos fiéis na Basílica de São Pedro, e antes de proceder à bênção "Urbi et Orbi", pediu o fim da violência na Síria, "onde foi derramado demasiado sangue", e apelou ao recomeço do diálogo entre israelitas e palestinianos.
Justifica-se a preocupação de Bento XVI, pois sabe o papa que a queda do regime sírio, tal como antes se verificou no Iraque, provocará as maiores provações aos católicos (e aos cristãos, em, geral) daquele país.
O pontífice não se referiu na sua alocução (anteriormente preparada) aos ataques na noite de Natal a cinco igrejas na Nigéria, que provocaram pelo menos 28 mortos e dezenas de feridos, devidos ao grupo islamista radical Boko Haram, que pretende impor a sharia no país, cujos habitantes se repartem, de forma quase igual, entre as religiões cristã e muçulmana.
Segundo a Reuters, o papa insurgiu-se ainda com a mercantilização do Natal, que se tem transformado progressivamente de festa religiosa numa celebração comercial que oculta o verdadeiro significado da data.
sábado, 24 de dezembro de 2011
AINDA A FRANÇA E O GENOCÍDIO ARMÉNIO
Pela sua relevante importância, transcrevemos este artigo de "Agora Vox" (http://www.agoravox.fr/actualites/politique/article/ton-genocide-est-plus-grave-que-le-106863):
Ton génocide est plus grave que le mien !
Il fallait bien qu’un quarteron de députés nostalgiques de l’OAS et de la chasse au bougnoule, ou anciens d’Occident, vienne pourrir nos relations internationales.
Parce que, ne nous leurrons, pas, en ouvrant la boîte de Pandore arménienne une cinquantaine de clowns surpayés ont pourri et vont pourrir nos relations avec l’Afrique et le Monde Musulman, rien que ça !
Même Alain Juppé, le « meilleur d’entre eux », ne soutient pas cette connerie, c’est dire.
D’abord quelles sont les limites de compétence des « élus du peuple » ? Ils auraient donc le pouvoir de changer l’histoire ? De la réécrire ? Grande nouvelle …. Mais combien d’entre eux ont des compétences dans ce domaine ? Combien ont lu Fernand Braudel ? Combien connaissent l’histoire de France autrement qu’en lisant des articles avec de belles images dans la presse hebdomadaire ? Je parle de la presse « pipole », pas de Marianne, ils n’ont pas le niveau. Superficiels, limités, mais comme l’animal qui est notre emblème, ils se tiennent droits dans leurs bottes, les deux pieds dans le purin, et fiers au point de donner des leçons a un pays (la Turquie) dont la croissance en 2011 est 30 (trente) fois supérieure à la nôtre (9% contre 0,3%, excusez du peu).
Donc nos historiens du jeudi ont décidé, mais je ne suis pas sûr que ce soit en pensant aux vrais génocides qui ont eu lieu depuis que l’homme existe, et notamment ceux qui détiennent le record du monde de personnes exterminées dans une guerre, je veux parler des Tsiganes. En pourcentage durant la seconde guerre mondiale ils dépassent largement les juifs. Je veux aussi parler des russes et des ukrainiens, 26.000.000 de morts, en nombre ils dépassent là aussi largement celui des juifs et des arméniens. Oui mais les premiers sont fainéants et voleurs et les seconds étaient communistes, donc « de la chair à canon ». Ceux-là n’ont pas droit au Panthéon des « génocidés ». Comme s’il y avait deux vitesses, ou deux grades, chez les « génocidés », ceux « de luxe » et ceux « de hasard ». D’un côté les vraies victimes, essentiellement les arméniens et les juifs, chacun de leurs descendants vaut une voix, surtout si on les caresse dans le sens du poil. De l’autre ceux qui se trouvaient là par erreur, russes, tsiganes, tutsies, biafrais, nègres, chinois, dont les descendants soit n’ont pas le droit de vote, soit sont illettrés. Circulez, y-a pas de génocide à voir chez « ces gens là » !
Donc sous l’impulsion d’un président qui a quand même sur les mains environs 100.000 morts et blessés grâce à sa politique de pacification en Libye et en Côte d’Ivoire, et qui pèse de tout son poids pour que la Cour Pénale Internationale continue à n’être compétente que pour les noirs et les serbes et ne vienne pas enquêter sur les exactions commises par nous dans le « pré-carré français », nous nous attaquons cette fois à l’ensemble du monde musulman. Car à quoi pouvions-nous nous attendre quand notre gouvernement et le président en tête réduisent les possibilités pour les étudiants étrangers de faire leurs études en France, quand ils stigmatisent systématiquement et impunément des ethnies, et quand parallèlement ils tolèrent les maffieux russes et les dictateurs africains sur notre sol, leurs valises de billets étant plus intéressantes que les droits des pauvres.
Après une loi sur les bienfaits de la colonisation et un discours sur l’absence de l’homme africain dans l’histoire, nous voici au pied du mur. Car trop c’est trop !
Je me rappelle d’un ami blanc et de nationalité sénégalaise qui avait eu à retrouver les familles des noirs d’AOF qui avaient été envoyés en Europe pour combattre à nos côtés. Son rapport a été mis directement à la poubelle. Il démontrait que ce ne sont pas les majeurs, responsables de famille, qui étaient réquisitionnés mais leurs jeunes frères pas encore mariés. Nous avons envoyé sciemment au front et à la mort des gosses pour ne pas avoir de révolte dans nos colonies ! Combien de gamins de 15 ou 16 ans sont morts « au champ d’honneur », sous le nom de leur grand-frère, et avec la complicité de nos gouverneurs de l’époque coloniale ? Alors bien sûr, il ne s’agit pas dans ce cas de génocide pour deux raisons :
-à cette époque un nègre était un sous-homme donc sa mort ne rentrait pas dans les victimes de guerre et n’entrainait pas d’indemnisation des familles ;
-il n’y a pas de rétroactivité dans l’abjection, ce terme n’ayant pas de signification juridique. Et sans signification juridique, pas d’action de réparation possible.
Dormez tranquilles, braves gens, l’UMP et le PS ont fait passer cette loi pour satisfaire leurs propres troupes et leurs électeurs, notamment les banquiers et les cordonniers. Pour le reste, nos médias s’occupent de stigmatiser la Turquie car elle « sur-réagirait » ?!? La propagande continue.
sexta-feira, 23 de dezembro de 2011
NO ANIVERSÁRIO DA DERROTA DE UM JOVEM GENERAL
Pintura de Pierre Narcisse Guérin |
Henri du Vergier, conde de La Rochejaquelin (1772-1794), foi o mais jovem e um dos mais dotados generais do exército realista da Vendeia, durante a Revolução Francesa.
