terça-feira, 15 de agosto de 2023

AINDA OS PORTUGUESES E A ORDEM DE MALTA (I)

Na sequência do post anterior, a Comunicação sobre os Grão-Mestres portugueses da Ordem de Malta efectuada pelo Embaixador Fernando Ramos Machado na Sociedade de Geografia, o autor produziu dois aditamentos, cujo primeiro agora se publica:

   

            ADITAMENTO I

            O “ OUTRO” LUÍS MENDES DE VASCONCELOS

             PRÓLOGO                                              

 Em mais de uma ocasião, neste trabalho, aludi a “outro” Luís Mendes de Vasconcelos, um contemporâneo e homónimo daquele que foi o 55º Grão-Mestre da Ordem de Malta. São, com frequência, confundidos, e misturados os dados biográficos de cada um, como se tratasse de uma só pessoa. Parece-me apropriado dedicar, também, algumas páginas ao “outro”.

Como ponto de partida, recorri à Nota Prévia, elaborada por José da Felicidade Alves, à sexta edição (1999) da obra “Do Sítio de Lisboa”, que cita autores como Barbosa Machado, Inocêncio e António Sérgio.

Este ilustre (ainda que controverso) português, de que agora se trata, foi militar e escritor.

                   VIDA                                     

 “Natural de Lisboa” (e não de Évora, como por vezes é indicado); desconhece-se a data de nascimento, inclinando-me, perante os elementos de que dispomos sobre a sua vida e obra, para que tenha tido lugar entre 1550 e 1560.

“Seu pai chamava-se João Mendes de Vasconcelos, Morgado do Esporão, Comendador de Santa Maria de Isseda, na Ordem de Cristo, do Conselho dos Reis D. Sebastião e D. Henrique. Sua mãe era Dona Ana de Ataíde, filha de D. António de Ataíde, primeiro Conde da Castanheira, e de Dona Ana de Távora ( filha de Álvaro Pires de Távora, Senhor do Mogadouro).

“Foi casado com Dona Brites Caldeira (…). Dela teve os filhos Francisco Luís de Vasconcelos, Governador da ilha Terceira, e Joanne Mendes de Vasconcelos, Governador de Trás-os-Montes, Conselheiro de Guerra e Mestre de Campo General”, e que se distinguiu nas Guerras da Restauração.

Ainda antes do final do Séc. XVI, serviu nas tropas espanholas, na Itália e na Flandres. Ele próprio, em “Arte Militar”( publicada em 1612, mas que refere, noutro local, que estava já composta em 1598) menciona “as partes em que me achei entre Hespanhoes, Italianos, & Francezes”, embora sem precisar datas, nem lugares.  

“ Diversas vezes ostentou o seu valor e disciplina no Oriente, ocupando vários cargos: o lugar de Capitão - Mor das Armadas (do Oriente) expedidas nos Vice-Reinados de D. Estêvão da Gama e de D. Jerónimo de Azevedo “. Cabe aqui observar porém que, entre aqueles dois Vice-Reinados (1540-1542 e 1612-1617, respectivamente) mediaram 70 anos, pelo que, evidentemente, não faz sentido a afirmação citada; por outro lado, na Relação das Armadas de Índia, figura apenas menção de uma, integrando três naus, de que foi Capitão – Mor um Luís Mendes de Vasconcelos, que partiu a 23 de Março de 1610, chegou à Índia e ”voltando a este Reino, tomou Angola” (sic).

“ Governador de Angola”, mas de 1617 a 1621” onde se admiraram a madureza do seu juízo e o desinteresse de seu ânimo”. Na verdade, não é positiva a imagem que emerge da sua actuação. Para o Cónego José Mathias Delgado, “ Este Governador, Luís M. de Vasconcelos, foi um dos mais perniciosos governadores de Angola, pelas gravíssimas consequências que resultaram das muitas extorsões feitas ao rei e da desmedida ambição tanto dele como de seu filho”. Alguns consideram-no “muito belicista, implicado nas guerras predatórias, para conseguir escravos pela força; a expansão do comércio de escravos foi um dos principais objectivos durante o seu Governo”. Mathieu Demaret sublinha que “o seu regimento insistia nomeadamente na necessidade de manter relações pacíficas com os africanos. No entanto, o mandato de Luís Mendes de Vasconcelos foi marcado por uma lógica de confrontação sistemática com os Estados africanos, contradizendo dessa forma as ordens régias”. Não seria irrealista admitir que o número de escravos exportados ascendeu a 50 mil ( Beatrix Heintze).

