sábado, 21 de janeiro de 2023

A AURORA DE AMARNA

Leio agora Amarna Sunrise - Egypt from Golden Age to Age of Heresy (2014, 2016), de Aidan Dodson (n. 1962), egiptólogo britânico de renome e professor da American University in Cairo.

Começa o autor por abordar a aurora da Idade de Ouro do Império Novo, iniciada com Ahmés I (ou Ahmosis), fundador da XVIII Dinastia, que desencadeou acções militares que expandiriam o país até às margens do Eufrates e à Núbia e que seriam consolidadas por Tutmés I. O esplendor deste período, mantido pelos seus sucessores, conduziria à "revolução" de Akhenaton e ao episódio de Amarna, que representou algo de completamente novo no Egipto. O reinado de Tutmés III e de sua "madrasta" Hatchepsut é um ponto culminante, durante o qual foi construída grande parte do templo de Amon, em Karnak. 

Apresso-me a dizer que neste livro o autor considera Smenkhkare como irmão de Akhenaton, quando em outra obra sua, anterior, escrita de parceria com Dyan Hilton (The Complete Royal Families of Ancient Egypt - 2004), o considerara como filho e, por isso, como irmão de Tut-Ankh-Amun. A questão das genealogias reais da XVIII Dinastia, apesar dos sucessivos exames de ADN das múmias, permanece um enigma de difícil solução. Assim não é (ainda) possível estabelecer o parentesco exacto dos membros da Família Real desta Dinastia, nomeadamente no tempo de Amenhotep III, Akhenaton e Tut-Ankh-Amun. 

Trata-se de uma obra de elevado nível científico, em que a matéria é desenvolvida com grande pormenor, Acessível a todos os apaixonados pelo Antigo Egipto, é certo que ela aproveitará mais a quem possua uma razoável cultura egiptológica e, especialmente, a quem saiba interpretar a escrita hieroglífica, já que o autor recorre por vezes a textos da época. Inclusive, são feitas em letras latinas algumas transcrições de textos hieroglíficos, o que exige um suficiente conhecimento dessa escrita.

O livro é profusamente ilustrado mas a preto e branco, e as imagens são muitas vezes pouco nítidas. São incluídos numerosos mapas e muitas plantas de templos e túmulos, e mesmo de cidades. E é apresentada a alteração dos planos dos túmulos dos faraós da XVIII Dinastia.

Depois de um resumo dos feitos militares e dos acontecimentos políticos dos reinados dos primeiros faraós desta Dinastia, Dodson aborda a questão da introdução do culto do disco solar, Aton. «However, the question remains wheter the Aten is here yet a 'god' (in the sense and form in which it is later worshiped in Karnak and Amarna), or merely the divine personification of the globe of the sun - a subtly different thing, as already noted (cf. pp 34-35). The ambiguity remains in the vast majority of mentions of the Aten during the reign of Amenhotep III, which can all be referred to the divine physical globe of the sun just as well as some 'god'. A key issue remains wheter a number of individuals holding sacerdotal or administrative titles citing an estate of the Aten shoul be dated to the reign of Amenhotep III or to that of Amenhotep IV. On the other hand, references to the Aten greatly multiply during the reign and, however it is to be defined, the Aten becomes a very significant divine entity as the reign progresses.» (p. 51)

Assim, é provável que o culto de Aton tivesse já começado, ainda que de forma subliminar, no reinado de Amenhotep III, embora só viesse a assumir a sua plenitude nos primeiros anos de Amenhotep IV (Akhenaton). Durante o reinado de Akhenaton, o culto dos antigos deuses não foi completamente interditado em todo o país [Ptah continuou a ser adorado em Mênfis] mas houve sérias tentativas de dissuasão. Todavia, em Akhetaton (Amarna) não há vestígios de outro culto além do de Aton. Especialmente proscrito foi o deus Amon, mesmo no seu grande templo de Tebas. 

O autor transcreve, das paredes do túmulo de Ay, o Hino a Aton, que não reproduzo por ser muito extenso. Nesta celebração de Aton, como criador universal e suporte da vida, é interessante notar que, na secção final, Akhenaton é considerado como o único interlocutor de deus e o único com conhecimento dos planos divinos.

No livro, Aidan Dodson menciona as datas (o que é muito correcto) com referência aos anos de reinado, como faziam os antigos egípcios. Todavia, para o leitor de hoje é mais confortável a menção segundo a nossa cronologia, o que hoje é possível, ainda que algumas datas possam não ser tidas como definitivas.