Oficial da Guarda de Luís XVI, começou a sua carreira militar, com 20 anos, defendendo as Tulherias. Regressado à província, combateu a República Francesa, tornando-se famoso com a sua ordem aos soldados: "Mes amis, si j'avance suivez-moi! Si je recule, tuez-mois! Si je meurs, vengez-moi!" Entre vitórias e derrotas, e pela sua falta de experiência que não compensava a sua impetuosidade e bravura, a sua estrela foi empalidecendo, embora a sua presença física galvanizasse os soldados.
Em 23 de Dezembro de 1793, sofreu uma séria derrota em Savenay, tentou reunir depois o resto das suas tropas, mas acabou por ser morto, aos 22 anos, por um soldado republicano em 28 de Janeiro de 1794.
O seu amigo Pierre Narcisse Guérin, dois anos mais novo e seu admirador, imortalizou-o nesta pintura.
ATENTADOS EM DAMASCO
A explosão de dois carros armadilhados, que provocou pelo menos 40 mortos e mais de 100 feridos, constituiu o primeiro ataque realizado pelos opositores de Bachar Al-Assad na capital síria.
Os alvos escolhidos foram edifícios da segurança do Estado e entre as vítimas contam-se militares e civis. Estes actos terroristas, levados a cabo por bandos armados, ocorrem no dia seguinte à chegada a Damasco da missão de observadores da Liga Árabe. O governo sírio tem insistido que o levantamento contra o regime, que desde há meses se verifica no país, é largamente apoiado pela Al-Qaïda, que muitos insistem em afirmar tratar-se, afinal, de um braço armado da CIA. De resto, todos se lembram que Osama Bin Laden, antes de surgir à luz do dia como o rosto visível da Al-Qaïda, tinha sido um agente da CIA no Afeganistão, vindo a ser assassinado em circunstâncias pouco claras e nunca se tendo visto o seu cadáver.
A cidade de Damasco tinha sido até hoje um lugar relativamente tranquilo no panorama do país, mas os atentados de hoje deixam prever uma escalada de violência.
O Conselho Nacional Sírio, bloco que congrega várias forças de oposição, está a ser apoiado por vários países ocidentais e também pela Turquia, pela Líbia, pela Tunísia e pelos países do Golfo, através do emir Al-Thani, do Qatar.
O levantamento contra o regime de Assad integra-se na chamada Primavera Árabe, que levou ao derrube dos governos da Tunísia, da Líbia e do Egipto, países que se encontram agora, em alguns aspectos, pior do que antes das respectivas revoluções. Em todos eles se registaram intervenções, mais discretas nuns casos, mais às claras na Líbia, do chamado Mundo Ocidental, que, curiosamente, não interfere nas monarquias da Península Arábica. É claro que o factor petróleo é determinante.
O Ocidente pretende, através da insurreição na Síria e do caos no Iraque atingir o Irão, objectivo que se está a tornar mais difícil, na medida em que se desconhece, neste momento, a capacidade nuclear deste país.
É preciso aguardar pelas próximas semanas para se poder avaliar correctamente da evolução da situação. Então, esperemos!
quinta-feira, 22 de dezembro de 2011
ACORDO FATAH-HAMAS
Mahmud Abbas, Salim al.Zanun (presidente do Conselho Nacional Palestiniano) e Khalid Meshaal (líder do Hamas) |
O presidente da Autoridade Palestiniana, Mahmud Abbas e o líder do Hamas, Khalid Meshaal, assinaram no Cairo um acordo para a formação de um governo unificado a ser apresentado em Janeiro.
As negociações, que foram mediadas pelo Egipto, prevêem o regresso do Hamas à Organização de Libertação da Palestina (OLP), a entidade que é internacionalmente reconhecida como a representante do povo palestiniano. Contudo, o processo ainda não é inteiramente pacífico, já que uma condição da OLP é a entrega das armas por parte do Hamas e a libertação simultânea dos presos políticos existentes na Cisjordânia e na Faixa de Gaza. O Hamas, que continua a não reconhecer o estado de Israel, admite contudo a consagração das fronteiras de 1967, mas tem-se mostrado intransigente com a manutenção de Salam Fayyad como primeiro-ministro.
Como seria de esperar, o primeiro-ministro israelita Benjamin Netanyahu manifestou a sua total oposição a uma reconciliação de Abbas com o Hamas. E, segundo o "Guardian", Washington já ameaçou cortar os milhões de dólares com que subsidia a infraestrutura de segurança palestiniana, caso venha a verificar-se a desejada reunificação dos dois movimentos.
A FRANÇA, A TURQUIA E O GENOCÍDIO ARMÉNIO
O Parlamento francês aprovou hoje uma lei que criminaliza a negação do genocídio arménio. Segundo algumas fontes históricas, os turcos terão procedido, em 1915, ainda durante a vigência do Império Otomano, a um genocídio na Arménia, em que terão sido mortas cerca de 1,5 milhões de pessoas.
A Turquia, que sempre negou a ocorrência de um genocídio, reconhece apenas que naquele período poderão ter morrido cerca de 500.000 arménios, o que, na verdade, já não é pouco, mas que não se tratou, em circunstância alguma, de um genocídio. Assim, e tendo desenvolvido todas as diligências para impedir a aprovação da lei pela Assembleia Nacional francesa, o Governo turco chamou imediatamente o seu embaixador em Paris, que abandonará amanhã o país, e anunciou o congelamento de relações com a França. Trata-se de um assunto delicado, que desperta muitos fantasmas entre a população turca, tal como a questão curda, e que deveria ser deixado às investigações e conclusões dos historiadores e não aos critérios mais ou menos oportunísticos dos políticos, especialmente quando eles são da dimensão de um Sarkozy. Têm os arménios toda a razão para denunciar o crime, mas não cabe à legislação de países alheios pronunciar-se, a maior parte das vezes sem real conhecimento de causa, sobre factos que a história ainda não reconheceu com exactidão. ou, pelos menos, com a exactidão possível.
Já não é a primeira vez que o parlamento francês, substituindo-se ao julgamento da História, decide pela criminalização dos cidadãos que contrariem as versões gaulesas politicamente correctas, o que confirma que a liberdade de expressão em França é uma autêntica farsa. Em 1990, foi aprovada uma disposição legislativa, conhecida como lei Gayssot, destinada a punir os cidadãos que neguem a existência do holocausto judaico. Ao abrigo desta lei, foi expulso da sua cátedra universitária e condenado a pena de prisão com a pena suspensa, o intelectual e político francês Roger Garaudy., que vive hoje, com 98 anos, no exílio.