Moveu uma guerra contra o Reino do Ndongo, à frente do qual estava Ngola Mbandi, irmão da que viria a ser a famosa Rainha Nzinga Mbandi. Para Mariana Bracks Fonseca, “a guerra contra o Ndongo teve como consequências a expansão formal do domínio português e a segmentação do reino, porém não alcançou a submissão efectiva de Ngola Mbandi”. Acrescenta que “Vasconcelos foi para Angola com objectivo de regulamentar o tráfico negreiro revertendo para a Coroa os impostos de exportação” mas ele “defendia que para manter satisfatoriamente o comércio de escravos era necessário ter as armas em punho. Sua família, principalmente seu sogro, o comerciante cristão novo Manuel Caldeira, estava directamente envolvida no tráfico de escravos para as Índias Espanholas”.

  Porém, “sofreu devassa em Março de 1622 a Fevereiro de 1623: A Coroa confiscou suas fazendas e ordenou o seu desterro para o Brasil, mas ao chegar ali conseguiu escapar da prisão e embarcou secretamente para o Reino, onde deu ao Rei um memorial dos grandes serviços que fez em Angola e foi absolvido pela Justiça Real”.

Foi “Comendador de S. Bartolomeu da Covilhã e de Santa Maria de Isseda” da Ordem de Cristo.

Ignora-se a data e o local da sua morte.              

                   OBRA

“ O ilustre nascimento, que lhe deu a fortuna, competiu com o penetrante talento de que o ornou a natureza, cultivando desde a primeira idade as ciências próprias do seu estado, principalmente a arte militar, em que prática e especulativamente foi venerado Mestre”

“Era bastante instruído em História, Mitologia, Poética e Política, e também nos preceitos da Milícia terrestre e marítima, como se manifesta nas obras que escreveu”.

 “Terá composto umas seis obras, das quais só duas foram impressas:

- “Do Sítio de Lisboa” (…) primeira edição, Lisboa, 1608

-“ Arte Militar”(…) , publicada em Alenquer, 1612, mas cuja composição, segundo o Autor, estava concluída já em 1598; dedicada a Cristóvão de Moura

- “História do Combate Célebre Cossário da Índia”

-“ Conquista da Índia Offerecida a ElRei”

-“Tratado de la Conservación de la Monarchia De España”, oferecido ao Duque de Lerma (e composto, portanto, entre 1599 e 1618)

-“ Poesias várias portuguezas, e castelhanas”.

A primeira alcançou alguma notoriedade. Para António Sérgio, citado largamente na Nota Prévia, trata-se de “um curioso livro bem pensado, escrito no esquema platoniano. (…) O tema central deste ensaio é a inventariação exaustiva das excelentes qualidades do sítio de Lisboa; o interesse e o objectivo supremo desta inventariação é tornar evidente que Lisboa é digna e apta para ser capital do Império de toda a terra, e consequentemente convencer Filipe II a mudar de Madrid para Lisboa a capital do seu império, dotando os seus vastíssimos domínios de uma capital oceânica”.

 Os Diálogos são supostos decorrer no Reinado de D. João III (ainda que este já tivesse em Lisboa a sua Capital…).Madrid nunca é mencionada ao longo da obra; Filipe II de Espanha só a elevou a Capital em 1561, já D. João III tinha falecido (1557). Admito que, com esse recuo de mais de cinco décadas, em relação ao tempo em que escrevia, Vasconcelos procurasse evitar contestar, directamente, o estatuto de Madrid. Os méritos de Lisboa são comparados com os de outras cidades, antigas e modernas, como Constantinopla.

Voltando a António Sérgio, ele observa que “ de passagem são detidamente analisados outros momentosos temas subsidiários. O mais sensacional é a crítica à conquista da Índia, cujos malefícios são frontalmente apontados, contrapondo o projecto de conquista ao plano do comércio (este, sim, útil e de inspiração inicial) ”. Esta posição foi também assumida em “A Conquista da Índia”.              

