Pela Bula Áurea "In supremo apostolatus solio", de Clemente XI (7 de Novembro de 1716), foi criado o Patriarcado de Lisboa, em paralelo com o Arcebispado existente, e que foi depois, naturalmente, absorvido pelo recém-criado Patriarcado.
Pela Bula "Inter praecipuas apostolici ministerii", de Clemente XII (17 de Dezembro de 1737), ficou estabelecido que o Patriarca de Lisboa seria elevado à dignidade cardinalícia no primeiro Consistório a seguir à sua nomeação.
Tudo favores da Santa Sé ao Fidelíssimo Rei o Senhor Dom João V. Estes privilégios, e muitos outros!
O princípio da elevação a Cardeal do Patriarca de Lisboa no primeiro Consistório seguinte manteve-se até data recente. Foi quebrado pelo Papa Francisco, quando o Patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, nomeado em 18 de Maio de 2013, foi designado Cardeal apenas no segundo Consistório após a sua nomeação, isto é, em 14 de Fevereiro de 2015. Argumentou-se então que a excepção se devia ao facto de se encontrar ainda vivo o anterior Patriarca de Lisboa (já emérito), o Cardeal D. José Policarpo (ainda possuidor das suas prerrogativas cardinalícias).
Verifica-se, agora, uma segunda excepção, também da responsabilidade do Papa Francisco: a nomeação de D. Rui Valério para Patriarca de Lisboa, em 10 de Agosto de 2023, que não será seguida da sua elevação ao cardinalato no próximo Consistório, que terá lugar no dia 30 de Setembro corrente. Poderá voltar a argumentar-se que tal procedimento se deve ao facto de ainda se encontrar vivo (e no uso das suas prerrogativas cardinalícias) o Patriarca emérito de Lisboa, D. Manuel Clemente, que havia resignado por limite de idade.
Mas surge aqui uma imensa interrogação. Ao anunciar há várias semanas os novos cardeais a empossar no próximo dia 30, o Papa já tinha aceite a resignação de D. Manuel Clemente e certamente já teria decidido quem seria o seu sucessor, que poderia ser criado cardeal no próximo Consistório. Mas isto pode, todavia, dever-se às razões anteriores mencionadas. O que é mais extraordinário é que o Sumo Pontífice tenha criado cardeal D. Américo Aguiar, Bispo titular de Dagnum e Auxiliar de Lisboa, sem o designar então para outras funções, e o tenha nomeado hoje para Bispo de Setúbal, Diocese que se encontrava vacante há quase dois anos.
Não constitui escândalo público que o Papa nomeie cardeal um bispo residencial em Portugal, mas não é da história que isso tenha acontecido sem que o Patriarca de Lisboa fosse cardeal. O Bispo emérito de Leiria-Fátima, D. António Marto, foi cardeal, mas havia um cardeal em Lisboa. Mas que o novo Bispo de Setúbal seja elevado a cardeal sem que seja cardeal o Patriarca de Lisboa já parece uma atitude estranha. Tanto mais que a Diocese de Setúbal é sufragânea do Patriarcado de Lisboa e teoricamente na dependência deste.
Já estamos habituados a decisões controversas do Papa Francisco. Contudo, esta atitude significa uma afronta gratuita ao Patriarcado de Lisboa e, lato sensu, a todo o Episcopado Português. É que, com a sua elevação à púrpura cardinalícia, o novo Bispo de Setúbal terá precedência sobre todos os prelados portugueses: sobre o Patriarca de Lisboa, sobre o Arcebispo de Braga e Primaz das Espanhas, sobre o Arcebispo de Évora e sobre todos os Bispos Residenciais.
Não havia necessidade.
Que mais surpresas nos esperam?
É claro que não está em causa a figura de D. Américo Aguiar mas tão só o desrespeito de normas pontifícias com quase trezentos anos ou a sua involuntária ignorância, o que não parece ser o caso.
2 comentários:
1) Não é "lato senso", é "lato sensu",pelo menos em latim.
2) Precedência temporal não significa autoridade nem respeitabilidade,creio. D. José da Costa Nunes ou D. Teodósio Clemente de Gouveia não eram já cardeais quando foi designado um cardeal patriarca de Lisboa? O autor do blog saberá, dada a sua reconhecida sapiência em matérias pontifícias/cardinalícias/etc.
1) Eu sei que é "lato sensu", mas por vezes há uma tecla que falha. É por isso que, sempre que posso, faço uma revisão do texto. Mas agradeço a observação, tendo já procedido à correcção.
2) Esta observação não a compreendo. A precedência que invoquei é a que decorre do protocolo da Santa Sé. Nada tem a ver com a respeitabilidade das personagens; isso só Deus o saberá! Quanto aos citados, direi o seguinte: D. José da Costa Nunes não era cardeal quando foi Arcebispo de Goa e Damão e Patriarca das Índias Orientais. Só mais tarde foi elevado ao cardinalato quando era já Patriarca titular de Odessa e Vice-Camerlengo da Santa Sé; D. Teodósio Clemente de Gouveia, Arcebispo de Lourenço Marques, foi elevado a cardeal no tempo do Cardeal-Patriarca de Lisboa D. Manuel Gonçalves Cerejeira.
Do meu tempo, que me recorde, nenhum bispo residencial português foi feito cardeal salvo o Patriarca de Lisboa.
Do meu tempo, que me recorde, nenhum bispo residencial português foi feito cardeal, salvo o Patriarca de Lisboa. À excepção de D. António Marto, hoje emérito, quando foi Bispo de Leiria-Fátima (e havia um cardeal em Lisboa).
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