A decisão da Assembleia Nacional francesa terá de ser ainda confirmada pelo Senado.
ATENTADOS EM BAGDAD
Registaram-se hoje 17 explosões em Bagdad, algumas com carros armadilhados, que provocaram pelo menos 63 mortos e cerca de 200 feridos.
Como escrevemos ontem, estes ataques deveriam ser aguardados, dadas as tensões entre xiitas e sunitas, reavivadas pelo mandado de captura emitido pelo primeiro-ministro Nuri Al-Maliki contra o vice-primeiro-ministro Tariq Al-Hashimi.
O povo iraquiano (que ainda resta), conforme relata o Guardian", aspira apenas a uma vida normal, com segurança, dignidade e honra. Sabemos hoje, observando os últimos oito anos de guerra, que a vida no Iraque era incomparavelmente melhor no tempo de Saddam Hussein que a partir da invasão protagonizada pelos GRANDES CRIMINOSOS DA HISTÓRIA, GEORGE BUSH E TONY BLAIR, que não foram nem serão certamente julgados pela destruição de um país e dos seus habitantes.
RENOVAÇÃO NA GULBENKIAN
Segundo informa o PÚBLICO, o banqueiro Artur Santos Silva (presidente e fundador do BPI) foi eleito por unanimidade presidente do Conselho de Administração da Fundação Calouste Gulbenkian, substituindo Emílio Rui Vilar que, de acordo com os estatutos da Fundação, não poderia exercer mais de dois mandatos consecutivos.
Sendo Santos Silva, desde há anos, já administrador não executivo da Fundação, não é de esperar uma significativa alteração na política prosseguida, salvo a decorrente dos constrangimentos da situação nacional e internacional, ainda que se possam admitir algumas modificações na actividade da instituição, atendendo aos perfis do banqueiro que sai e do banqueiro que entra.
quarta-feira, 21 de dezembro de 2011
A PAZ NO IRAQUE
Tariq al-Hashemi |
Saídas que foram as tropas americanas do Iraque, onde nunca deviam ter entrado, o primeiro-ministro (xiita) deste país, Nuri al-Maliki, mandou prender o vice-primeiro-ministro (sunita), Tariq al-Hashemi, a quem acusou da prática de actos terroristas. Este refugiou-se na região semi-autónoma curda (a norte do país), recusando submeter-se a julgamento. Entretanto, os ministros pertencentes ao partido Al-Iraqiyya (de Hashemi), no governo de coligação, suspenderam as suas funções. Maliki avisou que os demitirá, o que fará regressar, muito provavelmente, a violência inter-sectária que abalou o Iraque em 2006 e 2007 principalmente, e que não cessou completamente até hoje, provocando milhares de mortos.
Apesar do governo ditatorial de Saddam Hussein, o Iraque era um país razoavelmente tranquilo até à invasão anglo-americana e dos seus sequazes. Hoje, o mais que se desejaria, em nome da paz, seria regressar ao tempo pré-invasão, mas, como diria, na ópera de Verdi, Otello a Desdemona, antes de assassiná-la: "È tardì".
terça-feira, 20 de dezembro de 2011
A EUROPA NA HORA ALEMÃ
Quando escreveu, em 1945, este romance, que haveria de obter o Prémio Goncourt, talvez Jean-Louis Bory não tivesse a presciência de que, cerca de 70 anos mais tarde, a Alemanha pretendesse novamente acertar pelo seu relógio a hora de toda a Europa. Os resultados conhecem-se.
A DESTRUIÇÃO DA "DESCRIÇÃO DO EGIPTO"
Conforme reporta o "Al-Ahram", nos ininterruptos incidentes registados Cairo, foi assaltado e incendiado no passado sábado o Instituto Egípcio, onde se guardavam cerca de 200.000 obras, das quais apenas cerca de 30.000 puderam ser resgatadas do fogo.
Entre as preciosidades destruídas conta-se uma obra de valor incalculável, o original da célebre "Descrição do Egipto", que Napoleão Bonaparte mandou efectuar aos cientistas e artistas que acompanharam a sua expedição de 1798. A obra era composta por 24 volumes repletos de ilustrações.
O Instituto conservava a maior colecção de mapas e manuscritos do Egipto e a sua destruição é uma perda irreparável para o país e para a cultura universal. Não se compreende como foi possível a ocorrência desta catástrofe, a menos que certos poderes tenham procedido ao roubo de algumas preciosidades bibliográficas e largado fogo ao edifício posteriormente. Já se haviam registados roubos no Museu do Cairo aquando das primeiras manifestações contra Hosni Mubarak.
Importa que as autoridades preservem o inestimável património das sucessivas civilizações egípcias (faraónica, helenística, copta e islâmica), que constitui um dos maiores legados de todos os tempos.
É preciso também que as manifestações revolucionárias não afectem uma das mais importantes heranças da cultura universal, porque isso significaria a negação da própria revolução. Não creio que os verdadeiros egípcios estejam interessados na sua auto-destruição. Mas haverá certamente infiltrações de poderes ocultos, como sucede em todas as revoluções.
segunda-feira, 19 de dezembro de 2011
SOBRE OS CONFRONTOS NA SÍRIA
Uma opinião do investigador russo Prof. Igor Panaris, aqui registada:
Russian researcher: Al-Jazeera is ideologically controlled by British-American elite
OTTAWA– Political researcher Prof. Igor Panaris said that part of the British-American and Israeli elite is waging an information war to justify a military invasion of Syria, and that the Syrian army and police are facing around 10,000 mercenaries from Arab and foreign countries.
In an article published on the Canadian website GlobalResearch.ca, Panarin said that the protests that broke out in a number of Arab countries in 2011 were orchestrated from London, which became their coordination center, saying "the BBC and Qatar’s supposedly-independent al-Jazeera channel (which in reality is ideologically controlled by a part of the British-American elite) led the way in providing media support."
He pointed out that the BBC reported that an independent commission of UN human rights experts accused Syrian authorities of committing crimes against humanity as they dispersed protests, but French journalist Thierry Meyssan found out that the commission clearly fabricated the evidence they used in their investigation, and that the alleged number of protestors who were killed came from Syrian Observatory of Human Rights (OSDH), a mysterious London-based human rights organization.
According to Meyssan, those who were claimed to have been killed by Syrian security forces are in fact alive and well, and that OSDH simply took their names from the phonebook.
Panarin went on to note that Meyssan says an information war is being waged against Syria by al-Jazeera, which is producing footage in special studios that reproduce parts of Syria’s major cities in an attempt to use the same trick which was used with Libya, when the footage of street fighting in Tripoli on August 23, 2011, was actually shot in Qatari studios, which opened a new chapter in information warfare.
