sábado, 5 de novembro de 2011

"DER ROSENKAVALIER" OU A AMBIGUIDADE DOS SEXOS



Acabei de ver, em DVD, Der Rosenkavalier na célebre produção de Salzburg (1960), em que Elisabeth Schwarzkopf e Sena Jurinac interpretam respectivamente a Marechalina Marie-Therese, Princesa de Werdenberg (conhecida por "Bichette") e o Conde Octavian Rofrano, de 17 anos (que usa o diminutivo de "Quin Quin"). Herbert von Karajan dirige a Orquestra Filarmónica de Viena. Trata-se do restauro recente do filme de Paul Czinner (1961), de que existia uma gravação em VHS.

Sem dúvida, Richard Strauss é um dos grandes compositores de ópera de todos os tempos, e Der Rosenkavalier é talvez a sua mais conhecida e apreciada obra, sem esquecer Elektra e Salome.

Existem inúmeros estudos sobre esta ópera, estreada em Dresden em 1911, com libretto de Hugo von Hofmannsthal. Por isso, relembro apenas uma curiosa observação de um melómano, feita há anos, sobre a ambiguidade sexual nos papéis da mesma.

O papel do Conde Octavian (o Cavaleiro da Rosa) é cantado por uma soprano, o que implica, quando o pano abre, que se vejam duas mulheres dentro da cama numa situação amorosa (a Princesa e o Conde), o que assustou na estreia alguns espectadores menos avisados, que pensaram tratar-se de uma cena de lesbianismo. Depois (e dentro desta opção de travestismo operático) o Conde (que é assim interpretado por uma mulher) veste-se de criada (Mariandel) da Princesa (o duplo travestimento). Poderia ter-se escolhido um jovem tenor (não propriamente de 17 anos, mas suficientemente jovem para ser convincente) para o papel, mas Strauss (ou melhor, Hofmannsthal) preferiu confiá-lo a uma soprano. Hábitos da época. As sopranos que desempenharam Octavian desde que a ópera se estreou há, precisamente, um século, estiveram quase sempre na casa dos 40 ou 50 anos, praticamente a idade das intérpretes da Princesa. Não se vislumbra a vantagem, salvo pelas convenções ainda vigentes.

Depois, no 3º acto, o Barão Ochs auf Lerchenau (primo da Princesa, oriundo da província) e pretendente à mão de Sophie, filha de Herr von Faninal, tenta ir para a cama com a dita Mariandel (que não é outra senão o Conde Octavian, disfarçado), fazendo mesmo alguns avanços durante a ceia, o que sugere uma cena gay, apesar do Conde ser uma cantora.

A ópera termina com Octavian dividido entre a paixão por  Sophie e a sua ligação (ilícita) com a Princesa (cujo marido, o Marechal-Príncipe nunca aparece em cena) que, magnanimamente, o empurra para o casamento com a jovem. Também, nesta cena final, a Princesa (que reflecte sobre a diferença de idades que a separa do Conde) e Sophie - agora duas mulheres no palco e na vida - se tecem os mais rasgados elogios, embora, entre mulheres, estas coisas passem despercebidas.

Enfim, uma comédia de equívocos, ou não fosse inicialmente o texto original o argumento para uma ópera cómica, Der Vetter vom Land (O Primo da Província), que Hofmannsthal escreveu em colaboração com o seu amigo íntimo, o conde Harry Kessler, a quem o libretto foi dedicado mas que, apesar dos seus protestos, não foi considerado co-autor. Aliás, este primo da província provinha já do Monsieur de Pourceaugnac, de Molière e o adolescente dos Amours du Chevalier de Faublas, de Louvet de Couvray, de que Louis Artus tinha extraído um libretto de ópera que Kessler e Strauss tinam lido.

A acção, que decorre em Viena, cerca de 1740, nos primeiros anos do reinado da imperatriz Maria-Teresa, recria com precisão o microcosmo da sociedade vienense da época. Ainda nos perguntamos hoje se os pormenores mais significativos do texto foram inventados por Hofmannsthal ou se resultam das impressões colhidas em variadas leituras e que ele transformou num mosaico maravilhoso. É, porém, um dos argumentos de ópera mais pessoais que alguma vez se escreveu.

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