O último número da revista "Qantara" (Nº 99, Abril), inclui um dossier consagrado à Maçonaria no Mundo Árabe.
A Franco-Maçonaria foi introduzida muito cedo em terras do Islão. Reservada inicialmente apenas aos Ocidentais, abriu-se depois aos judeus e aos cristãos do Oriente e, a partir de meados do século XIX, aos muçulmanos.
Nas lojas do Médio Oriente reúnem-se os partidários da modernidade e do constitucionalismo, alguns dos quais desempenharão importante papel na agitação política da viragem do século XIX para o século XX. Essas lojas suscitam por vezes, curiosamente, uma aproximação entre os ritos maçónicos e os ritos sufis. Mas a maçonaria é atacada de muitos lados, acusada de exaltar a heresia e o ateísmo, senão mesmo, para alguns detratores, de servir interesses sionistas, o que os leva a invocar a existência de uma "conspiração judaico-maçónica". Depois das respectivas independências, a maçonaria será interdita na maioria dos países muçulmanos.
A Grande Loja de Inglaterra começa por fundar uma loja em Fort-William, nas Índias, em 1728. Uma segunda é constituída em Saint-Jean d'Acre (hoje Akko, em Israel), no Império Otomano. Seguem-se lojas em Esmirna, Constantinopla, nas Índias e até em Batavia (hoje Djakarta) na Sumatra, em 1764.
As principais obediências maçónicas activas em terras do Islão, no século XVIII, são as Grandes Lojas de Inglaterra e da Escócia, o Grande Oriente de Génève e a Loja-Mãe escocesa de Marselha.
Em nome do combate contra a ignorância, os franco-maçons fundam também escolas gratuitas, normalmente laicas, em Istanbul, Tunis, Alexandria e Tânger. Algumas cabeças coroadas entram discretamente na Ordem, como o sultão Murat V, da Turquia (1872), o khediva Muhammad Tawfiq, do Egipto (entre 1870 e 1880), o rei Habibullah, do Afeganistão (1907), o sultão Ibrahim, de Johore, na Malásia (1820) ou o rei Mulay Hafid, de Marrocos (1920).
Mas a Franco-Maçonaria, apesar da sua abertura aos muçulmanos, não deixa de ser um dos pilares do imperialismo britânico, tal como serve, na África do Norte, a "missão civilizadora" da França.
A primeira grande loja autónoma num país muçulmano aparece no Egipto, em 1864 e a seguir no Império Otomano, em 1909. Em meados do século XX, a maior parte dos países muçulmanos possui as suas obediências autónomas, à excepção da Arábia Saudita, da Argélia, do Afeganistão e do Paquistão.
Em 1877, estala a unidade maçónica, com a secularização das obediências francesa (Grande Oriente de França), italiana e espanhola, que deixam de impor, contrariamente às regras antigas da Ordem, a crença em Deus (G:.A:.D:.U:., o Grande Arquitecto do Universo) aos futuros candidatos. Estas obediências rejeitam também o princípio da neutralidade política (uma regra tradicional da maçonaria britânica herdada dos clubes ingleses). Em consequência, a Franco-Maçonaria britânica, que continua a respeitar os antigos usos, põe termo às suas relações com as obediências secularizadas (que qualifica de irregulares), situação que se mantém até hoje.
Selo do Grande Oriente da Síria |
Os muçulmanos, como os os cristãos e os judeus do Oriente ficam divididos face a esta ruptura. Muitos entendem manter a crença em Deus, mas têm dificuldade em se desinteressar das questões políticas. Um maçon cristão libanês, Jurjî Zaydan, descreve, no final do século XIX, a maçonaria como "um modelo de sociedade não confessional, mas estruturada em torno de crenças comuns a todos os indivíduos de tradição monoteísta: o grande arquitecto do universo, a imortalidade, o respeito da moral".
O franco-maçon Shukri al-Quwatli, primeiro presidente da República da Síria, no Parlamento de Damasco, após a sua eleição |
A tolerância maçónica permitiu a recepção de judeus, desde o século XVIII, em Inglaterra e nos Países Baixos, numa organização originalmente de essência cristã, reaproximou católicos e protestantes, e favoreceu uma abertura mais alargada com o acolhimento de muçulmanos. A prestação do juramento, que se fazia tradicionalmente sobre a Bíblia, passou a fazer-se sobre o Corão, quando se tratava de novos membros muçulmanos. As lojas passaram a acolher também os ortodoxos, misturados aos católicos a aos protestantes. E nas lojas muçulmanas passaram a conviver sunitas e xiitas, ismaelitas, drusos e até zoroastrianos.
Tawfiq Pasha, khediva do Egipto, grão-mestre da Grande Loja Nacional do Egipto |
Deve dizer-se, contudo, que a tolerância absoluta, que substituiu em 1877 a tolerância interconfessional, não exerceu grande atracção sobre os muçulmanos e os cristãos do Oriente, que preferiam partilhar o mesmo deus mais do que favorecer o ateísmo.