Para Luís Mendes de Vasconcelos, “largar a Índia no estado presente não convém, nem podemos, como cristãos”, mas “ a respeito da cidade de Lisboa e do Reino, não se alcançou mais na conquista da Índia que uma glória vã (…) à qual se havia de preferir a utilidade (…). Assim digo que, se a conquista foi danosa, que o comércio o não fora”. Contrapõe, à conquista da Índia, o povoamento do Brasil e das Ilhas, “porque as Ilhas povoaram-se de uma vez, e não estão, como a Índia, consumindo homens continuamente, e delas nos provemos de trigo, por onde antes benefício que dano nos faz a sua povoação”. Quanto ao Brasil, “ se tratarmos dele como pedem as suas qualidades, pode-se fazer nele um grande reino, que a este fora utilíssimo”.

A sua concepção utilitarista da actividade ultramarina fica bem patente, quando escreve sobre o “comércio do Monomotapa donde por muito pouco preço e por vilíssimas coisas se resgata grande quantidade de ouro, e donde não é necessário fazer conquistas nem aventurar exércitos”.

Certas passagens de “Do Sítio de Lisboa” recordam-nos, inevitavelmente, as falas do Velho do Restelo, mas não podiam ser mais diferentes a visão do Mundo expressa pela figura criada por Camões e a de Luís Mendes de Vasconcelos. O primeiro verbera e o segundo desvaloriza a busca da glória e da fama, mas o Velho fá-lo por oposição conservadora, se não mesmo passadista, à expansão ultramarina, e condena as conquistas (excepto em Marrocos), a navegação e o comércio, as “promessas (…) de minas de ouro”. Para Vasconcelos, a glória é vã e a conquista danosa, mas o comércio é valorizado, como uma razão de ser para a expansão portuguesa.

                   PERSONLIDADE COMPLEXA

Ainda que pouco tenha sido o que pude ler de e sobre Luís Mendes de Vasconcelos, e que acima se resume, concluo ter sido ele uma personalidade complexa, talvez não exemplar, mas, sem dúvida, dotada de fascínio.

Em “Do Sítio de Lisboa”, intervêm, nos Diálogos, um Político, um Soldado e um Filósofo, designações sob as quais se quis ver algumas personalidades da época de D. João III. O Autor refere que se afastou da tradição, que era a de, em Diálogos, “os nomes das pessoas (…) haviam de ser nomes próprios e de homens conhecidos”, e isso, porque “eram tão estimadas as boas artes, que se reputava por honra ampará-las e favorecê-las; e agora, que são desfavorecidas e desprezadas, deve-se também mudar o estilo (…) e assim, deixando os nomes próprios, em lugar deles me valho das profissões”. Na verdade, Vasconcelos era, em maior ou menor medida, e devia ver-se, como um político, um soldado e um filósofo; através de um artifício literário, transmite-nos três perspectivas que, pelo estudo e pela experiência prática, havia alcançado sobre o tema que aborda. Sem prejuízo de hipótese que adiante levanto, Luís Mendes de Vasconcelos “é” cada um e o conjunto dos três intervenientes.

Logo no início do prefácio a “Do Sítio de Lisboa”, o Autor afirma-se patriota: ”É tão natural a todos os homens o amor da Pátria, que quando não tivera outras razões, esta só me podia obrigar a escrever os presentes Diálogos”. Ao advogar, com fortíssima argumentação, o estabelecimento, em Lisboa, da Capital de todos os Domínios de Filipe III de Espanha, Vasconcelos visava, por certo, a prosperidade e o prestígio da Cidade e do País; mas não temeria ele que, como provável consequência, Portugal, viesse a ver comprometida, talvez definitivamente, a sua Independência? 

Como encararia ele o domínio filipino? Veria com agrado Portugal fazendo parte de uma grande Monarquia Ibérica e Católica?

O ter ele escrito um livro de poesias castelhanas e portuguesas não punha, evidentemente, em causa o seu patriotismo, pois tal prática há muito era corrente entre autores portugueses.

Mas já dá que pensar que Vasconcelos tenha dedicado a “Arte Militar” a Cristóvão de Moura, grande obreiro da subida de Filipe II de Espanha ao trono de Portugal, e considerado traidor, pela generalidade dos portugueses.

 O pensamento de Vasconcelos sobre esta questão resultará patente, talvez, da leitura do “Tratado de la Conservación de la Monarchia de España” (a que não tive acesso) oferecido ao Duque de Lerma, o todo poderoso Valido de Filipe III de Espanha, entre 1599 e 1618, período durante o qual foram atribuídos, ao nosso Autor, cargos de grande confiança, como o de Capitão - Mor de uma Armada da Índia e o de Governador de Angola.