He pointed out that some protestors in Syria are using banned smarphones to spread false reports, announce protest rallies and distribute anti-government materials using the “Syria Alone” application, which was launched on November 18, developed by British and US experts specifically to help the opposition.
"A part of the British-American elite is playing the leading role in media campaign against Syria", Panarin said, adding that their goal is to recreate the Libyan scenario by using the Arab the League and intensifying the media campaign.
He concluded by noting that Russia's approach differs from that of the United States, as it vetoed the UN Security Council resolution to make sure that the Libyan scenario isn't repeated in Syria, avoid escalation, and prevent military intervention.
DISCURSO DE UM HOMEM LÚCIDO
Discurso de Helmut Schmidt (um homem lúcido que completará 83 anos no próximo dia 23), ex-chanceler da Alemanha, no Congresso Ordinário do SPD, em Berlim, em 4 de Dezembro de 2011.
Queridos Amigos, minhas Senhoras e meus Senhores!
Deixai-me começar com uma nota pessoal. Quando o Sigmar Gabriel, o Frank-Walter Steinmeier e o meu Partido me pediram mais uma vez uma contribuição, gostei de recordar como há 65 anos eu e a Locki, de joelhos no chão, pintavamos cartazes para o SPD em Hamburgo-Neugraben. Na verdade tenho de confessar desde já: no que diz respeito a toda a política partidária, já estou para além do Bem e do Mal, por causa da minha idade. Há muito que para mim, em primeiro e em segundo lugar, se encontram as tarefas e papel da nossa nação no indispensável âmbito união europeia.
Simultaneamente estou satisfeito por poder partilhar esta tribuna como o nosso vizinho norueguês Jens Stoltenberg, que no centro de uma profunda infelicidade da sua nação nos deu a nós e a todos os europeus um exemplo a seguir de direção liberal e democrática de um estado de direito.
Enquanto entretanto homem já muito velho, penso naturalmente em longos períodos temporais – quer para trás na História, quer para a frente na direção do desejado e pretendido futuro. Contudo, não pude dar há alguns dias uma resposta clara a uma pergunta muito simples. Wolfgang Thierse perguntara-me: «Quando será a Alemanha, finalmente, um país normal?» E eu respondi: num futuro próximo a Alemanha não será um país «normal». Já que contra isso está a nossa carga histórica enorme mas única. E além disso está contra isso a nossa posição central preponderante, demográfica e economicamente, no centro do nosso bastante pequeno continente mas organizado em múltiplos estados-nação.
Com isto já estou no centro do complexo tema do meu discurso: a Alemanha na Europa, com a Europa e pela Europa.
Razões e origens da integração europeia
Apesar de em alguns poucos dos cerca de 40 Estados europeus a consciência de ser um nação se ter desenvolvido tardiamente – assim em Itália, na Grécia e na Alemanha – sempre houve e em todo o lado guerras sangrentas. Pode-se compreender esta história europeia – observada da Europa Central – como uma pura sequência de lutas entre a periferia e o centro e vice-versa. Sempre de novo o centro se manteve o campo de batalha decisivo.
Quando os governantes, os estados ou os povos no centro da Europa foram fracos, então os vizinhos da periferia avançaram para o centro. A maior destruição e as relativamente elevadas baixas humanas aconteceram na primeira guerra dos 30 anos entre 1618 e 1648, que se desenrolou fundamentalmente em solo alemão. A Alemanha era, nessa época, simplesmente um conceito geográfico, definido de forma desfocada só pelo espaço da língua alemã. Mais tarde vieram os franceses, sob Luís XIV e de novo sob Napoleão. Os suecos não vieram uma segunda vez; mas sim diversas vezes os ingleses e os russos, a última vez com Stáline.
Mas quando as dinastias ou os Estados eram foram fortes no centro da Europa – ou quando se sentiram fortes! – então atacaram a periferia. Isto já é válido para as cruzadas, que foram simultaneamente cruzadas de conquista não só na direção da Ásia Menor e Jerusalém, mas também na direção da Prússia Oriental e na de todos os três estados bálticos atuais. Na idade moderna é válido para as guerras contra Napoleão e é válido para as três guerras de Bismarck em 1864, 1866 e 1870/71.
O mesmo é válido principalmente para a segunda guerra dos 30 anos de 1914 a 1945. É especialmente válido para os avanços de Hitler até ao Cabo Norte, até ao Cáucaso, até à ilha grega de Creta, até ao sul da França e até mesmo a Tobruk, perto da fronteira líbio-egípcia. A catástrofe europeia, provocada pela Alemanha, incluiu a catástrofe dos judeus europeus e a catástrofe do estado nacional alemão.
Mas antes os polacos, as nações bálticas, os checos, os eslovacos, os austríacos, os húngaros, os eslovenos, os croatas tinham partilhado o destino dos alemães na medida em que todos eles, desde há séculos, tinham sofrido sob a sua posição geopolítica central neste pequeno continente europeu. Ou dito de outra forma: diversas vezes, nós, alemães, fizemos sofrer os outros sob a nossa central posição de poder.
Hoje em dia, as reivindicações territoriais conflituais, os conflitos linguísticos e fronteiriços, que ainda na primeira metade do século XX desempenharam um papel importante na consciência das nações, tornaram-se de facto insignificantes, pelo menos para nós alemães.
Enquanto na opinião pública e na opinião publicada nas nações europeias o conhecimento e a lembrança das guerras da Idade Média se encontram amplamente esquecidos, a lembrança de ambas as guerras do século XX e a ocupação alemã desempenham todavia ainda um papel latente dominante.
Penso ser para nós alemães decisivo que quase todos os nossos vizinhos – e para além disso quase todos os judeus no mundo inteiro – se recordem do holocausto e das infâmias que aconteceram durante a ocupação alemã nos países da periferia. Não está suficientemente claro para nós alemães que provavelmente entre quase todos os nossos vizinhos, ainda por muitas gerações, se mantém uma desconfiança contra os alemães.
Também as gerações alemãs posteriores têm de viver com este peso histórico. E as atuais não devem esquecer: foi a desconfiança com um futuro desenvolvimento da Alemanha que justificou o início da integração europeia em 1950.
Em 1946, Churchill, no seu grande discurso em Zurique, tinha duas razões para apelar aos franceses para se entenderem com os alemães e construírem com ele os Estados Unidos da Europa: em primeiro lugar a defesa conjunta perante a União Soviética, que parecia ameaçadora, mas em segundo a integração da Alemanha numa aliança ocidental alargada. Porque Churchill previa perspicazmente a recuperação económica da Alemanha.
