Reli, 32 anos depois de o ter comprado, Amores no Campo (1931), de Sarah Beirão. Confesso que mal me recordava do enredo. É um romance simples, um pouco cor-de-rosa, tendo incrustado um breve roteiro turístico de Portugal, França e Itália, onde decorre a estória, e que permite à autora mostrar os seus conhecimentos da vida e da arte desses países. Embora bem escrito, é pretensamente didáctico e está recheado de lugares comuns, sendo o desfecho facilmente previsível. Na vida real, tudo é normalmente - e infelizmente - muito diferente... mas que importa! Ainda assim, não deixa de ter alguma graça. No entanto, o mais curioso é o facto de toda a acção se desenrolar em meios aristocráticos e burgueses, de grande convencionalismo, quando é sabido que Sarah Beirão era uma fervorosa republicana. Mas, no fundo, talvez isso não seja propriamente uma contradição.
Sarah Beirão (1880-1974), além de escritora, foi jornalista, publicista, filantropa e activista dos direitos das mulheres. Na ficção, a sua obra é especialmente dedicada ao público infanto-juvenil. Foi presidente (1935-1941) do Conselho Nacional das Mulheres Portuguesas, fundado por Adelaide Cabete, e também presidente (1938) da Liga Nacional de Defesa dos Animais.
Constituiu, nos anos 70 do século passado, uma Fundação, de certo modo precursora da Casa do Artista, destinada a ser casa de repouso e assistência para artistas e intelectuais, com sede num solar do século XVIII, em Tábua, pertença da família, e que ainda hoje se encontra em funcionamento.
Em 1948, foi agraciada com o grau de Oficial da Ordem de Santiago da Espada.
Mas o seu nome não ficou inscrito na história das letras pátrias. Consultando a História da Literatura Portuguesa, de António José Saraiva e Óscar Lopes, por onde todos estudámos, não lhe é dedicada sequer uma linha.
Não conheci pessoalmente Sarah Beirão, mas conheci-a de nome desde sempre. E já explico. Durante dois anos, deveria eu ter uns sete anos, o meu pai alugou na Eugaria (Colares) uma casa ou parte dela, onde passámos os meses de Verão. Era a moradia onde vivera Alfredo Keil, compositor, poeta, pintor, arqueólogo e maçon, autor da música de A Portuguesa (o Hino Nacional) e que, na altura, já tinha passado ao Oriente Eterno. Ainda me recordo, mesmo que vagamente, da forma justa e perfeita como se encontravam dispostos os azulejos azuis que ornamentavam o jardim da residência.
Havia na vizinhança a Quinta da Palma, então da família Ludovice (a que pertencera a primeira mulher do meu pai) e onde eu ia brincar quase diariamente com os "primos" da minha idade e a Quinta da Piedade, propriedade da Marquesa de Cadaval, lugar que viria a ficar célebre. E havia ainda uma mansão, não sei se na altura habitada, conhecida como a Casa de Sarah Beirão, figura muito conhecida e muito popular no povoado. O nome da escritora tornou-se familiar para mim desde a infância.
Ao reler agora o livro, recordei essas longínquas memórias.
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