O Emir argelino Abdelkader |
Em 19 de Agosto de 1864, tem lugar a iniciação de Abdelkader na loja francesa Les Pyramides d'Égypte, em Alexandria, a pedido da loja parisiense Henry IV, do Grande Oriente de França. Embora Abdelkader frequentasse pouco as lojas depois da sua iniciação, a sua entrada constituiu um acontecimento extraordinário, tendo em conta a personalidade emblemática do emir argelino, considerado o muçulmano esclarecido e o sufi franco-maçon.
Proclamação da iniciação do Emir Abdelkader |
Desde muito cedo que os muçulmanos entenderam que a maçonaria seria parente próxima das suas próprias confrarias sufis, à medida que foram descobrindo as semelhanças entre os rituais de recepção, a estrutura hierárquica e o carácter secreto das duas organizações. Daí que a palavra árabe tariqa (via, caminho, confraria sufi) designe a ordem maçónica do Egipto à Indonésia. Nos anos 1860 os rituais maçónicos são traduzidos em árabe, turco otomano, persa e urdu.
Em 1738, o Papa Clemente XII, pela bula In eminenti apostolatus specula, proibiu os católicos de se tornarem membros de lojas maçónicas. Posteriormente, surgiram outras condenações, entre as quais a de Pio IX (Multiplices inter, 1865) e as de Leão XIII (Humanum genus, 1884 e Annum ingressi, 1902), um dos mais ferrenhos opositores da Ordem. As interdições pontifícias conduziram ao desenvolvimento de um anti-maçonismo em terras do Islão. Os padres católicos e ortodoxos não cessaram de recordar as disposições do Vaticano e os maçons foram acusados, em muitas regiões, de praticar a magia e de invocar o diabo.
O facto de o templo de Salomão ocupar um lugar central na mitologia maçónica levou os muçulmanos a pensar que os judeus estavam na origem da criação da Ordem. E a literatura anti-maçónica é lida em muitos países muçulmanos. Léo Taxil, que associa a maçonaria ao satanismo, é traduzido em Istanbul em 1911. E os Protocolos dos Sábios de Sião (1903) são vertidos, a partir de 1921, em árabe, turco, urdu, indonésio. No começo do século XX são emitidas diversas fatwas no Egipto e depois na Jordânia. Os jesuítas, principalmente no Líbano, fazem uma guerra implacável aos maçons desde o século XIX até ao princípio do século XX.
Selo da Loja Nouvelle Carthage, da Tunísia |
Em resumo, poderíamos dizer que a crítica, que dura até hoje, contra a Franco-Maçonaria é fundamentada na teoria da conspiração que pretende que a maçonaria se tornou o instrumento da vingança dos judeus contra os Estados e as religiões que os perseguiram. A ordem maçónica é acusada de servir a causa do sionismo, com a instalação das primeiras comunidades judaicas na Palestina, a Declaração Balfour (1917), e sobretudo com a criação do Estado de Israel em 1948.
Outras críticas ligam a maçonaria às ideologias filosóficas e políticas rejeitadas pela maioria dos muçulmanos conservadores: o comunismo, o socialismo e até o capitalismo. Os partidos políticos nacionalistas fustigam o cosmopolitismo e o seu internacionalismo, que a seus olhos põe em perigo o patriotismo.
O franco-maçon Jurjî Zaydân, célebre escritor e editor libanês |
Também é grave para os muçulmanos o facto de a maçonaria favorecer uma leitura esotérica do Corão ou de pretender encontrar o sentido oculto dos seus versículos. Isto conduziria a maçonaria a uma heresia abominável, o batinismo (de bâtin, secreto, oculto), com ligações com o ismaelismo. Este desvio religioso é o bastante para desencadear as fúrias dos teólogos do Islão sunita e xiita, dos salafistas e dos wahhabitas.
A emergência de novos Estados sobre as ruínas do Império Otomano após 1919, e em meados do século XX, a seguir à descolonização no Médio Oriente, no Egipto e no Maghreb, leva à interdição da Franco-Maçonaria e, por vezes, à perseguição dos seus membros. A Ordem é interdita no Iraque (1958), no Egipto (1964), na Síria (1965), na Argélia e na Tunísia, depois das independências. Mas também na Indonésia (1961) , no Paquistão (1972) e no Irão (1989).
Mantém-se, contudo, ainda que com dificuldades, em Marrocos e no Líbano. Continua a ser tolerada na Turquia, apesar de algumas tentativas parlamentares para promover a sua interdição. Existe, igualmente, em algumas províncias da Malásia. Depois da queda do comunismo, foi introduzida na Albânia, na Bósnia, no Kosovo, na Macedónia, na Bulgária.
O franco-maçon Mustafa Kemal Atatürk, primeiro presidente da República da Turquia |
Podemos concluir que, em relação à primeira década do século XX, a Franco-Maçonaria declinou nitidamente no conjunto do mundo muçulmano. A própria evolução da actual situação política na Turquia, com a progressiva islamização de uma sociedade que, desde Atatürk (ele mesmo um maçon) se pretendia laica, não augura perspectivas tranquilizadoras.
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Este post é largamente devedor do texto introdutório de Thierry Zarcone no dossier em referência. Que inclui capítulos especializados sobre a Maçonaria no Líbano, na Síria, no Egipto e no Maghreb. Não sendo possível analisar cada país de per si, recomenda-se aos interessados a consulta da revista "Qantara".
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