Li agora a edição francesa de Les Garçons de l'amour (2022), tradução do persa (Pesaran-e Eshq), cuja data de publicação suponho ser 2011.
O autor, Ghazi Rabihavi, nasceu em Abadan (Irão) em 1956 e instalou-se em Teherão aos 22 anos, na altura em que começou a revolução. O Xá abandonou o país em 1979 e o ayatollah Ruhollah Khomeini regressou ao Irão, que se tornou uma república islâmica, após consulta da população em referendo nacional. Rabihavi editou várias novelas, sempre sob o cutelo da censura, e foi proibido de publicar em 1994. Em 1995 exilou-se em Londres, onde exerce a sua actividade entre o romance, o teatro e o cinema.
A presente obra é de carácter autobiográfico e o narrador, Djamil, assume a personagem do autor. Djamil, que vive com o pai numa aldeia próximo da cidade de Abadan, reconhece a sua paixão por um belo rapaz da sua idade, Nadji (ambos têm então 18 anos), que recolhe feno num ribeiro próximo. Estabelece-se uma relação entre os dois, que é mal vista pela família. A acção começa no início da Revolução no Irão e a acção dos fundamentalistas islâmicos já se faz sentir. Um momento de viragem é o incêndio do cinema Rex, em Abadan (1978), cuja autoria ainda hoje é discutida e onde morreu mais de um milhar de pessoas. Foi atribuído à SAVAK, a polícia do Xá, para culpar os islamistas ou aos fundamentalistas para responsabilizar o regime. Meses depois o Xá foi constrangido ao exílio.
Os dois rapazes resolvem partir para Abadan com o sonho de, mais tarde, alcançarem a Europa. Acabam por conseguir passagem clandestina para um país vizinho (não mencionado) que só pode ser o Iraque. Daí sonham emigrar para um país europeu mas virão a ser obrigados a regressar ao ponto de partida.
Entretanto fazem sentir-se as consequências da guerra Irão-Iraque, começada em 1980 mas que já estava latente.
Ao longo de quase 500 páginas, a vida de Djamil (e de Nadji) durante o tempo desta aventura é descrita minuciosamente como de um diário se tratasse, o que torna o livro monótono, até pela repetição exaustiva de situações semelhantes. A homossexualidade está sempre em pano de fundo, pois os moços são frequentemente objecto de propostas sexuais e até de assédios e violações. Quer de não muçulmanos (havia no Irão larga percentagem de cristãos católicos e ortodoxos e de arménios) ou mesmo laicos, quer até de fundamentalistas, já que as relações masculinas do mesmo sexo eram (e ainda são?) uma prática corrente no país. Mas a República Islâmica viria a condenar severamente tais práticas, inclusive com a pena de morte, para tudo o que pusesse em causa os preceitos da sharia. Os "guardas da Revolução" encarregar-se-iam de escrutinar as vidas alheias. Ainda assim, os relacionamentos perduraram, mas agora sempre entre quatro paredes e no maior sigilo, pois que o espírito está pronto mas a carne é fraca.
O périplo dos dois rapazes, primeiro juntos, depois separados e finalmente de novo reunidos, até uma separação final, constitui uma verdadeira saga de incompreensões, humilhações, maus tratos e o próprio Djamil é vítima de uma agressão com ácido que o deixa parcialmente desfigurado.
A extensão do livro não permite recorrer a pormenores, mas a história seria bastante cativante se o autor não tivesse optado por uma narração quase diária em vez de assinalar os factos significativos deste "amor impossível", numa sociedade relativamente permissiva no tempo do Xá, do ponto de vista estritamente legal, mas que nunca o foi do ponto de vista social. E depois do regime islâmico a condenação deixou de ser apenas social mas também legal, com frequentes enforcamentos, pelo menos nos primeiros anos revolucionários, ainda que o fervor religioso tenha ligeiramente abrandado nos últimos tempos.
O autor, para além de narrar, através de um alter ego, uma história pessoal ainda que matizada, enfatiza o facto destes "amores proibidos" pela lei corânica (e por todas as leis das religiões monoteístas, infelizmente) serem correntes no Irão, integrarem mesmo a componente civilizacional, e nunca terem cessado de existir, no tempo do Xá e depois dele. Só por isso, o livro de Ghazi Rabihavi merece o elogio de todos os homens livres.
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