Quando em 1950, quatro anos depois do discurso de Churchill, Robert Schuman e Jean Monnet apresentaram o plano Schuman para a integração da indústria pesada europeia, a razão foi a mesma, a razão da integração alemã. Charles de Gaulle, que dez anos mais tarde propôs a Konrad Adenauer a reconciliação, agiu pelo mesmo motivo.
Tudo isto aconteceu na perspetiva realista de um possível desenvolvimento futuro do poder alemão. Não foi o idealismo de Victor Hugo, que em 1849 apelou à união da Europa, nem nenhum idealismo esteve em 1950/52 no início da integração europeia então limitada à Europa Ocidental. Os estadistas dessa época na Europa e na América (nomeio George Marshall, Eisenhower, também Kennedy, mas principalmente Churchill, Jean Monnet, Adenauer e de Gaulle ou também Gasperi e Henri Spaak) não agiram de forma nenhuma por idealismo europeu, mas sim a partir do conhecimento da história europeia até à data. Agiram no juízo realista da necessidade de impedir uma continuação da luta entre a periferia e o centro alemão. Quem ainda não entendeu este motivo original da integração europeia, de que continua a ser um elemento fundamental, quem ainda não entendeu isto falta-lhe a condição indispensável para solucionar a presente crise altamente precária da Europa.
Quanto mais, durante os anos 60, 70 e 80, a então República Federal ganhava em peso económico, militar e político, mais a integração europeia se tornava aos olhos dos governantes europeus o seguro contra a de novo possível tentação de poder alemã. A resistência inicial de Margaret Tatcher ou de Miterrand ou de Andreotti em 1989/90 contra a unificação dos dois estados alemães do pós-guerra estava claramente fundada na preocupação de uma Alemanha poderosa no centro deste pequeno continente europeu.
Gostaria aqui de fazer um pequeno excurso pessoal. Ouvi Jean Monnet quando participei no seu comité «Pour les États-Unis d’Europe». Foi em 1955. Para mim Jean Monnet é um dos franceses mais perspicazes que eu conheci na minha vida em questões de integração, também por causa do seu conceito de avançar passo a passo na integração europeia.
Desde aí que, por compreender o interesse estratégico da nação alemã, me tornei e me mantive um partidário da integração europeia, um partidário da integração da Alemanha, não por idealismo. (Isto levou-me a uma controvérsia com Kurt Schumacher, o por mim muito respeitado presidente do meu partido, para ele insignificante, para mim com 30 anos, regressado da guerra, muito séria.) Levou-me a concordar, nos anos 50, com os planos do então Ministro dos Negócios Estrangeiros polaco Rapacki. No início dos anos 60 escrevi então um livro contra a estratégia oficial ocidental da retaliação nuclear, com que a NATO, na qual ontem como hoje nos encontrávamos integrados, ameaçava a poderosa União Soviética.
A União Europeia é necessária
De Gaulle e Pompidou continuaram nos anos 60 e início dos anos 70 a integração europeia, para integrar a Alemanha – mas também não queriam de maneira nenhuma integrar o seu próprio estado. Depois disso, o bom entendimento entre Giscard d’Estaing e mim, levou a um período de cooperação franco-alemão e à continuação da integração europeia, um período que depois da primavera de 1990 continuou com êxito entre Miterrand e Kohl. Ao mesmo tempo desde 1950/52 que a comunidade europeia cresceu, até 1991, passo a passo de seis para doze membros.
Graças ao amplo trabalho preparatório de Jacques Delors (na altura presidente da Comissão Europeia), Miterrand e Kohl acordaram, em 1991, em Maastricht a moeda comum – o euro – que se tornou realidade dez anos mais tarde, em 2001. De novo na sua origem a preocupação francesa de uma Alemanha demasiado poderosa, mais exatamente de um marco demasiado poderoso.
Entretanto o euro tornou-se na segunda moeda mais importante da economia mundial. Esta moeda europeia é até, quer interna, quer externamente mais estável do que o dólar americano e mais estável do que o marco foi nos seus últimos dez anos. Toda a conversa sobre uma suposta «crise do euro» é conversa fiada leviana dos media, de jornalistas e de políticos.
Mas desde Maastricht, desde 1991/92, que o mundo mudou imensamente. Assistimos à libertação das nações do leste europeu e à implosão da União Soviética. Assistimos à ascensão fenomenal da China, da Índia, do Brasil e outros «estados emergentes», que antigamente chamávamos «Terceiro Mundo». Simultaneamente, as economias reais de grande parte do mundo «globalizaram-se», em alemão: quase todos os estados no mundo dependem uns dos outros. Principalmente, os actores nos mercados financeiros globalizados apropriaram-se de um poder, por enquanto, totalmente sem controlo.
Mas paralelamente, quase sem se dar por isso, a humanidade multiplicou-se de forma explosiva atingindo os 7 mil milhões. Quando nasci eram cerca de 2 mil milhões. Todas estas enormes mudanças tiveram consequências tremendas nos povos europeus, nos seus estados, no seu bem-estar!
Por outro lado, todas as nações europeias envelhecem e por todo o lado desce o número de cidadãos europeus. Em meados do século XXI seremos provavelmente 9 mil milhões de pessoas a viver na Terra, enquanto todas as nações europeias não ultrapassarão os 7%. 7% de 9 mil milhões. Até 1950, os europeus representaram, durante mais de dois séculos, mais de 20% da população mundial. Mas desde há 50 anos que nós europeus diminuímos – não só em números absolutos, mas principalmente em relação à Ásia, África e América Latina. Da mesma forma desce a parte dos europeus no produto social global, isto é na criação de riqueza de toda a humanidade. Até 2050 descerá até aos 10%; em 1950 ainda representava 30%.
Cada uma das nações europeias, em 2050, representará já só uma parte de um 1% da população mundial. Quer dizer: se queremos ter a esperança de nós europeus termos importância no mundo, então só a teremos em conjunto. Porque enquanto Estados separados – seja a França, Itália ou Alemanha ou Polónia, Holanda ou Dinamarca ou Grécia – só nos poderão contar em milésimos e não mais em números percentuais.
Daqui resulta o interesse estratégico a longo prazo dos estados europeus na sua cooperação integradora. Este interesse estratégico na integração europeia aumentará em importância cada vez mais. Até agora ainda não está amplamente consciencializado pelas nações. Também os respetivos governos não as consciencializam.
No caso, porém de a União Europeia no decorrer do próximo decénio não conseguir – mesmo que limitada – uma capacidade conjunta de atuação, não é de excluir uma marginalização auto-provocada dos estados e da civilização europeia. Do mesmo modo não se pode excluir, num caso destes, o ressuscitar de lutas concorrenciais e de prestígio entre os estados europeus. Numa situação destas a integração da Alemanha não poderia funcionar. O velho jogo entre centro e periferia podia de novo tornar-se realidade.
