Recebi na semana passada o DVD de Aida, espectáculo apresentado no Bregenzer Festspiele, em Julho de 2009. Trata-se de uma produção monumental - e inusitada - que decorre sobre as águas do lago da pequena cidade austríaca, e com características propositadamente chocantes... mas o génio de Verdi resiste a tudo, até às encenações de Graham Vick.
A interpretação musical não é propriamente excepcional, mas atendendo ao lugar e às circunstâncias não se poderá exigir melhor. Correcto o desempenho da Wiener Symphoniker, dirigida por Carlo Rizzi e do naipe de cantores, que não sendo famosos cumprem o seu papel, vocal e cenicamente. A partitura sofreu alguns cortes, não significativos, tendentes a encurtar a duração do espectáculo, que é apresentado sem intervalo.
O "palco" é constituído por vários estrados (sobre os quais se erguem estruturas monumentais (evocação de Abu Simbel ?) e mesmo guindastes), passadeiras aéreas e barcos.
Alguns breves apontamentos sobre esta representação:
Aida aparece no I Acto a lavar de joelhos as escadas do palácio, com balde e esfregona;
Radamés enverga uma farda de oficial napoleónico;
Amnéris ora parece uma puta, ou a Rainha da Noite de A Flauta Mágica;
O Faraó é um híbrido de Tut-Ankh-Amun e maître de hotel;
O Sumo-Sacerdote Ramfis sugere um papa semi-paramentado;
Amonasro, como os derrotados soldados etíopes, é um imigrante resgatado das águas do Mediterrâneo (neste caso do lago Bregenz), melhor fora do Nilo, mas aí o único afogado de relevo foi Antínos;
Uma sacerdotisa de Ptah aparece vestida como a Imaculada Conceição, nem lhe faltando na cabeça o resplendor de estrelas;
Os sacerdotes egípcios usam mitras e báculos;
A guarda do Faraó é composta por um esquadrão de jovens militares da polícia de choque com escudo e viseira;
Os bailarinos do II Acto dançam vestidos dentro de água e acabam por mergulhar;
No I Acto, numa cena do palácio, vários rapazes de boa apresentação, mas em cuecas, são profusamente apalpados de forma "escandalosa" por mulheres vestidas;
Em algumas momentos, há figurantes passeados de gatas, com trela, coleira e capuz na cabeça;
Na cena do julgamento, Radamés surge do ar, numa espécie de passarola de cordas, lembrando o cesto onde voam os três meninos também de A Flauta Mágica;
Depois do julgamento, Radamés afunda-se verticalmente nas águas (deve levar um escafandro sob a indumentária) para reaparecer juntamente com Aida na Barca dos Mortos, que vai deslizando no lago até subir aos céus.
Estes alguns pormenores menos característicos das produções de Aida, mesmo das mais ousadas, que me lembrei de anotar. Todavia, dado o insólito, não é uma versão totalmente descartável.
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