domingo, 21 de março de 2021

TROIS JEUNESSES FRANÇAISES

Em 1994, o jornalista Pierre Péan publicou um livro de 600 páginas com forte impacto na época: Une jeunesse française, sobre o percurso atípico e os sucessivos compromissos de François Mitterrand (1916-1996), presidente da República Francesa de 1981 a 1995. Nesse livro, para o qual o próprio Mitterrand contribuiu, esclarecendo (ou distorcendo) alguns acontecimentos, são relatados os anos da sua carreira compreendidos entre 1934 e 1947. Personagem eminentemente romanesca, recheada de contradições e de fidelidades, homem oriundo de uma direita católica que, como primeiro-secretário do Partido Socialista Francês, se tornou na esperança do "povo de esquerda",  o esfíngico Mitterrand  estará com Pétain, do lado do Colaboracionismo e de Vichy e com De Gaulle, na Resistência e na Libertação. E depois contra De Gaulle na V República, da qual viria a ser o quarto presidente.

Mas não é esse livro, nem François Mitterrand, que são objecto deste post, mas uma obra agora publicada, Deux jeunesses françaises, do jornalista Hervé Algalarrondo (n. 1950), que parafraseando o título da anterior coloca em paralelo o itinerário de dois jovens oriundos da Picardie, supostamente superdotados, um dos quais conseguiu também ser eleito presidente da França: Emmanuel Macron, sendo o outro Eddy Bellegueule, dito Édouard Louis.

Emmanuel Macron nasceu em Amiens, em 21 de Dezembro de 1977; Eddy Bellegueule, agora autodenominado Édouard Louis, nasceu em Abbeville (perto de Amiens), em 30 de Outubro de 1992. Quinze anos os separam, mas não o desejo de "fugir" da sua terra natal para a grande metrópole que é Paris. De Macron, já todos ouvimos falar, de Bellegueule, só depois da publicação do seu primeiro livro, em 2014, En finir avec Eddy Bellegueuele, que teve uma recepção entusiástica e foi traduzido em várias línguas. Diga-se que Macron também publicou, em 2016, um livro: Révolution, supostamente uma autobiografia. Não li nem tenciono ler qualquer deles.

Para escrever a biografia paralela destes dois seres, Algalarrondo, não conseguindo entrevistar os mesmos, procurou obter informações através da família e amigos, o que não sendo fácil no caso de Eddy, se revelou praticamente impossível no caso de Macron, cuja vida privada está devidamente protegida por uma muralha intransponível.

Esta obra percorre, mais ou menos em paralelo cronológico, a vida de ambos, registando com pormenor os aspectos e os acontecimentos que o autor conseguiu averiguar, sendo, por vezes, recheada de fait-divers, que ora enriquecem o livro ora contribuem para alguma confusão, na abundância dos nomes e dos lugares. 

Façamos, pois, um breve resumo.

Eddy Bellegueule, nascendo em meio pobre, operário e machista, teve uma infância e adolescência difíceis, tanto mais que sendo homossexual teve de disfarçar a sua orientação, mal aceite no meio em que vivia, até ao momento em que escreveu o seu primeiro livro e em que alterou o nome, pois envergonhava-se de ser Eddy, um nome próprio que o pai lhe pusera e que ele considerava ser motivo de desconsideração por parte dos colegas. É dessa data (2014), o seu livro En finir avec Eddy Bellegueule, onde se apresenta como Édouard Louis e onde relata a sua história (tem então 22 anos) e faz o seu coming out. Já está então na École Normale Supérieure da Rue d'Ulm e dirige uma obra colectiva sobre Pierre Bourdieu, o eminentíssimo filósofo e sociólogo francês já falecido que se tornou a sua grande referência intelectual. É por esta altura que conhece Didier Eribon (n. 1953), filósofo e historiador, também ele originário de um meio pobre e também ele homossexual,  características que pretendeu inicialmente disfarçar, tendo frequentado um curso superior e conhecido depois o célebre pensador Michel Foucault, de quem se tornaria discípulo (e provavelmente amante) e de quem escreveria duas notáveis biografias. Desde então, Eddy torna-se íntimo de Eribon e do companheiro oficial deste, Geoffroy de Lagasnerie (n. 1981), passando a constituir-se um trio visível no tout Paris. Depois da edição do seu primeiro livro - já publicou mais obras -, e das sucessivas entrevistas que deu, Eddy tornou-se um fenómeno mediático - e social - embora a narrativa da sua vida tenha surgido com algumas alterações em relação à versão inicial, quer em jornais e revistas, quer nas averiguações conduzidas por Algalarrondo. Por outro lado, é desagradável que Eddy, que se considera um ser excepcional, se tenha afastado de todos os seus antigos amigos, julgados agora insuficientemente chics e letrados para conviverem com ele, atitude que realmente não abona muito em seu favor, e sugere a construção de uma personagem bastante artificial, mesmo que tenha mantido as suas convicções de esquerda, intellectualité oblige. Há, contudo, um pormenor, que importa fixar: durante os seus anos do secundário, Eddy teve várias namoradas que, segundo estas afirmam, nunca suspeitaram da sua homossexualidade, o mesmo acontecendo com alguns colegas de liceu, embora, na generalidade, devido às suas maneiras, o tratassem de pédé.