O processo mundial de esclarecimento, de propagação dos direitos das pessoas e da sua dignidade, o direito constitucional e a democratização não receberia mais nenhum impulso eficaz da Europa. Nesta perspetiva, a comunidade europeia torna-se uma necessidade vital para os estados nacionais do nosso velho continente. Esta necessidade ultrapassa as motivações de Churchill e de Gaulle. Também ultrapassa as motivações de Monnet e os de Adenauer. E hoje também engloba as motivações de Ernst Reuter, Fitz Ehler, Willy Brandt e também Helmut Kohl.
Acrescento: certamente que também se trata ainda e sempre da integração da Alemanha. Por isso, nós alemães temos de ganhar clareza sobre a nossa tarefa, o nosso papel no contexto da integração europeia.
A Alemanha necessita de constância e fiabilidade
Se no final de 2011 olharmos para a Alemanha com os olhos dos nossos vizinhos mais próximos e mais distantes, desde há um decénio que a Alemanha provoca inquietação – recentemente também preocupação política. Nos últimos anos surgiram dúvidas consideráveis sobre a constância da política alemã. A confiança na garantia da política alemã está abalada.
Estas dúvidas e preocupações assentam também nos erros de política externa dos nossos políticos e governos. Por outro lado baseiam-se no, para o mundo inesperado, poder económico da República Federal unificada. A nossa economia tornou-se – iniciando nos anos 70, nessa época ainda dividida – na maior da Europa. Tecnológica, financeira e socialmente é hoje uma das economias mais eficientes do mundo. O nosso poder económico e a nossa, em comparação muito estável, paz social desde há decénios também provocaram inveja – tanto mais que a nossa taxa de desemprego e a nossa dívida se encontram dentro da normalidade internacional.
No entanto, não nos é suficientemente claro que a nossa economia está, quer profundamente integrada no mercado comum europeu, quer em grande medida globalizada e assim dependente da conjuntura mundial. Iremos assim assistir como, no próximo ano, as nossas exportações não aumentarão significativamente.
Mas simultaneamente desenvolveu-se um grave erro, nomeadamente os enormes excedentes da nossa balança comercial. Desde há anos que os excedentes representam 5% do nosso PIB. São comparáveis aos excedentes da China. Isto não nos é completamente claro porque os excedentes não se contabilizam em marcos, mas em euros. Mas é necessário que os nossos políticos consciencializem esta circunstância.
Porque todos os nossos excedentes são, na realidade, os défices dos outros. As exigências que temos aos outros, são as suas dívidas. Trata-se de uma violação irritante do por nós elevado a ideal legal do «equilíbrio da economia externa». Esta violação tem de inquietar os nossos parceiros. E quando ultimamente aparecem vozes estrangeiras, na maioria dos casos vozes americanas – entretanto vêm de muitos lados – que exigem da Alemanha um papel de condução europeia, então isso desperta nos nossos vizinhos mais desconfiança. E acorda más recordações.
Esta evolução económica e a simultânea crise da capacidade de ação dos órgãos da união europeia empurraram de novo a Alemanha para um papel central. A chanceler aceitou solícita este papel juntamente com o presidente francês. Mas há, de novo, em muitas capitais europeias e também em muitos media uma crescente preocupação com o domínio alemão. Desta vez não se trata de uma potência militar e política central, mas sim de um potente centro económico!
Aqui é necessário uma séria, cuidadosamente equilibrada advertência aos políticos alemães, aos media e à nossa opinião pública.
Se nós alemães nos deixássemos seduzir, baseados no nosso poder económico, por reivindicar um papel político dirigente na Europa ou pelo menos desempenhar o papel de primus inter pares, então um número cada vez maior dos nossos vizinhos resistiria eficazmente. A preocupação da periferia europeia com um centro da Europa demasiado forte regressaria rapidamente. As consequências prováveis de uma tal evolução seriam atrofiadoras para a UE. E a Alemanha cairia no isolamento.
A República Federal da Alemanha, muito grande e muito eficaz, precisa – também para se defender de si própria! – de se encaixar na integração europeia. Por isso desde os tempos de Helmut Kohl, desde 1992 que o artº 23º da Constituição nos obriga a colaborar «... no desenvolvimento da União Europeia». Este artº 23º obriga-nos a esta cooperação também no «princípio da subsidiariedade...». A crise atual da capacidade de ação dos órgãos da UE não muda em nada estes princípios.
A nossa posição geopolítica central, mais o papel infeliz no decorrer da história europeia até meados do século XX, mais a nossa capacidade produtiva atual, tudo isto exige de todos os governos alemães uma grande dose de compreensão dos interesses dos nossos parceiros na EU. E a nossa prestabilidade é indispensável.
Nós, alemães, também não conseguimos sozinhos a grande reconstrução e capacidade de produção nos últimos 6 decénios. Elas não teriam sido possíveis sem a ajuda das potências vencedoras ocidentais, sem a nossa inclusão na comunidade europeia e na aliança atlântica, sem a ajuda dos nossos vizinhos, sem a mudança política na Europa de leste e sem o fim da ditadura comunista. Nós, alemães, temos razões para estarmos gratos. E simultaneamente temos a obrigação de nos mostramos dignos da solidariedade através da solidariedade com os nossos vizinhos!
Pelo contrário, ambicionar um papel próprio na política mundial e ambicionar prestígio político mundial seria bastante inútil, provavelmente até prejudicial. Em todo o caso, mantém-se indispensável a estreita cooperação com a França e a Polónia, com todos os nossos vizinhos e parceiros na Europa.
É minha convicção que reside no interesse estratégico cardinal da Alemanha a longo prazo, não se isolar e não se deixar isolar. Um isolamento no espaço do ocidente seria perigoso. Um isolamento no espaço da EU ou da zona euro seria ainda mais perigoso. Para mim, este interesse da Alemanha ocupa um lugar inequivocamente mais importante do que qualquer interesse tático de todos os partidos políticos.
Os políticos e os media alemães têm, com mil demónios, a obrigação e o dever de defender este conhecimento de forma duradoura na opinião pública.
Mas quando alguém dá a entender que hoje e no futuro falar-se-á alemão na Europa; quando um ministro alemão dos negócios estrangeiros pensa que aparições adequadas às televisões em Tripoli, Cairo ou Cabul são mais importantes do que contactos políticos com Lisboa, Madrid, Varsóvia ou Praga, Dublin, Haia Copenhaga ou Helsínquia; quando um outro acha ter de se defender de uma «União de transferência» - então tudo isto é mera fanfarronice prejudicial.
