sábado, 26 de agosto de 2023

AINDA D. AFONSO VI

Visitando vários caixotes de livros, encontrei outra obra sobre D. Afonso VI, neste caso D. Afonso VI, de António de Sousa de Macedo, com introdução do Embaixador Eduardo Brazão (1940).

Tem este livro a particularidade de ter pertencido ao erudito Castelo Branco Chaves (1900-1992), ensaísta, jornalista, crítico e tradutor, possuidor de vastíssima biblioteca que, por sua morte, foi total ou parcialmente vendida ao alfarrabista Tarcísio Trindade, proprietário da Livraria Campos Trindade, sita na Rua do Alecrim, 44, hoje encerrada pelo filho, em consequência da Lei da Rendas, e onde, durante anos, comprei dezenas de obras.

Recordo-me da aquisição. Quando comprava uma biblioteca com interesse, Tarcísio Trindade guardava os livros em grandes sacos, e abria-os progressivamente, durante dias consecutivos, em especial à tarde, e alguns clientes habituais deslocavam-se lá a essas horas e pacientemente aguardavam a abertura dos ditos sacos de plástico preto para serem os primeiros a obter as obras que lhes interessavam. E às vezes até havia disputas. Entre esse clientes, nos quais me incluía, estavam o Prof. Soares Martinez (catedrático de Direito e ex-ministro), um médico (cujo nome agora não me ocorre), que era sobrinho do Doutor Azeredo Perdigão e um embaixador jubilado (também não me recordo do nome), que fora nosso representante na Hungria, que morava na Linha de Cascais e que, contra a vontade da mulher, tinha instalado uma parte da sua biblioteca na garagem da casa. Sono tutti  morti! salvo eu, por enquanto. Foi numa dessas tardes que comprei este livro.

Sei que o livro pertencera a Castelo Branco Chaves porque está assinado e comentado por ele, a exemplo de todos os que da sua biblioteca adquiri. Era um homem de notável erudição e proprietário de valiosas e diversificadas obras. Espantei-me que o filho, Fernando de Castelo Branco, membro da Academia das Ciências de Lisboa e da Academia Portuguesa da História, que suponho ainda vivo, tivesse vendido no total ou em parte a biblioteca do pai, mas, ao que julgo supor, ele é também possuidor de vastíssima biblioteca e já não existem casas onde arrumar tantos livros.

Vem isto a propósito de uma anotação, a lápis como era seu hábito, de Castelo Branco Chaves na Introdução do livro. Lá chegarei.

Este D. Afonso VI é apresentado e tem introdução, como escrevi acima, do Embaixador Eduardo Brazão, que refere tratar-se de um manuscrito que encontrou na Biblioteca do Palácio da Ajuda e em cuja folha de rosto se lê: «Contem este papel hua sumaria rellação dos susessos, de Portugal desda menorid.e em the o falec.to  del Rey D. Affº o 6º q Deos descança escripta, e composta por Antonio de Souza de Macedo». Para já, há uma incongruência, pois o conteúdo do livro termina em 1664 e D. Afonso foi proclamado rei em 1656, assumiu efectivamente o poder em 1662, afastando a regente e sua mãe, D. Luísa de Gusmão, e foi deposto da governação pelo irmão, o infante D. Pedro (mais tarde D. Pedro II), em 1667, conservando todavia o título de rei, tendo morrido em 1683. Ora o livro apenas relata factos de 1662 a 1664.

António de Sousa de Macedo (1606-1682) foi um notável escritor e diplomata que D. Afonso VI nomeou secretário de Estado quando subiu ao trono (1662). Afastado do governo e desterrado em 1666, foi definitivamente afastado da Coroa em 1667, por pressão da rainha e do infante, futuro D. Pedro II.

Voltemos à anotação a lápis de Castelo Branco Chaves. Escreve ele: «Eduardo Brazão atribui a autoria desta obra a António de Sousa de Macedo - Afonso Pena Jor, no Brasil [ilegível] que foi escrita por Pedro Severim de Noronha, secretário das Mercês de D. Afonso VI e filho de Gaspar Severim de Noronha, secretário de D. João IV. Morreu assassinado em 1664, e por isso a narrativa fica no começo do 4º trimestre deste ano.» 

Não conheço as razões que levaram Afonso Pena Jor (filho de Afonso Pena, 6º presidente do Brasil) a esta conclusão, mas, atendendo ao período reportado na obra, parece verosímil. Já agora, uma correcção minha: Gaspar Severim de Noronha chamava-se Gaspar Severim de Faria, um pequeno lapso de Castelo Branco Chaves.

E Pedro Severim de Noronha morreu realmente em 1664, assassinado perto do Paço Real, quando regressava de liteira a sua casa, por um grupo de facínoras dos bandos que sempre acompanhavam D. Afonso VI.

Sobre o livro propriamente dito, falarei mais tarde.

 

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