terça-feira, 14 de agosto de 2012
O CURDISTÃO
Os violentos confrontos que se registam há mais de um ano na Síria entre uma oposição fragmentada (e criminosa, como se pode comprovar não só pelos vídeos divulgados mas pelas afirmações do próprio Human Rights Watch e de outras organizações internacionais) e o regime do presidente Bashar Al-Assad, causaram até hoje mais de 20.000 mortos, além dos feridos, desalojados, expatriados e destruições de toda a ordem.
A sublevação contra o regime, na sequência das revoluções da chamada Primavera Árabe (que levaram à queda de algumas ditaduras mais ou menos laicas, agora progressivamente substituídas por outras ditaduras religiosas), devido, talvez, a uma exagerada repressão inicial, conduziu a uma espiral de violência com as consequências que se conhecem.
Não é meu propósito dissertar agora sobre o regime sírio (o que já fiz, por diversas vezes, em outros posts) mas realçar um aspecto ainda não devidamente tratado na comunicação social, com algumas excepções: a questão curda.
O desmembramento do Império Otomano, após a Primeira Guerra Mundial, criou vários estados com fronteiras artificiais, em resultado de um sinistro e secreto acordo celebrado entre a Grã-Bretanha e a França, que ficou conhecido pelo nome dos seus negociadores: Mark Sykes e Georges Picot. Celebrado em 1916, o Acordo Sykes/Picot previa que as duas potências coloniais ficassem a administrar os territórios que configurariam os futuros estados da Síria, do Iraque, do Líbano, e por fim de Israel. Traçadas as fronteiras mais ou menos a régua e esquadro (como se verificou em África), devido à inépcia dos negociadores e aos inconfessáveis interesses britânicos e franceses, ficaram de fora do arranjo, até hoje, dois povos: os curdos e os palestinianos. Embora em circunstâncias diferentes.
Habitavam, e habitam, os curdos um território que hoje se encontra repartido pela Turquia, Síria, Iraque e Irão. Mas nunca desistiram de possuir o seu estado. Durante anos, pelo menos até 2000, o Partido dos Trabalhadores do Curdistão (PKK) lutou contra o governo turco, num conflito que causou mais de 40.000 mortos. E lutou também contra o regime de Saddam Hussein, no Iraque. São os curdos a maior etnia mundial sem estado próprio (cerca de 30 milhões de pessoas).
Não sabemos, neste momento, qual vai ser o desfecho da situação na Síria, até porque os países que apoiam directa ou indirectamente as partes em confronto se encontram cada vez mais confusos quanto às posições finais a adoptar. Sendo a Síria um estado composto por uma população que professa cerca de 20 credos e que pertence a diversas etnias, e parecendo difícil, depois de tantos mortos, a manutenção no poder do clã Assad numa Síria com as fronteiras actuais, tem sido considerada a hipótese da redefinição das fronteiras do país, o que constituiria um precedente (certamente grave) em termos de comunidade internacional, mas que já se verificou na Jugoslávia. E é por demais evidente que as fronteiras do Médio Oriente, traçadas na sequência do citado Acordo, não têm qualquer correspondência com a realidade actual. Aliás, já não tinham naquela época.
Têm, assim, os curdos que habitam na Síria a oportunidade de promoverem a criação de um estado autónomo, embrião de um estado mais vasto que englobaria também o norte do Iraque (já de certa forma federado), uma parcela do Irão ocidental e larga parte do território da Turquia, cujos governantes nem sequer desejam ouvir falar do assunto. Por isso, o apoio do governo de Erdogan aos oposicionistas sírios parece, à primeira vista, mais ou menos suicida.
A própria "comunidade internacional" começa já a achar que o apoio prestado aos rebeldes sírios (e já antes aos revoltosos tunisinos, egípcios, líbios, etc.) foi uma jogada infeliz na perspectiva dos seus interesses próprios. E ainda a procissão vai no adro.
Voltando ao início. Perfilha-se no horizonte o nascimento do Curdistão. E espera-se que também o da Palestina. Talvez seja necessário muito sangue para redefinir as fronteiras do Oriente Médio. Mas nada ficará como está. É apenas uma questão de tempo.
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1 comentário:
A guerra civil na Síria tem sido apoiada por países que ainda se vão arrepender de o ter feito. Qualquer que seja o seu desfecho os prejuízos humanos e materiais são já imensos, sendo os humanos irreparáveis.
Os jogos políticos internacionais nunca se preocupam com as pessoas mas só com mesquinhos interesses que na prática se resumem a dinheiro e poder.
Os políticos de hoje aliás como os de todos os tempos, na sua maioria são indivíduos corruptos e ciosos do poder. Deveriam ser eliminados.
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