Na verdade, a Alemanha foi durante longos decénios pagador líquido! Podíamos fazê-lo e fizemo-lo desde Adenauer. E naturalmente que Grécia, Portugal ou Irlanda forma sempre recebedores líquidos.
Esta solidariedade talvez não seja hoje suficientemente clara para a classe política alemã. Mas até agora foi evidente. Também evidente – e para além disso desde Lisboa incluído no tratado – o princípio da subsidiariedade: aquilo que um estado não pode ou não consegue resolver, tem de ser assumido pela UE.
Desde o plano Schuman que Konrad Adenauer aceitou, por instinto político acertado, a oferta francesa contra a resistência quer de Kurt Schumacher, quer de Ludwig Erhard. Adenauer avaliou corretamente o interesse estratégico de longo prazo da Alemanha – apesar da divisão da Alemanha! Todos os sucessores – assim também Brandt, Schmidt, Kohl e Schröder – prosseguiram a política de integração de Adenauer.
Todas as táticas da ordem do dia, da política interna ou da política externa nunca questionaram o interesse estratégico alemão de longo prazo. Por isso todos os nossos vizinhos e parceiros puderam confiar, durante decénios, na constância da política europeia alemã – e na verdade independentemente de todas as mudanças de governo. Esta continuidade mantém-se conveniente também no futuro.
A situação atual da EU exige energia
Contribuições conceptuais alemãs foram sempre naturais. Também se deve manter assim no futuro. No entanto não devíamos antecipar o futuro longínquo. Mudanças no tratado, mesmo assim, só poderiam corrigir em parte erros e omissões na realidade criada há vinte anos em Maastricht. As propostas atuais para as mudanças no Tratado de Lisboa em vigor não me parecem muito úteis para um futuro próximo, se nos lembrarmos das dificuldades até agora com todas as diversas ratificações nacionais, ou nos referendos com resultados negativos.
Concordo por isso com Napolitano, o Presidente italiano, quando, num notável discurso em Outubro exigiu que nós hoje nos temos de concentrar no que é necessário hoje fazer. E que para isso temos de esgotar as possibilidades que os tratados em vigor nos proporcionam – especialmente o reforço das regras orçamentais e da política económica na zona Euro.
A atual crise da capacidade de ação dos órgãos da EU criados em Lisboa, não pode continuar! Com a exceção do BCE, todos os órgãos – Parlamento Europeu, Conselho Europeu, Comissão Europeia e Conselho de Ministros – todos eles, desde a superação da aguda crise dos bancos de 2008 e especialmente da consequente crise da dívida soberana, contribuíram pouco para uma ajuda eficaz.
Não há nenhuma receita para a superação da atual crise de liderança na EU. Serão necessários vários passos, alguns simultâneos, outros consecutivos. Não serão só necessárias, capacidade de análise e energia, mas também paciência! Nisso as contribuições concepcionais alemãs não se podem reduzir a chavões. Não devem ser apresentadas na praça televisiva, mas em vez disso confidencialmente nos grémios dos órgãos da EU. Os alemães não devem apresentar como exemplo ou medida de toda as coisas aos nossos parceiros europeus, nem a nossa ordem económica ou social, nem o nosso sistema federal, nem a nossa política constitucional orçamental ou financeira, mas sim simplesmente enquanto exemplo entre várias outras possibilidades.
Todos nós em conjunto somos responsáveis pelos efeitos futuros na Europa por tudo o que hoje a Alemanha faz ou deixa de fazer. Precisamos de razoabilidade europeia. Mas não precisamos só de razoabilidade, mas também de um coração compreensivo com os nossos vizinhos e parceiros.
Concordo num ponto importante com Jürgen Habermas, que recentemente referiu que – e cito - «...na realidade assistimos agora pela primeira vez na história da EU a uma desmontagem da Democracia!!» (fim da citação). De facto: não só o Conselho Europeu, incluindo o seu Presidente, também a Comissão Europeia, incluindo o seu Presidente e os diversos Conselhos de Ministros e toda a burocracia de Bruxelas marginalizaram em conjunto o princípio democrático! Eu caí no erro, na época em que introduzimos a eleição para o Parlamento europeu, de pensar que o Parlamento conseguiria o seu peso próprio. Na verdade até agora não teve nenhuma influência reconhecível na superação da crise, já que as suas discussões e resoluções não têm até agora nenhum resultado público.
Por isso quero apelar a Martin Schulz: é tempo de o senhor e os seus colegas democratas-cristãos, socialistas, liberais e verdes, em conjunto mas de forma drástica, conseguirem ser ouvidos publicamente. Provavelmente o campo da totalmente insuficiente fiscalização sobre os bancos, bolsas e os seus instrumentos financeiros, desde o G20 em 2008, adequa-se na perfeição para um tal levantamento do Parlamento Europeu.
Realmente alguns milhares de brookers nos EUA e na Europa, mais algumas agências de notação tornaram reféns os governos politicamente responsáveis na Europa. Não é de esperar que Barack Obama possa vir fazer muito contra isso. O mesmo é válido para o governo britânico. Realmente, os governos do mundo inteiro salvaram, na verdade, os bancos em 2008/09 com as garantias e o dinheiro dos impostos dos cidadãos. Mas já em 2010, esta manada de executivos financeiros, altamente inteligentes e simultaneamente propensos à psicose, jogava, de novo, o seu velho jogo do lucro e das bonificações. Um jogo de azar e em prejuízo dos que não são jogadores, que eu e Marion Dönhoff já nos anos 90 criticámos como muito perigoso.
Já que ninguém quer agir, então os participantes da zona Euro têm de o fazer. Para isso o caminho pode ser o do artº 20º do Tratado de Lisboa em vigor. Aí prevê-se expressamente, que Estados-membros sós ou em conjunto «estabeleçam entre eles uma cooperação reforçada». Em todo o caso, os Estados membros da zona euro deveriam impor uma regulação enérgica do seu mercado financeiro comum. Desde a separação entre por um lado os normais bancos de negócios e por outro, os bancos de investimento e bancos sombra até à proibição da venda de derivados, desde que não autorizados pela fiscalização oficial da Bolsa - até à restrição eficaz dos negócios das, por enquanto, não fiscalizadas agências de notação no espaço da zona euro. Não quero, minhas senhoras e meus senhores, aborrecê-los com mais detalhes.