 Poderia considerar-se pouco coerente que tenha comandado uma Armada da Índia quem, pela boca do Filósofo, em ‘Do Sítio de Lisboa’ afirmara que “não se alcançou mais na conquista da Índia que uma glória vã”, e que, embora reconhecendo que “ a navegação da Índia (…) nos traz muita comodidade de grande ganho”, salienta ” mas desse ganho são maiores os danos que o proveito, do modo que usamos o comércio dele, porque nos leva prata e dá-nos alcatifas”. Contudo, se é certo que insiste em que “a conquista da índia não foi útil, mas danosa”, também escreve que “largar a Índia no estado presente não convém, nem podemos como cristãos”.

 Mais surpreenderá que, como Governador de Angola, e contra a orientação superior, tenha empreendido guerras de conquista (e, assim, sido levado a “aventurar exércitos”), quando, no seu livro, considerara que “não se deveria intentar mais que só aquilo que para um seguro comércio fosse necessário”.

Já sobre o Monomotapa (no actual Zimbabwe) Luís Mendes de Vasconcelos continuou a manifestar, durante o seu mandato em Angola, o mesmo interesse que o levara a perguntar, em “Do Sítio de Lisboa”, dez anos antes, “que cousa há no Mundo que se possa comparar com o comércio do Monomotapa?”.   

    

      LUÍS MENDES DE VASCONCELOS E LUÍS MENDES DE VASCONCELOS

Nas últimas décadas do Séc.XVI e nas primeiras do Séc. XVII, viveram dois portugueses ilustres, ambos com o mesmo nome – Luís Mendes de Vasconcelos.

Um deles terá nascido, provavelmente, em 1543, ingressou na Ordem de Malta, ascendeu à dignidade suprema, Grão-Mestre, em 1622, falecendo no ano seguinte. O outro, cujo nascimento terá ocorrido entre 1550 e 1560, foi Governador de Angola, de 1617 a 1621.Quase certamente, seriam parentes, já que a avó paterna do primeiro, Catarina Mendes de Vasconcelos, “era descendente legítima do antigo tronco de Vasconcelos do Esporão”, enquanto o pai do segundo, João Mendes de Vasconcelos, era Morgado do Esporão.

Quando Luís Mendes de Vasconcelos partiu para Malta, nos finais de 1571 ou inícios de 1572, o seu (provável) parente teria, no máximo, 21 anos, e haveria uma diferença de idade, entre ambos, de, pelo menos, sete anos. Não deveriam ser, pois, nessa altura, amigos chegados.

Mas, quando o Cavaleiro de Malta regressa a Portugal, como Recebedor da Ordem, e aqui permanece, por um longo período, de 1689 a 1698, seria natural que, entre os dois, se tivessem estabelecido relações estreitas, quanto mais não fosse, pelo interesse de ambos pelas questões militares. Avanço esta hipótese, faltando-me, no entanto, a indicação de quando terá estado fora de Portugal o mais jovem dos dois, prestando serviço no Exército espanhol.

O Autor da “Arte Militar” afirma que essa obra estava composta já em 1598 (ainda que tenha vindo a ser publicada apenas em 1612). Será excessivo admitir que, na sua elaboração, tenham pesado informações e pareceres de um Cavaleiro de Malta, na altura já com bem mais de 20 anos de serviço numa Ordem dedicada à defesa da Cristandade?

Os dois poderão ter voltado a encontrar-se, quando Luís Mendes de Vasconcelos, que havia estado como Embaixador da Ordem de Malta junto da Santa Sé, veio, por algum tempo, para Portugal, antes de assumir, em Malta, o cargo de Conservador, em Julho de 1609. Terá ele influenciado e, caso afirmativo, em que medida, o conteúdo da obra do seu homónimo, “Do Sítio de Lisboa”, cuja primeira edição é e 1608?

No passado, quis-se ver, por trás do Político, do Soldado e do Filósofo, intervenientes nos Diálogos, personagens que existiram realmente – o Conde da Castanheira (Ministro de D. João III e avô do Autor), Martim Afonso de Sousa (Governador da Índia) e D. Jerónimo Osório, Bispo do Algarve. Acima, afirmei que o Autor era cada um e o conjunto dos intervenientes; mas, e aqui especulo, não poderá o Cavaleiro de Malta ter emprestado alguns traços à figura do Soldado, apologista da glória e das virtudes heróicas?

