terça-feira, 8 de novembro de 2011

A EUROPA DA ALEMANHA



Da Europa dos povos à Europa da Alemanha

Por Tomás Vasques, publicado em 7 Nov 2011 no jornal "i"

Um país como a Grécia, com uma percentagem insignificante no PIB europeu, pode, no contexto actual, ter uma palavra decisiva no curso dos acontecimentos


Na tarde de ontem, domingo, Geórgios Papandreou, líder do PASOK, partido que detém a maioria absoluta no parlamento helénico, chefiava o seu último Conselho de Ministros, segundo noticiavam as agências. Papandreou, neto do primeiro-ministro do governo grego no exílio, Geórgios, em 1944/45, quando a Grécia estava ocupada pelo exército nazi, e filho do primeiro-ministro grego, Andréas, o qual ocupou o cargo depois da ditadura dos militares, durante 11 anos, nos anos 80 e 90, não resistiu a dar um ar da sua graça, na tradição democrática que os pergaminhos familiares lhe exigiam.

A 26 de Outubro, depois da última cimeira europeia, o ainda primeiro- -ministro grego regressou a Atenas, transportando uma mala cheia de humilhações: um perdão de 50% da dívida externa; um novo pacote de ajuda financeira de 130 mil milhões de euros e, como contrapartida, um novo e extenso pacote de dolorosas medidas de austeridade. Provavelmente, nos corredores, ainda foi ouvindo os sussurros de Berlusconi ou de Passos Coelhos: "Nós não somos a Grécia", como se a Grécia fosse uma nódoa de gordura num branco tecido de cetim e nenhum dos 17 países do euro ou dos 27 da UE tivessem telhados de vidro.

Papandreou passou o último ano e meio a aplicar pacotes atrás de pacotes de severas medidas de austeridade, numa vertigem de empobrecimento sem fim à vista, e a enfrentar uma implacável oposição parlamentar comandada pela direita (aquela que aldrabou as contas públicas e trouxe a Grécia a este estado), alguma oposição no interior do seu próprio partido, uma incontornável contestação na rua, com cinco greves gerais nos últimos meses, dezenas e dezenas de aguerridas manifestações em todas as grandes cidades gregas, a Praça Syntagma, em Atenas, em permanente rebuliço e, segundo alguns observadores, uma agitação ainda submersa nos quartéis. Neste quadro, Papandreou, decidiu partilhar responsabilidades e consultar os gregos, através de um referendo, perguntando-lhes se aceitavam as novas medidas de austeridade ou, pelo contrário, se queriam sair do euro com todas as consequências que daí resultariam. Foi uma decisão de alto risco, cujo resultado podia afastar a Grécia do euro a curto prazo, abalar todo o sistema bancário europeu, e apressar a hecatombe da UE. Mas, mesmo que o referendo corresse bem, abria um precedente "intolerável" nos mecanismos de "gestão" da presente crise: nenhum povo europeu, mesmo com a corda na garganta, tem o direito de se pronunciar, através de mecanismos democráticos, sobre as decisões da Alemanha. Por isso, a partir do anúncio do referendo, os principais dirigentes europeus, com destaque para a dupla franco-alemã, entraram em pânico. Algumas das declarações da senhora Merkel (e mesmo do senhor Sarkozy) ficarão para a História do descalabro europeu em curso. O deboche foi de tal ordem que Papandreou teve de ir, qual Egas Moniz, de baraço ao pescoço, a Cannes, pedir perdão e retirar a proposta de referendo, enquanto o G20, aí reunido, apenas queria saber se já tinham travado a "loucura" grega.

Da decisão de Papandreou em convocar um referendo retiram-se três lições: primeira, um país como a Grécia, com uma percentagem insignificante no PIB europeu, pode a qualquer momento, no contexto actual, ter uma palavra decisiva no curso dos acontecimentos; segunda, a proposta de referendo na Grécia é uma consequência de se ter andado tanto tempo, de cimeira em cimeira, a dar aspirinas para "acalmar os mercados" a curto prazo, e esperar que as políticas de empobrecimento brutal dos cidadãos, num curto espaço de tempo, produzam efeitos a médio prazo; terceira, as reacções à proposta do referendo na Grécia demonstraram, infelizmente, que há muita gente que acredita que não "fazer ondas" é o caminho mais seguro para a Europa sair do pântano. Nada mais enganador; nada mais colaboracionista com a visão europeia da Alemanha.

Sem comentários: