O presidente do Conselho Económico e Social, José da Silva Peneda, enviou ao ministro das Finanças alemão, Wolfgang Schäuble, no passado dia 28, a carta que, pela sua importância, se transcreve:
O Senhor Ministro afirmou que há países da União Europeia que têm inveja da Alemanha. A primeira observação que quero fazer, Senhor Ministro, é que as relações entre Estados não se regem por sentimentos da natureza que referiu. As relações entre Estados pautam-se por interesses.
Queria dizer-lhe também, Senhor
Ministro, que comparar a atitude de alguns Estados a miúdos que na
escola têm inveja dos melhores alunos é, no mínimo, ofensivo para
milhões de europeus que têm feito sacrifícios brutais nos últimos anos,
com redução muito significativa do seu poder de compra, que sofrem com
uma recessão económica que já conduziu ao encerramento de muitas
empresas, a volumes de desemprego inaceitáveis e a uma perda de
esperança no futuro.
E acrescentou o Senhor Ministro: “Os
outros países sabem muito bem que assumimos as nossas
responsabilidades…”. Fiquei a saber que a nova forma de qualificar o
conceito de poder é chamar-lhe responsabilidade!
E disse mais o Senhor Ministro: “Cada um
tem de pôr o seu orçamento em ordem, cada um tem de ser economicamente
competitivo”. A este respeito gostaria de o informar que já tínhamos
percebido, estamos a fazê-lo com muito sacrifício, sem tergiversar e
segundo as regras que foram impostas.
Quando o ministro das Finanças do mais
poderoso Estado da União Europeia faz afirmações deste jaez, passa a ser
um dos responsáveis para que o projeto europeu esteja cada vez mais
perto do fim.
Passo a explicar. O grande objetivo do
projeto europeu foi garantir a paz na Europa e como escreveu um antigo e
muito prestigiado deputado europeu, Francisco Lucas Pires, “… essa paz
não foi conquistada pelas armas mas sim através de uma atitude de
vontade e inteligência e não como um produto de uma simples necessidade
ou automatismo…”. A paz e a prosperidade na Europa só foram possíveis
porque no desenvolvimento do projeto político de integração europeia
teve-se em conta a grande diversidade de interesses, as diferentes
culturas e tradições e os diferentes olhares sobre o mundo. Procurou-se
sempre conjugar todas essas variedades, tons e diferenças dos
Estados-membros numa matriz de valores comuns.
Esta declaração de Vossa Excelência põe
tudo isto em causa, ao apontar o sentimento da inveja como o
determinante nas relações entre Estados-membros da União Europeia. Quero
dizer-lhe, Senhor Ministro, que o sentimento da inveja anda normalmente
associado a uma cultura de confrontação e não tem nada a ver com uma
outra cultura, a de cooperação.
Com esta declaração, Vossa Excelência
quer de forma subtil remeter para outros Estados a responsabilidade pela
confrontação que se anuncia. Essa atitude é revoltante, inaceitável e
deve ser denunciada.
A declaração de Vossa Excelência, para
além de revelar uma grande ironia, própria dos que se sentem superiores
aos outros, não é de todo compatível com a cultura de compromisso que
tem sido a matriz essencial da construção do sonho europeu dos últimos
60 anos.
Vossa Excelência, ao expressar-se da
forma como o fez, identificando a inveja de outros Estados-membros
perante o “sucesso” da Alemanha, está de forma objetiva a contribuir
para desvalorizar e até aniquilar todos os progressos feitos na Europa
com vista à consolidação da paz e da prosperidade, em liberdade e em
solidariedade. Com esta declaração, Vossa Excelência mostra que o
espírito europeu para si já não existe.
Eu sei que a unificação alemã veio
alterar de forma muito profunda as relações de poder na União Europeia.
