terça-feira, 17 de janeiro de 2023

O CARDEAL NACIONAL

A propósito de uma referência que ontem fiz ao livro Le Cardinal d'Espagne (1960), de Henry de Montherlant, no caso Francisco Ximenez de Cisneros, que Carlos-Quinto considerava o Cardeal de Espanha, lembrei-me do livro O Cardial Nacional (1943), do Padre José de Castro.

Passo a transcrever alguns parágrafos da Introdução:

«Cardial Nacional se chama o livro; e com este título se indica o privilégio de Portugal a ter no Sacro Colégio mais um purpurado que o Patriarca de Lisboa, e também todos os portugueses que, mercê desse direito, fizeram parte do Senado mais alto do Mundo, a coroa das Eminências que cercam e servem o Sumo Pontífice. E partiu-se do Cardial Dom Veríssimo de Lencastre (1686) por ter sido a sua promoção a primeira feita a Portugal como potência católica de primeira ordem, ao lado da Espanha, da França e da Áustria, e por ser aquela que abriu caminho às outras a reboque das nomeações que os nossos caluniados Reis fizeram "pela justiça que lhes assistia, e pela graça de Sua Santidade".

Isto não quere dizer que antes os Pontífices não tivessem escolhido alguns portugueses para os agraciar com a dignidade cardinalícia. Escolheram-nos e até em condições de engalanar a nossa vaidade nacional, pois foram preferidos pela iniciativa pessoal dos Sumos Pontífices e num tempo em que o Sacro Colégio não contava mais de 20 cardiais. Era preciso que o valor dos escolhidos fosse imenso para que D. Pedro Julião, arcebispo de Frascati (antes arcebispo de Braga e depois Papa João XXI) e o arcebispo de Braga D. António Alurtz fossem criados cardiais por Gregório X (1271-1276).

Porque depois, com Celestino V (1294) no sólio pontifício até ao Papa João XXIII (1410-1415) alguns purpurados passaram a ser nomeados a pedido dos seus Príncipes, como Celestino V fez a Carlos II, rei de Nápoles e da Sicília, e como fez João XXIII ao rei de Portugal, D. João I, criando a seu pedido, em 1411, o arcebispo de Lisboa, D. João Afonso Esteves.

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Com Paulo IV (1555-1559) o número dos cardiais foi reduzido a 40. E, no pontificado de Júlio III, Carlos V renovou ao Pontífice instância igual à do Rei de França, Luís XI: não escolher Cardiais nos seus domínios sem consulta prévia. Depois que Xisto V (1585-1590) pela célebre Bula "Postquam", publicada no primeiro ano do seu governo, estabeleceu que o número dos Cardiais fosse de 70, a exemplo dos 70 velhos, dados por Deus a Moisés para melhor governo do seu povo, - 6 bispos suburbanos, 50 presbíteros e 14 diáconos - as Nações católicas passaram a pedir o chapéu cardinalício para súbditos seus, e deste pedido se passou à nomeação, tendo cada uma direito a ter no Sacro Colégio um Cardial, chamado Cardial da Coroa ou Cardeal Nacional. Este direito não impedia o Sumo Pontífice de promover por sua iniciativa pessoal súbditos das nações católicas, como sucedeu em 1697 ao arcebispo de Lisboa, Dom Luís de Sousa, ou determinar, por direito escrito ou consuetudinário, que este ou aquele prelado diocesano tivesse inerente à sua diocese a dignidade cardinalícia no primeiro consistório a realizar após a sua preconização episcopal, como respectivamente sucede com o Patriarca de Lisboa e com o arcebispo de Toledo e outros bispos da cristandade.

Quando Xisto V publicou a Bula a fixar em 70 o número dos Cardiais, nós, os portugueses, tínhamos perdido a independência; e, depois de recuperada, só entrámos em relações de boa amizade com a Santa Sé feita a paz com a Espanha e em condições de termos, como as outras nações, o nosso Cardial Nacional, primeiro pedido, como fez D. Pedro II, e mais tarde nomeado, como fizeram D. João V e os Reis seus sucessores.»

ALGUMAS NOTAS MINHAS.

1) Frascati é um bispado e não arcebispado;

2) O Papa João XXIII, a que é feita referência, ainda era considerado papa na altura em que foi escrito o livro. Posteriormente, passou a ser considerado antipapa (não sei porquê dado que outros em idênticas circunstâncias o não foram) razão pela qual o cardeal Angelo Roncalli, quando foi eleito papa em 1958, assumiu o nome de João XXIII. O antipapa João XXIII está sepultado no Baptistério de Florença e tive ocasião de fazer uma fotografia do seu túmulo;

3) Mário Soares, apesar de agnóstico, depois da sua eleição como presidente da República tentou recuperar a figura do Cardeal Nacional. Recordo-me da discussão havida na altura, mas a pretensão não teve consequências, nem sei mesmo se chegou a ser efectuada alguma diligência formal;

4) O Papa Francisco quebrou a tradição (ignoro se existe disposição escrita) de nomear cardeal o Patriarca de Lisboa no primeiro consistório a seguir à respectiva nomeação. O Patriarca D. Manuel Clemente só foi elevado a Cardeal no segundo consistório convocado pelo Papa Francisco.

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No presente livro, de cerca de 500 páginas, são apresentadas as biografias de treze cardeais nacionais, de Dom Veríssimo de Lencastre (1615-1692) a Dom Américo Ferreira dos Santos Silva (1830-1899).


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