Naturalmente que o globalizado lobby dos banqueiros iria empregar todos os meios contra. Já conseguiu até agora impedir toda a regulamentação eficaz. Possibilitou para si mesmo que a manada dos seus brookers tenha colocado os governos europeus na situação difícil de ter de inventar sempre novos «fundos de estabilização» e alargá-los através de «alavancas». É tempo de se resistir. Se os europeus conseguirem ter a coragem e a força para uma regulação eficaz dos mercados financeiros, então podemos no médio prazo tornarmo-nos numa zona de estabilidade. Mas se falharmos, então o peso da Europa continuará a diminuir – e o mundo evolui na direção de um Duovirato entre Washington e Pequim.
Seguramente que para o futuro próximo da zona euro todos os passos anunciados e pensados até agora são necessários. Deles fazem parte os fundos de estabilização, o limite máximo de endividamento e o seu controlo, uma política económica e fiscal comum, deles fazem parte uma série de reformas nacionais na política fiscal, de despesa, na política social e na política laboral. Mas forçosamente, também uma dívida comum será inevitável. Nós, alemães, não nos devemos recusar por razões nacionais e egoístas.
Mas de forma nenhuma devemos propagar para toda a Europa uma política extrema de deflação. Mais razão tem Jacques Delors quando exige, em conjunto com o saneamento do orçamento, a introdução e financiamento de projetos que fomentem o crescimento. Sem crescimento, sem novos postos de trabalho, nenhum Estado pode sanear o seu orçamento. Quem acredita que a Europa pode, só através de poupanças orçamentais, recompor-se faça o favor de estudar o resultado fatal da política de deflação de Heinrich Brüning em 1930/32. Provocou uma depressão e um desemprego de uma tal dimensão que deu início à queda da primeira democracia alemã.
Aos meus amigos
Terminemos, queridos amigos! No fundo, não é preciso pregar solidariedade internacional aos sociais-democratas. A social-democracia é desde há século e meio internacionalista – em muito maior medida do que gerações de liberais, de conservadores ou de nacionalistas alemães. Nós, sociais-democratas, não abdicámos da liberdade e da dignidade de cada ser humano. Simultaneamente não abdicámos da democracia representativa, da democracia parlamentar. Estes princípios obrigam-nos hoje à solidariedade europeia.
De certo que a Europa, também no século XXI, será constituída por estados nacionais, cada um com a sua língua e a sua própria história. Por isso a Europa não se tornará de certeza num Estado Federal. Mas a UE também não pode degenerar numa mera aliança de estados. A UE tem de se manter uma aliança dinâmica, em evolução. Não há em toda a história da humanidade nenhum exemplo. Nós, social-democratas, temos de contribuir para a evolução passo a passo desta aliança.
Quanto mais envelhecemos, mais pensamos em períodos longos. Também enquanto homem velho me mantenho fiel aos três princípios do Programa de Godesberg: liberdade, justiça, solidariedade. Penso, a propósito, que hoje a justiça exige antes de mais igualdade de oportunidades para as crianças, para estudantes e jovens.
Quando olho para trás, para 1945 ou posso olhar para 1933 – tinha acabado de fazer 14 anos – o progresso que fizemos até hoje parece-me quase inacreditável. O progresso que os europeus alcançaram desde o Plano Marshall, 1948, desde o Plano Schuman, 1950, graças a Lech Walesa e ao Solidarnosz, graças a Vaclav Havel e à Charta 77, que agradecemos àqueles alemães em Leipzig e Berlim Oriental desde a grande mudança em 1989/91.
Não podíamos imaginar nem em 1918, nem em 1933, nem em 1945 que hoje uma grande parte da Europa se regozija pelos Direitos Humanos e pela paz. Por isso mesmo trabalhemos e lutemos para que a UE, historicamente única, saia firme e autoconfiante da sua presente fraqueza.
© SPD 2011
domingo, 18 de dezembro de 2011
A OPOSIÇÃO SÍRIA EM TUNIS
O partido tunisino União Democrática Unionista manifestou-se hoje, pela voz do seu secretário-geral Ahmad al-Enoubali, contra a realização em Tunis (aliás em Gammarth) do Congresso da Oposição Síria, e nomeadamente da presença e intervenção no mesmo do presidente tunisino Moncef Marzuki.
Não só este partido como largo número de tunisinos consideram esta reunião como uma ingerência nos assuntos internos sírios e relembram que foi com Conselhos Nacionais de Oposição deste tipo que os Estados Unidos e a NATO invadiram o Iraque e a Líbia.
Quem está interessado em atribuir a maior importância à oposição síria são os Estados Unidos, a Turquia e a Arábia Saudita e os países do Golfo, através do Qatar, sem esquecer a NATO e a União Europeia. Por outro lado, a presença de Marzuki no Congresso terá sido um pé em falso do presidente tunisino, já vivamente criticado não só na Tunísia mas em outros países do Mundo Árabe.
VACLAV HAVEL
Vaclav Havel, dramaturgo e ensaísta checo, opositor do anterior regime comunista da Checoslováquia, morreu hoje aos 75 anos.
Com um vasto curriculum, conforme se lê aqui, foi o primeiro presidente da Checoslováquia "democrática" e também, após a secessão da Eslováquia, o primeiro presidente da nova República Checa. Com obra teatral publicada e representada um pouco por todo o mundo, tornou-se uma figura carismática da Europa de Leste pós-queda do Muro de Berlim. Foi muito apreciado por Margaret Thatcher e por George W. Bush, que apoiou quando este invadiu o Iraque, embora, em minha opinião, esses elogios não constituam uma estimável carta de recomendação para quem quer que seja. Aliás as suas opiniões políticas do tempo em que exerceu o poder contradizem muito do que foi a sua luta da juventude contra o regime ditatorial de Praga.
Uma afirmação sua, feita há anos, que a judia-checa-americana Madeleine Albright poderia vir a ser uma boa presidente para o seu país, valeu-lhe então acerbas críticas.
PESSOA E A EUROPA (II)
«a Europa é hoje o teatro de um grande conflito, de um conflito ligeiramente triangular. Estão em guerra, no mundo, duas grandes forças - a plutocracia industrial e a plutocracia financeira. A plutocracia industrial com o seu tipo de mentalidade organizadora, a plutocracia financeira com o seu tipo de mentalidade especulativa; a industrial com a sua índole mais ou menos nacionalista, porque a indústria tem raízes, e liga portanto com as outras forças que as têm, a financeira com a sua índole mais ou menos internacional, porque não tem raízes, e não liga portanto senão consigo mesma, ou então, só com aquela raça praticamente privilegiada que, através da finança internacional, se pode dizer que hoje, sem ter pátria, governa e dirige as pátrias todas.»
Fernando Pessoa, in Páginas Íntimas e de Auto-Interpretação
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