Mas o que não deveria acontecer é que esse poder acrescido viesse pôr em
causa o método comunitário assente na permanente busca de compromissos
entre variados e diferentes interesses e que foi adotado com sucesso
durante décadas. O caminho que ultimamente vem sendo seguido é o oposto,
é errado e terá consequências dramáticas para toda a Europa. Basta ler a
história não muito longínqua para o perceber.
Não será boa ideia que as alterações
políticas e institucionais necessárias à Europa venham a ser feitas
baseadas, quase exclusivamente, nos interesses da Alemanha. Isso seria a
negação do espírito europeu. Da mesma forma, também não será do
interesse europeu o desenvolvimento de sentimentos anti-Alemanha.
Tenho a perceção de que a distância
entre estas duas visões está a aumentar de forma que parece ser cada vez
mais rápida e, por isso, são necessários urgentes esforços, visíveis
aos olhos da opinião pública, de que a União Europeia só poderá
sobreviver se as modificações inadiáveis, especialmente na zona euro,
possam garantir que nos próximos anos haverá convergência entre as
economias dos diferentes Estados-membros.
As declarações de Vossa Excelência vão
no sentido de cavar ainda mais aquele fosso e, por isso, como referiu
recentemente Jean-Claude Juncker a uma revista do seu país, os fantasmas
da guerra que pensávamos estar definitivamente enterrados, pelos vistos
só estão adormecidos. Com esta declaração, Vossa Excelência parece
querer despertá-los.
José da Silva Peneda
Presidente do Conselho Económico e Social
Tem sido por demasiado evidente que o ministro alemão, por insondáveis (ou não tanto) desígnios pessoais e políticos, deseja uma confrontação com o resto da Europa, ou pelo menos com parte dela. As suas afirmações só contribuem para o aumentar dos sentimentos anti-germânicos que já grassam um pouco por todo o Velho Continente. A Alemanha já perdeu duas guerras mundiais. Não ganhará a terceira.
3 comentários:
Creio que em vida (que desejo longa) do autor do blogue,não ocorrerá qualquer guerra mundial. E se houvesse,não seria certamente por iniciativa alemã. O mundo mudou,por muito que custe aos eurocêntricos,e nem a Alemanha, nem a própria Europa, contam o que contavam antes de serem reduzidas à insignificância pelas aventuras dum Imperador transviado e dum cabo austríaco mal amanhado.Já para os Orientes o caso muda de figura e as ambições territoriais e militares das novas grandes potências podem dar mau resultado. Acompanhemos com interesse o que já pouco podemos influenciar.
Estou de acordo com o dr.Silva Peneda na carta enviada ao ministro alemão das finanças, que me faz lembrar a personagem do cientista louco do filme de Stanley Kubric. " Dr. Estranho-Amor). A Alemanha tentou liderar a Europa através de 2 guerras mundiais e não consegui, nem em tempos de paz pelos visto consegue tal desígnio. Não consegue pela sua arrogância, pelos seus complexos superioridade em relação aos restantes povos da Europa. Se a zona Euro desagregar e por consequência o fim da UE, que me parece inevitável. Vão surgir as rivalidades antigas, que estavam adormecidas, entre alemães e franceses, alemães-russos, e por assim adiante. A Alemanha tem o condão de fazer inimigos, basta consultar os livros História do século XIX e XX. Aquando da unificação da Alemanha (Queda do Muro de Berlim-1989), A Europa foi apanhada de surpresa a Sra. Thatcher, tentou impedir a unificação da Alemanha e meteu a liça o Sr. Miterrand. A Sra.Thatcher pressentiu o perigo que é uma Alemanha unificada. Se Alemanha continuar com a desintegração da UE arrisca-se qualquer dia de ficar não dividida em 2 mas em vários Estados.
Está-lhe nos genes, não há nada a fazer! Por mais que se grite e barafuste, os alemães são assim mesmo. Estou a generalizar??? Pois estou, conheço demasiado bem aquela realidade!!!
Marquis
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