terça-feira, 21 de agosto de 2012

VIDAS PERIGOSAS



Lendo o Journal de Julien Green, fui parar ao escritor Francis Carco (1886-1958), autor de vasta obra, que recebeu em 1923 o Grand Prix du roman da Academia Francesa (L'Homme traqué) e foi eleito em 1937 membro da Academia Goncourt.

Escreve Julien Green: «Relu Jésus-la-Caille qui m'a paru excellent d'un bout à l'autre. On y cherchera en vain une faute, une vulgarité. Ce sujet extraordinairement scabreux est traité sans fausse pudeur.»

Trata-se, realmente, de uma incursão percuciente nos bas-fonds de Paris, escrita no mais vernáculo calão utilizado pelos prostitutos, prostitutas, proxenetas, contrabandistas e outros fora-da-lei que povoavam a capital francesa na primeira metade do século passado. O negócio, hoje, é semelhante, mas o recurso à internet, à televisão, aos telemóveis e a outros meios de comunicação, facilitou os contactos, embora retirando-lhes a aura romanesca de outrora. Dirão muitos que o resultado é idêntico, presumo que seja bem diferente.

De leitura obviamente difícil, o livro conta a história de Jésus-la-Caille, proxeneta homossexual, que acaba por conhecer, por uma primeira vez, o amor de uma mulher. A sua alcunha tem, nesse calão, um significado que importa explicar: "Jésus" é o termo utilizado para designar um adolescente homossexual que se prostitui habitualmente com homens. Melhor, era o termo, porque a palavra caiu em desuso. "Caille", que também quer dizer codorniz, tinha, nos bas-fonds, o sentido de algo sujo, depreciativo, desprezível.

A estória, que, como diz Julien Green, trata sem falsos pudores um tema particularmente escabroso, nada omite do percurso de Jésus-la-Caille, sem alguma vez cair na vulgaridade. Só poderia ter sido escrita por alguém que conhecesse bem o meio que descreve e as personagens que nele se movimentam.

Aliás, no fim do prefácio, Francis Carco, que partilhou também uma vida de boémia com Apollinaire, Max Jacob ou Modigliani,  poupa-nos a dúvida: «Jésus-la-Caille, c'est moi.»

1 comentário:

Anónimo disse...

Vou ler logo que possa.
Marquis