sexta-feira, 24 de agosto de 2012

COUTO VIANA (III)



Não é a publicação de memórias muito frequente em Portugal nos dias de hoje. Parece que o género caiu em desuso. Por isso se saúda a edição recente de António Manuel Couto Viana - Memorial do Coração: Conversa a Quatro Mãos, da autoria de Ricardo de Saavedra.

Trata-se de um grosso volume (mais de 500 páginas) em que o autor recolheu as suas conversas com Couto Viana ao longo de cinco anos. Mais do que memórias, trata-se de uma biografia, quase diria de uma fotobiografia, atendendo às imagens que integram a obra.

 Tive já ocasião de me referir a António Manuel Couto Viana, neste blogue, por ocasião da sua morte e aquando da rejeição pela Assembleia da República de um voto de pesar pela mesma. Também por isso, não vou proceder aqui a uma crítica deste volumoso livro: não é essa a minha intenção, nem tal seria comportável no espaço convencionalmente reduzido de um post. Assim, apenas umas breves considerações.

Limitar-me-ei, portanto, a meia-dúzia de pontos:

1) Em primeiro lugar deve louvar-se a memória prodigiosa de Couto Viana, que recorda factos passados há muitos anos, mesmo desde quando era criança, com invejável precisão, citando os dias, e muitas vezes as horas; a menos que possuísse um arquivo em que tivesse registado os eventos agora evocados, a capacidade de lembrança é simplesmente assombrosa;

2) A publicação de um livro consagrado à vida e à obra de Couto Viana, ganharia em ser menos volumoso, apesar do autor referir que, por conselho do editor, ainda o amputou de muitas páginas. Se, por um lado, importa ser minucioso, para memória futura, por outro lado, e para um conhecimento geral do biografado, seria mais agradável a leitura de uma obra menos volumosa, que registasse o essencial e omitisse o acidental;

3) Não conheço Ricardo de Saavedra, nem os seus textos,  mas importa registar que o livro está muito bem escrito e muito bem apresentado, o que constitui uma mais-valia para a obra;

4) Deve igualmente registar-se  que Couto Viana foi um homem da direita nacionalista que nunca renegou as suas opções ideológicas e políticas, mesmo quando elas lhe acarretaram dissabores após a queda do Estado Novo, e quando tantos, por oportunismo que não por convicção, efectuaram uma rotação à esquerda de 180º; não censuro, longe de mim tal ideia, os que, por evolução do seu pensamento, alteram sinceramente as suas posições, na política como em qualquer outro campo da vida: há muitos casos desses na História, e até nos nossos familiares e vizinhos. O que me incomoda é as alterações gratuitas de comportamento, por mera conveniência;

5) Durante esta longuíssima entrevista, em que Couto Viana fala da sua actividade como poeta, como dramaturgo infantil, como empresário, como encenador, como actor, etc., verifica-se por vezes (e talvez não pudesse ser doutra forma) um excessivo enaltecimento dos seus méritos e uma como que tentativa de justificação (desnecessária) dos seus actos. Acaso um pouco mais de modéstia nas afirmações (uma vez que o texto é, ou presume-se ser, do autor e não do entrevistador) e confirmações (já que existem factos repetidos) não fosse despicienda;

6) Refere-se Couto Viana, no decorrer da "conversa", a muitos factos da sua vida particular. Lamenta-se que não tenha querido ir mais longe nessa matéria, o que tornaria a entrevista mais fiel e nada desmereceria ao próprio, até porque o seu estatuto de intelectual (e que o não fosse) não ficaria diminuído; pelo contrário, ganharia em autenticidade.

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