Não possuo informação sobre se, na realidade, teriam sido parentes, se se teriam encontrado e que relacionamento teria, eventualmente, existido entre ambos.

Quase na mesma altura, ambos haviam de assumir elevadas responsabilidades navais – um deles parte para o Oriente, em Março de 1610, como Capitão - Mor duma Armada de três naus; o outro é, de Janeiro de 1613 a Janeiro de 1615, General das Galés da Ordem de Malta. O primeiro vogando para o Índico, cenário da glória, que ele considerava vã, das  conquistas lusas; o segundo, Balio de Acre, navegando no Levante, no mar que banha a Terra Santa, onde, séculos antes, nascera a Ordem do Hospital de S. João de Jerusalém.

Em 1617, Luís Mendes de Vasconcelos torna-se Governador de Angola. Foi um dos que advogaram a criação, ali, de um Vice-Reino, aspirando, por certo, ao título de Vice-Rei. Cai em desgraça em 1622. Em Setembro desse ano, o seu (provável) parente é eleito Grão-Mestre da Ordem de Malta, o segundo que ostentou o título de Alteza Sereníssima; faleceu menos de seis meses depois Durante algum tempo, ambos exerceram o poder supremo, nas suas respectivas esferas, independentes, de facto, se não de Direito.

A Ordem do Hospital é reconhecida como Soberana desde que, pela conquista, se apoderou de Rodes, em 1310,e o Grão-Mestre é, até hoje, equiparado a Chefe de Estado, ainda que, no plano espiritual, dependa da Santa Sé; durante os séculos em que esteve sediada em Malta, o estatuto soberano da Ordem não era incompatível, “de facto”, com o carácter de feudo, com que a Ilha lhe fora cedida por Carlos V.

A posição de um Governador colonial sempre foi, no plano das realidades, quase a de um Rei, em particular quando a longa distância a que se encontrava o Soberano, a lentidão das comunicações e a relativa escassez de instruções, lhe permitiam agir com a maior autonomia. Mas o mandato era, geralmente, de três anos e podia ser revogado a todo o tempo. A embriaguez do poder e a ambição, assim como as intrigas na Corte, eram, com frequência, fatais.

Os dois tiveram personalidades ricas, vidas longas e preenchidas, actuações notáveis. Um deles mantendo ainda, nos princípios do Séc.XVII, os ideais, que vinham da Idade Média, do monge soldado Hospitalário- coragem, sacrifício, serviço, desinteresse pelos bens materiais – também com provas dadas como administrador e diplomata; o outro, de sólida formação humanista, soldado, filósofo, político; foi, talvez, mais “moderno”, incluindo no valor atribuído à busca de riquezas.

Não terminarei sem tocar um ponto que tem merecido, ultimamente, uma crescente atenção, a questão da escravatura. Durante séculos, a Ordem de Malta levou a cabo uma guerra de corso, reduzindo à escravidão tripulações e passageiros de navios muçulmanos, e Luís Mendes de Vasconcelos participou em operações dessa natureza. A legitimidade desta luta, que não era questionada, repousava sobre o seu carácter retaliatório, já que os muçulmanos também aprisionavam, em grande escala, embarcações cristãs, além das razias que efectuavam nas povoações do Sul da Europa. Havia, sem dúvida, também, uma motivação comercial, mas não era, então, a dominante. Tratava-se de uma guerra, ainda “medieval”, no quadro daquela, mais geral, que opunha os dois “blocos”, o cristão e o muçulmano.

Já quanto às guerras empreendidas em Angola pelo Governador Vasconcelos, não se podia alegar qualquer carácter retaliatório. Tinham um objectivo puramente comercial, visavam obter, pela violência, um maior número de escravos, destinados à exportação, em detrimento do tráfico “pacífico” (ainda que, de qualquer modo, desumano e condenável) que tinha sido a regra tradicionalmente. 

Mais haveria a expor, e muito ainda a investigar, sobre estes dois portugueses, mas espero que o que precede contribua já um pouco para os tirar do esquecimento, quase total, em que, injustamente têm permanecido.     

 

 

                                      

 

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