Também é objecto de análise o tipo de relações exteriores do Egipto nesta época, através da correspondência trocada com outros soberanos. Amenhotep III manteve especiais contactos com Micenas, com a Assíria, com Mittani, com Babilónia e om os estados vassalos da Síria e Palestina. Uma das suas últimas esposas foi Tadukhipa, filha do rei Tushratta, de Mittani, que poderá ter sido conhecida como Kiya, uma das esposas de Akhenaton.

O autor preocupa-se igualmente com os baixos-relevos dos templos e dos túmulos, através dos quais consegue estabelecer as decorações da época e as ligações familiares de muitas personagens históricas.

Uma questão permanece em aberto. Quais as razões que levaram Amenhotep IV a mudar o seu nome para Akhenaton (o que é útil pra Aton) e a fundar em Amarna uma nova capital, Akhetaton (horizonte de Aton). E porque estabeleceu a quase exclusividade do culto do disco solar (Aton)? E quando?

Segundo Dodson, Akhenaton terá reinado de 1337 a 1321  A.C., tendo associado seu irmão (?) Smenkhkare como co-regente de 1325 a 1323 A.C., havendo também uma co-regência de Neferneferuaten (Nefertiti ?) de 1322 a 1319 A.C. A construção de Akhetaton terá tido início nos primeiros anos do reinado de Akhenaton, na margem oriental do Nilo e as escavações mais recentes demonstram que foi uma importante cidade, habitada não só pela corte, que se transferira de Tebas, mas por numerosa população, albergando numerosos palácios, templos, entrepostos comerciais e uma vasta necrópole. 

O Ano 12 do reinado de Akhenaton foi o culminar do triunfo da nova ordem, com as grandes celebrações do Durbar, a grande recepção real. Mas estas festividades trouxeram desgraça ao Egipto, incluindo uma peste que matou vários membros da família real. Cinco anos mais tarde, o faraó e parte da sua família estavam mortos. Por morte de Akhenaton sucedeu-lhe seu jovem filho Tut-Ankh-Aton, ainda em Amarna. Mas ao fim de três (ou quatro) anos, e já com o nome mudado para Tut-Ankh-Amon, o novo faraó regressou a Tebas com a corte e restabeleceu o antigo culto de Amon. Ainda permaneceu muita gente em Amarna, incluindo Nefertiti, mas a população foi abandonando progressivamente a cidade, que acabou por ficar deserta. Só nas décadas mais recentes foi possível avaliar da importância de Amarna e mesmo da receptividade que o culto de Aton teve em grande parte da população egípcia.

A reconstituição histórica dos acontecimentos tem sido difícil dado o hábito, especialmente nesta XVIII Dinastia, de apagar as inscrições hieroglíficas e substitui-las por outras mais conformes com o momento. Assim, muitos monumentos têm o nome do construtor trocado pelo faraó seu sucessor. Por exemplo, as referências a Hatchepsut, filha de Tutmés I, casada com seu meu irmão Tutmés II, e sogra e madrasta de Tutmés III, a grande mulher-faraó que governou o Egipto durante 15 anos foram apagadas na generalidade dos monumentos.

As inscrições visíveis dos nomes de Akhenaton, Smenkhkare e Tut-Ankh-Amun foram apagadas pelos seus sucessores mas permaneceram as indispensáveis para se poder reconstituir, ainda que parcialmente, a sua história.

Não dispomos ainda de informação definitiva sobre as razões que levaram Amenhotep IV a adoptar o nome de Akhenaton e a construir uma nova capital em Amarna. Como se referiu, o culto do disco solar começara já no reinado do seu antecessor. Também é verdade que Akhenaton detestava os sacerdotes de Amon, que constituíam uma casta especial, detinham grandes poderes e especialmente grandes riquezas. A eliminação, pelo menos parcial do culto de Amon era para o faraó um desígnio não só religioso mas político.

Com o ocaso do novo culto, também a mulher (e irmã) de Tut-Ankh-Amun, Ankhesenpaaton, passou a chamar-se Ankhesenamun.

Encontraram-se no Wadi Real de Amarna dois túmulos inacabados (TA 29 e 27), que seriam destinados a Tut-Ankh-Amun e à mulher, se o poder continuasse a ser exercido na cidade.

O período de Amarna caracterizou-se também por uma nova forma de Arte, como é evidenciado pelas esculturas da época, e até por uma nova forma de vida.

Continuaremos com o crepúsculo de Amarna, em próximo post.

NOTA: Usámos indistintamente os nomes de Amon ou Amun, que também se escreve Amen. Tal como Aton, Atun ou Aten. Cada autor utiliza a grafia que considera mais correcta, não havendo vogais na escrita hieroglífica.


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