sexta-feira, 18 de novembro de 2011

O EQUÍVOCO DA PRAÇA AT-TAHRIR


Dezenas de milhar de egípcios reuniram-se hoje na Praça At-Tahrir, no Cairo, e também em Alexandria, para protestar contra o que consideram uma intromissão dos militares na vida política, nas vésperas das eleições legislativas do próximo dia 28, e para exigir a eleição de um presidente da República até Abril do próximo ano.

Conforme se lê aqui, as Forças Armadas pretenderiam, na nova arquitectura constitucional, ter uma palavra decisiva nos principais assuntos do Estado, como guardiões da "legitimidade constitucional", mesmo depois de um parlamento civil e de um presidente eleito.

O documento contestado, apresentado por Ali Silmi, vice-primeiro-ministro do governo interino, inclui, entre outras, uma cláusula que retira ao parlamento competência sobre o orçamento militar e confere ao Conselho Supremo das Forças Armadas, que governa o país desde o derrube de Mubarak, a última palavra em todas os assuntos militares. E, por inerência, já que as Forças Armadas Egípcias são um Estado dentro do Estado, em todos os assuntos relevantes da nação.

Participaram na contestação os islamistas da Irmandade Muçulmana e das organizações salafistas e também os militantes dos partidos liberais e de esquerda. Clamam os manifestantes que, afinal, nada foi feito até agora. Mantém-se o estado de emergência que dura desde que Mubarak assumiu o poder há 30 anos, os dissidentes continuam na prisão, a situação económica é a pior das últimas décadas.

Começa a confirmar-se o que já se suspeitava: a revolta de Janeiro na praça At-Tahrir, desencadeada por uma multidão em que predominava a média burguesia do Cairo, nomeadamente estudantes, desempregados, profissões liberais, pequenos empresários e a que se juntaram, num momento posterior, os partidos religiosos e jovens marginais, pode ter assentado num equívoco. A instauração de uma democracia à europeia (um conceito também cada vez mais ambíguo) reivindicada pelos manifestantes pode não se concretizar, pelo menos no curto prazo. Especialmente depois da vitória do partido islamista nas eleições tunisinas e da proclamação de que a sharia constituiria a base do futuro texto constitucional da Líbia.

Avoluma-se o número de descontentes entre os 80 milhões de egípcios, que vivem cada vez pior (excluindo os detentores de grandes, ou imensas, fortunas) devido à queda abrupta do turismo que, directa ou indirectamente, era uma das principais fontes de receita do país, especialmente para as famílias mais modestas, cujos membros sempre beneficiavam com a presença de estrangeiros. Essas pessoas, que não se importam muito com a actividade política, ao contrário dos habitantes das principais cidades (que são poucas) preferem acima de tudo a segurança, a possibilidade de efectuarem os seus pequenos negócios, uma vida tranquila nas suas vilas e aldeias. O Egipto é um país muito especial, e todos os países árabes são hoje estruturalmente distintos. Não existe uma receita comum, além de que a Democracia  (com todas as suas virtudes e vícios) não se exporta, como proclamava Bush para justificar a invasão do Iraque. Aliás, o que Bush queria exportar não era propriamente a Democracia mas a Economia Liberal(íssima).

A Primavera Árabe, que mobilizou as elites do Mundo Árabe e excitou o Ocidente pode não ter passado de um equívoco, que aproveitou fundamentalmente aos fundamentalistas. Oxalá não se lhe siga o Inverno do Descontentamento.

E há sempre quem lucre com a instabilidade.

1 comentário:

Anónimo disse...

Não tem remédio...