O percurso de Emmanuel Macron tem semelhanças e disparidades em relação a Eddy. Também ele deixa Amiens, mas por imposição da família. Educado especialmente pela avó, Manette, com pouco convívio com os pais, apaixona-se aos 15 anos (1993) pela professora de francês (e de teatro), Brigitte Auzière (n. 1953), mulher do banqueiro André-Louis Auzière (que morreu, discretamente como pretendia, em 24 de Dezembro de 2019). Brigitte (Trogneux de nascimento), tinha então três filhos: Sébastien (n. 1975), Laurence (n. 1977) e Tiphaine (n. 1984), sendo os dois rapazes já mais velhos do que Macron (Manu). Brigitte e André-Louis, cujas relações na intimidade tinham esfriado, tinham combinado divorciar-se quando os filhos terminassem o secundário, o que fizeram em 2006. Manu casaria com Brigitte em 2007, confirmando assim a paixão arrebatadora que revelara aos incrédulos pais, pela sua professora, com mais 24 anos de idade do que ele. Foi por causa dessa diferença de idades que a família Macron decidiu enviar Manu para Paris, para evitar o escândalo local, não sem antes ter contemplado a hipótese de apresentar queixa por desvio de menores, não o tendo feito devido à recordação da professora Gabrielle Ruissier que, tendo iniciado uma ligação com um aluno de 16 anos, foi condenada por esse motivo e suicidou-se (1969). Este caso foi  evocado comovidamente por Georges Pompidou, que, a propósito, citou um poema de Paul Éluard. A questão da menoridade sexual é um problema que a ignara sociedade contemporânea não sabe resolver, optando maioritariamente por soluções criminosas. Macron não conseguiu entrar na École Normale Supérieure mas diplomou-se por Nanterre e Sciences-Po. Inspector de Finanças, depois banqueiro nos Rothschilds, foi  ministro da Economia de François Hollande, criou o partido político "La République en Marche" e foi inusitadamente eleito presidente da República em 2017. 

Lendo Hervé Algalarrondo, verificam-se muitas semelhanças entre Macron e Bellegueule, embora o segundo 15 anos mais novo do que o primeiro e com origens sociais diferentes. Atente-se também que Eddy, que foi próximo do "Partido Socialista" viria a considerá-lo como traidor da classe, passando a situar-se na área mais radical da "France Insoumise", de Jean-Luc Mélenchon, (enquanto o pai votava Marine Le Pen) é um feroz adversário político de Emmanuel Macron. Todavia não se conhece da juventude de Macron alguma ligação homossexual (aliás, de Eddy também não) mas pelo contrário a sua paixão por Brigitte. É, porém, curioso que também não se conheça nenhuma namorada de Macron quando se conhecem várias de Eddy, ainda que apenas fosse para disfarçar. No entanto, desde que foi eleito Presidente tem havido na imprensa e na sociedade francesa muitos rumores sobre a orientação sexual de Manu, sendo indicado um conhecido editor como seu amante. Causou também grande perplexidade o episódio de violência policial protagonizado pelo chefe da sua segurança pessoal e seu "protegido", o franco-marroquino Alexandre Benalla (aliás Ben Allah) que foi demitido, tendo Macron então declarado perante os deputados do seu grupo parlamentar que Benalla não era seu amante (coisa que um presidente nunca deveria ter dito). Também provocaram grande emoção em França as fotografias de Macron abraçado a dois rapazes semi-nus, aquando da sua visita à Martinica.

Emmanuel Macron e Alexandre Benalla

Macron com jovens da Martinica

Este um resumo do livro de Hervé Algalarrondo (autor de interessante obra em que se inclui Les derniers jours de Roland B.), com alguns aditamentos de minha autoria.


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