segunda-feira, 4 de julho de 2016

A FRANCO-MAÇONARIA NO MUNDO ÁRABE





O último número da revista "Qantara" (Nº 99, Abril), inclui um dossier consagrado à Maçonaria no Mundo Árabe.

A Franco-Maçonaria foi introduzida muito cedo em terras do Islão. Reservada inicialmente apenas aos Ocidentais, abriu-se depois aos judeus e aos cristãos do Oriente e, a partir de meados do século XIX, aos muçulmanos.


Nas lojas do Médio Oriente reúnem-se os partidários da modernidade e do constitucionalismo, alguns dos quais desempenharão importante papel na agitação política da viragem do século XIX para o século XX. Essas lojas suscitam por vezes, curiosamente, uma aproximação entre os ritos maçónicos e os ritos sufis. Mas a maçonaria é atacada de muitos lados, acusada de exaltar a heresia e o ateísmo, senão mesmo, para alguns detratores, de servir interesses sionistas, o que os leva a invocar a existência de uma "conspiração judaico-maçónica". Depois das respectivas independências, a maçonaria será interdita na maioria dos países muçulmanos.

A Grande Loja de Inglaterra começa por fundar uma loja em Fort-William, nas Índias, em 1728. Uma segunda é constituída em Saint-Jean d'Acre (hoje Akko, em Israel), no Império Otomano. Seguem-se lojas em Esmirna, Constantinopla, nas Índias e até em Batavia (hoje Djakarta) na Sumatra, em 1764.

As principais obediências maçónicas activas em terras do Islão, no século XVIII, são as Grandes Lojas de Inglaterra e da Escócia, o Grande Oriente de Génève e a Loja-Mãe escocesa de Marselha.

Em nome do combate contra a ignorância, os franco-maçons fundam também escolas gratuitas, normalmente laicas, em Istanbul, Tunis, Alexandria e Tânger. Algumas cabeças coroadas entram discretamente na Ordem, como o sultão Murat V, da Turquia (1872), o khediva Muhammad Tawfiq, do Egipto (entre 1870 e 1880), o rei Habibullah, do Afeganistão (1907), o sultão Ibrahim, de Johore, na Malásia (1820) ou o rei Mulay Hafid, de Marrocos (1920).

Mas a Franco-Maçonaria, apesar da sua abertura aos muçulmanos, não deixa de ser um dos pilares do imperialismo britânico, tal como serve, na África do Norte, a "missão civilizadora" da França.

A primeira grande loja autónoma num país muçulmano aparece no Egipto, em 1864 e a seguir no Império Otomano, em 1909. Em meados do século XX,  a maior parte dos países muçulmanos possui as suas obediências autónomas, à excepção da Arábia Saudita, da Argélia, do Afeganistão e do Paquistão.

Em 1877, estala a unidade maçónica, com a secularização das obediências francesa (Grande Oriente de França), italiana e espanhola, que deixam de impor, contrariamente às regras antigas da Ordem, a crença em Deus (G:.A:.D:.U:., o Grande Arquitecto do Universo) aos futuros candidatos. Estas obediências rejeitam também o princípio da neutralidade política (uma regra tradicional da maçonaria britânica herdada dos clubes ingleses). Em consequência, a Franco-Maçonaria britânica, que continua a respeitar os antigos usos, põe termo às suas relações com as obediências secularizadas (que qualifica de irregulares), situação que se mantém até hoje.

Selo do Grande Oriente da Síria

Os muçulmanos, como os os cristãos e os judeus do Oriente ficam divididos face a esta ruptura. Muitos entendem manter a crença em Deus, mas têm dificuldade em se desinteressar das questões políticas. Um maçon cristão libanês, Jurjî Zaydan, descreve, no final do século XIX, a maçonaria como "um modelo de sociedade não confessional, mas estruturada em torno de crenças comuns a todos os indivíduos de tradição monoteísta: o grande arquitecto do universo, a imortalidade, o respeito da moral".

O franco-maçon Shukri al-Quwatli, primeiro presidente da República da Síria, no Parlamento de Damasco, após a sua eleição

A tolerância maçónica permitiu a recepção de judeus, desde o século XVIII, em Inglaterra e nos Países Baixos, numa organização originalmente de essência cristã, reaproximou católicos e protestantes, e favoreceu uma abertura mais alargada com o acolhimento de muçulmanos. A prestação do juramento, que se fazia tradicionalmente sobre a Bíblia, passou a fazer-se sobre o Corão, quando se tratava de novos membros muçulmanos. As lojas passaram a acolher também os ortodoxos, misturados aos católicos a aos protestantes. E nas lojas muçulmanas passaram a conviver sunitas e xiitas, ismaelitas, drusos e até zoroastrianos.

Tawfiq Pasha, khediva do Egipto, grão-mestre da Grande Loja Nacional do Egipto

Deve dizer-se, contudo, que a tolerância absoluta, que substituiu em 1877 a tolerância interconfessional, não exerceu grande atracção sobre os muçulmanos e os cristãos do Oriente, que preferiam partilhar o mesmo deus mais do que favorecer o ateísmo.

