sábado, 29 de maio de 2021

INFÂMIA

A revista "L'Obs" incluiu, no seu nº 2949, de 6 a 12 de Maio, um longo texto a propósito do recente livro Mon Dictionnaire du bullshit, do intelectual judeu-francês-americano Guy Sorman (n. 1944), onde este acusa Michel Foucault (1926-1984) de violar crianças sobre os túmulos num pequeno cemitério de Sidi Bou Saïd, no tempo em que o grande pensador francês foi professor da Université 9 Avril, de Tunis. Em 28 de Março passado, em entrevista ao "Sunday Times", Sorman reincide evocando uma visita que teria feito a Foucault nas férias de Páscoa de 1969, lamentando não se ter dirigido então à polícia para denunciar esses "actos ignóbeis e moralmente repugnantes". Isto, no momento em que foi publicada a tradução inglesa de Les Aveux de la chair, a obra que Foucault deixara inacabada. Desta vez, as afirmações de Sorman provocaram um sobressalto em França, na Tunísia e no mundo.

Mas há mais: «A "L'Obs", ce 31 Mars, Guy Sorman racconte: "Je m'en souviens très bien, c'était à Pâques 1970 [sic]. On était en vacances à Sidi Bou Saïd avec Pierre Bénichou, Gilles Châtelet, et Chantal Charpentier, la maîtresse d'Olivier Todd. On revenait du Café des Nattes. Des enfants de 8, 9 ou 10 ans couraient après Foucault, l'appelant par son nom. Ils le connaissaient tous. Lui leur jetait de l'argent et donnait rendez-vous à certains d'entre eux pour le soir, à 22 heures, au cimetière qui était un lieu de promenade. Le cimetière était connu pour ça, tout le monde le savait. C'était néocolonial.»

Ora a realidade desmente estas afirmações de Guy Sorman, desde logo pelas suas imprecisões. Este refere como datas ora 1969, ora 1970; Chantal Charpentier, a única testemunha viva, não era nessa altura amante de Olivier Todd (seria mais tarde), mas companheira do próprio Sorman, e das férias de Páscoa de 1970 só se recorda de um jovem muito belo, Mohamed, mas que teria já 17 ou 18 anos. Nenhuma das biografias de Michel Foucault regista qualquer episódio relacionado com rapazinhos. Toda a gente soube sempre que Michel Foucault era homossexual, o que naturalmente não impedia que a assistência às suas aulas no Collège de France transbordasse para fora do anfiteatro. Mas as suas inclinações não se dirigiam a crianças mas a rapazes já maduros, de preferência negros, atendendo a que estes são em geral sexualmente bem dotados, característica que o filósofo prezava. Isso explica em parte que tenha aceitado com frequência os convites que lhe eram endereçados por universidades americanas ou brasileiras para ministrar cursos, o que lhe permitia um contacto estreito com pessoas de origem africana.

O texto de seis páginas de "L'Obs" expõe detalhadamente o caso, frisando que tal atitude de Foucault, enquanto professor em Tunis de 1966 a 1968, teria sido obviamente objecto de condenação pelos tunisinos. Que o Mestre mantivesse relações com rapazes, incluindo com alunos seus da Université 9 Avril, era na altura perfeitamente aceite pela sociedade e até seria motivo de orgulho para os estudantes terem a honra de serem eleitos. Os costumes na Tunísia, no tempo de Burguiba, eram então muito livres e a prática da homossexualidade largamente admitida. Com a tomada do poder por Ben Ali, em 1987, foi imposta alguma reserva, o que não impediu que o país fosse assiduamente frequentado por turistas estrangeiros até à "primavera árabe" de 2011. A partir daqui, e por influência do partido político islâmico radical Ennahda, que tem o poder sequestrado na Tunísia, a vida sexual passou a ser objecto de rigoroso controlo, em contradição com os proclamados princípios das liberdades democráticas.

Como explicar a presente denúncia de Guy Sorman, cinquenta anos depois dos acontecimentos e quase quarenta anos depois da morte de Foucault? Estará Sorman demente? Terá inventado esta história para promover a venda do seu recentíssimo livro? Terá sido pressionado pelo lobby sionista, uma vez que o Mestre foi apoiante da causa palestiniana? Poderá ser um tributo à moda do politicamente correcto dos nossos dias? Será uma vingança póstuma de Sorman, então com 25 anos, por não ter sido eventualmente admitido à intimidade do Mestre? Em qualquer caso, Guy Sorman é um consumado canalha! 

A leitura do artigo da revista contribuirá para esclarecer, mas só parcialmente, o caso.

1 comentário:

Anónimo disse...

Parece-me mais provável que o Sorman se pretenda promover através de mais um escândalo sexual (e se for homo ainda mais picante) agora na moda em França e não só. Os casos têm-se sucedido com seguro proveito para os promotores. Se são verdadeiros ou falsos,não interessa,o que é preciso é destruir os "poderosos", vivos ou mortos.
Desconhecia o interesse de Foucault pelos africanos. Mas para tal,não p+recisava de ir aos Estados Unidos,pois não faltam em França. Tinha sim respeito pelo nível das Universidades americanas,instituições com as quais creio que o autor do blog não está familiarizado.
Prefiro nem sequer comentar a invocação do "lobby judaico"...