sexta-feira, 28 de outubro de 2022

ERASMO

É sempre oportuno revisitar Erasmo, especialmente nos tempos que vivemos. E folhear algumas obras que lhe são dedicadas, para além do seu magnum opus, a obra que o celebrizou, Encomium Moriae (Elogio da Loucura), ainda que o insigne humanista nunca lhe tivesse atribuído uma especial primazia entre os seus outros escritos.

Nasceu Erasmo em Roterdão, em 1466 e faleceu em Basileia, em 1536, depois de uma vida de viagens, que não apreciava efectuar, pela Europa, nomeadamente França, Inglaterra, Espanha e Itália.

Releio agora a tradução portuguesa da obra do historiador Johan Huizinga (1872-1945), Erasmus, a partir da edição neerlandesa do livro (1924), que é um desenvolvimento da primeira edição em língua inglesa que o autor escreveu a convite da Creat Hollanders, de Filadélfia. A tradição afigura-se correcta, mas o aportuguesamento de alguns nomes é insuportável: Lípsia em vez de Leipzig, Cambraia em vez de Cambray, Sena em vez de Siena, etc., etc.

A designação de Países Baixos é a forma correcta, uma vez que a Holanda é apenas uma parte do país.

São muitos os livros sobre Erasmo, o famoso humanista. Além da obra de Huizinga, possuo as de Augustin Renaudet, Pierre Mesnard, Stefan Zweig, Roland H. Bainton, Manuel Cadafaz de Matos e o excelente trabalho El Erasmismo Español, de José Luis Abellán, além do famoso estudo de José de Pina Martins, Humanismo e Erasmismo na Cultura Portuguesa do Século XVI.

Não se podendo sintetizar num post a vida e obra de Erasmo, direi que ele foi admitido na Ordem dos Cónegos Regrantes de Santo Agostinho, no convento de Steyn, onde teve uma amizade muito chegada ao seu companheiro Servatius Rogerus, que muitos historiadores afirmam tratar-se de uma relação íntima; são célebres as cartas de amor que Erasmo lhe dirigiu. Aliás, mais tarde, em Paris, deu lições a dois jovens ingleses, Thomas Grey e William Blount, com tanto afecto que o tutor dos dois rapazes proibiu Erasmo de os voltar a ver. 

Erasmo, por Holbein, no Museu do Louvre (reprodução na minha sala)

Erasmo promoveu a divulgação do latim como língua universal, numa altura em que o grego era a língua cultural por excelência. A sua obra que consideramos hoje fundamental é Elogio da Loucura, em grego, Moriae Encomium, em latim Stultitiae Laus, escrita em 1509 e publicada em 1511. Foi dedicada a Thomas More. Para ele, a Loucura é o motor de toda a vida, indispensável, salutar, causa dos Estados, e dos heróis, sustentáculo do mundo. A falta de loucura torna a vida imprópria. Conclui também, a exemplo de Rousseau, que a civilização é uma calamidade.

Na sua vida, Erasmo frequentou as universidades de Paris e de Lovaina e foi conselheiro do jovem rei Carlos  de Espanha, mais tarde o imperador Carlos-Quinto, para quem escreveu Institutio Principis Christianis, contrastando um pouco com Il Principe, de Maquiavel, publicado alguns anos antes. Manteve relações teológicas ambíguas com Martinho Lutero, mas nunca aderiu ao protestantismo, ainda que tivesse progressivamente as maiores reservas em relação ao catolicismo.

Sobre a questão religiosa, cito, de Huizinga (p. 218): «A melhor prova de que Erasmo já tinha de facto perdido a esperança de desempenhar o papel de conciliador é talvez fornecida pelo episódio que se segue. Durante o Verão de 1520, teve lugar em Calais o famoso encontro dos três monarcas: Henrique VIII, Francisco I e Carlos V. Erasmo devia também dirigir-se aí no séquito do seu soberano. Que efeito um tal congresso de príncipes, em que os interesses da França, da Inglaterra, da Espanha, do Império e duma grande parte da Itália estavam pacífica e simultâneamente representados, não deveria ter produzido sobre a sua imaginação, se o seu ideal tivesse permanecido inquebrantável! Mas não se encontram vestígios disso. Erasmo esteve em Calais em Julho de 1520; teve aí uma conversa com Henrique VIII, aí saudou More; mas não parece que tenha visto nessa viagem mais que uma ocasião para se encontrar mais uma vez com os seus amigos ingleses.»

Em 1503, editou o Enchiridion Militis Christiani" , o "Manual do cavalheiro cristão" e em 1516 publicou uma tradução do Novo Testamento Grego, Novum Instrumentum Omne, que é considerada o Textus Receptus. Os Colloquia, que foram publicados a partir de 1518, e a que Erasmo atribuía especial importância, suscitaram mais ódios e ataques do que o Elogio; Erasmo atirava-se agora também às pessoas e ridicularizava os seus adversários de Lovaina.

É inegável a simpatia pelos reformadores , sem nunca ter aderido às teses de Lutero, que bem tentou convencê-lo, mas Erasmo primou sempre pela sua independência. Claro que era crítico do paganismo e do exagero dos humanistas pelo classicismo. Uma pena.

Enquanto famoso latinista, criticava Cícero, cujo estilo considerava medíocre. O seu diálogo Ciceronianus (1528) trata da melhor forma de escrever e falar o latim.

Em 1529 abandona Basileia, por causa dos reformadores, e vai para Friburgo, mas regressa em 1535, tendo morrido no ano seguinte e não sendo então a sua morte particularmente sentida.

Apesar das suas oscilações religiosas, embora nunca se comprometendo, a sua vasta sapiência levou o papa Paulo III a pensar elevá-lo ao cardinalato, mas Erasmo dissuadiu imediatamente os seus próximos, que disso deram conta ao pontífice.

Este é um breve resumo da obra de Huizinga. Voltaremos a Erasmo através de outros autores. 

 

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