O Emir argelino Abdelkader

Em 19 de Agosto de 1864, tem lugar a iniciação de Abdelkader na loja francesa Les Pyramides d'Égypte, em Alexandria, a pedido da loja parisiense Henry IV, do Grande Oriente de França. Embora Abdelkader frequentasse pouco as lojas depois da sua iniciação, a sua entrada constituiu um acontecimento extraordinário, tendo em conta a personalidade emblemática do emir argelino, considerado o muçulmano esclarecido e o sufi franco-maçon.

Proclamação da iniciação do Emir Abdelkader

Desde muito cedo que os muçulmanos entenderam que a maçonaria seria parente próxima das suas próprias confrarias sufis, à medida que foram descobrindo as semelhanças entre os rituais de recepção, a estrutura hierárquica e o carácter secreto das duas organizações. Daí que a palavra árabe tariqa (via, caminho, confraria sufi) designe a ordem maçónica do Egipto à Indonésia. Nos anos 1860 os rituais maçónicos são traduzidos em árabe, turco otomano, persa e urdu.

Em 1738, o Papa Clemente XII, pela bula In eminenti apostolatus specula, proibiu os católicos de se tornarem membros de lojas maçónicas. Posteriormente, surgiram outras condenações, entre as quais a de Pio IX (Multiplices inter, 1865) e as de Leão XIII (Humanum genus, 1884 e Annum ingressi, 1902), um dos mais ferrenhos opositores da Ordem. As interdições pontifícias conduziram ao desenvolvimento de um anti-maçonismo em terras do Islão. Os padres católicos e ortodoxos não cessaram de recordar as disposições do Vaticano e os maçons foram acusados, em muitas regiões, de praticar a magia e de invocar o diabo.

O facto de o templo de Salomão ocupar um lugar central na mitologia maçónica levou os muçulmanos a pensar que os judeus estavam na origem da criação da Ordem. E a literatura anti-maçónica é lida em muitos países muçulmanos. Léo Taxil, que associa a maçonaria ao satanismo, é traduzido em Istanbul em 1911. E os Protocolos dos Sábios de Sião (1903) são vertidos, a partir de 1921, em árabe, turco, urdu, indonésio. No começo do século XX são emitidas diversas fatwas no Egipto e depois na Jordânia. Os jesuítas, principalmente no Líbano, fazem uma guerra implacável aos maçons desde o século XIX até ao princípio do século XX.

Selo da Loja Nouvelle Carthage, da Tunísia

Em resumo, poderíamos dizer que a crítica, que dura até hoje, contra a Franco-Maçonaria é fundamentada na teoria da conspiração que pretende que a maçonaria se tornou o instrumento da vingança dos judeus contra os Estados e as religiões que os perseguiram. A ordem maçónica é acusada de servir a causa do sionismo, com a instalação das primeiras comunidades judaicas na Palestina, a Declaração Balfour (1917), e sobretudo com a criação do Estado de Israel em 1948.

Outras críticas ligam a maçonaria às ideologias filosóficas e políticas rejeitadas pela maioria dos muçulmanos conservadores: o comunismo, o socialismo e até o capitalismo. Os partidos políticos nacionalistas fustigam o cosmopolitismo e o seu internacionalismo, que a seus olhos põe em perigo o patriotismo.

O franco-maçon Jurjî Zaydân, célebre escritor e editor libanês

Também é grave para os muçulmanos o facto de a maçonaria favorecer uma leitura esotérica do Corão ou de pretender encontrar o sentido oculto dos seus versículos. Isto conduziria a maçonaria a uma heresia abominável, o batinismo (de bâtin, secreto, oculto), com ligações com o ismaelismo. Este desvio religioso é o bastante para desencadear as fúrias dos teólogos do Islão sunita e xiita, dos salafistas e dos wahhabitas.

A emergência de novos Estados sobre as ruínas do Império Otomano após 1919, e em meados do século XX, a seguir à descolonização no Médio Oriente, no Egipto e no Maghreb, leva à interdição da Franco-Maçonaria e, por vezes, à perseguição dos seus membros. A Ordem é interdita no Iraque (1958), no Egipto (1964), na Síria (1965), na Argélia e na Tunísia, depois das independências. Mas também na Indonésia (1961) , no Paquistão (1972) e no Irão (1989).

Mantém-se, contudo, ainda que com dificuldades, em Marrocos e no Líbano. Continua a ser tolerada na Turquia, apesar de algumas tentativas parlamentares para promover a sua interdição. Existe, igualmente, em algumas províncias da Malásia. Depois da queda do comunismo, foi introduzida na Albânia, na Bósnia, no Kosovo, na Macedónia, na Bulgária.

O franco-maçon Mustafa Kemal Atatürk, primeiro presidente da República da Turquia

Podemos concluir que, em relação à primeira década do século XX, a Franco-Maçonaria declinou nitidamente no conjunto do mundo muçulmano.   A própria evolução da actual situação política na Turquia, com a progressiva islamização de uma sociedade que, desde Atatürk (ele mesmo um maçon) se pretendia laica, não augura perspectivas tranquilizadoras.

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Este post é largamente devedor do texto introdutório de Thierry Zarcone no dossier em referência. Que inclui capítulos especializados sobre a Maçonaria no Líbano, na Síria, no Egipto e no Maghreb. Não sendo possível analisar cada país de per si, recomenda-se aos interessados a consulta da revista "Qantara".


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