terça-feira, 2 de fevereiro de 2021

A EGIPTOLOGIA

Já tem alguns anos este livro de José das Candeias Sales, Estudos de Egiptologia (2007), mas é sempre interessante regressar a ele, quando se prevê, para finais deste ano, a inauguração do Grande Museu Egípcio do Cairo, em Gizah, depois de ter estado inicialmente em Bulaq (1858-1892) e mais tarde na Praça Tahrir (desde 1902).

A civilização faraónica tornou-se uma paixão europeia, e logo universal, depois da expedição de Bonaparte ao Egipto, em 1798, e da posterior decifração dos hieróglifos por Jean-François Champollion (1822), culminando na descoberta do túmulo de Tut-Ank-Amun, por Howard Carter (1922).

O autor divide o seu livro em duas partes: I - Primórdios e Actualidade da Egiptologia Científica; II - Mitologia, Memória e Temporalidade.

Logo no início, distingue a egiptologia da egiptofilia, da egiptomania e da egiptolatria, que são realidades distintas. A egiptologia é uma ciência, e para a sua compreensão convém conhecer a sua história, os seus precursores e o seu percurso.

A I Parte inclui quatro capítulos: 1) A decifração da escrita hieroglífica e o início da moderna egiptoogia científica; 2) A Pedra de Roseta - pedra angular da ciência egiptológica (tradução e análise documental); 3) A arqueologia egípcia no século XIX: da "caça ao tesouro" à salvaguarda da herança faraónica; 4) Que Egiptologia para o século XXI?

Pedra de Roseta (Papiro da minha colecção)

A II Parte inclui também quatro capítulos: 1) O mito do poderoso nome secreto de Ré. Importância e significado do nome pessoal na antiga civilização egípcia; 2) O mito egípcio da destruição da Humanidade: sentido e significado da clemência divina de Ré; 3) O nome pessoal na civilização do Egipto antigo. A nomeação como registo memorial da temporalidade; 4) Modelos de organização do panteão egípcio - a classificação numérica.

Pedra de Roseta (Peça da minha colecção)

Poderá dizer-se que a egiptologia nasceu quando em Julho de 1799 o tenente francês Pierre François Xavier Bouchard (1771-1822) descobriu no Fort de San Julien, em Roseta (Rachid, em árabe) uma pedra de granito negro com três inscrições paralelas: a superior, em caracteres hieroglíficos, a intermédia, em caracteres a que chamou siríacos (a escrita demótica egípcia) e a inferior em grego. As três inscrições continham o mesmo texto, o que permitiu mais tarde a Champollion elaborar o primeiro alfabeto hieroglífico. 

Bonaparte fez-se acompanhar na sua expedição por uma comissão de 167 cientistas e artistas, que durante dois anos reproduziram animais, plantas, objectos, paisagens, monumentos (não só faraónicos mas cristãos, árabes ou turcos), etc., trabalho que viria a ser publicado por ordem do futuro imperador, entre 1809 e 1829, sob o título Description de l'Égypte. Todavia, o primeiro  dar a conhecer ao mundo ocidental as prodigiosas paisagens do Egipto foi Vivant Denon (1747-1825), que integrou a expedição e publicou em 1802, Voyage dans la Basse et la Haute Égypte.  

Já no século XVII, o padre jesuíta alemão Athanasius Kircher (1602-1680) publicara diversas obras sobre a escrita hieroglífica, tendo afirmado, e isto foi da maior importância, que o copta era uma sobrevivência da língua popular dos antigos egípcios. Jean-Jacques Barthélemy (1716-1795) e Joseph de Guignes (1721-1800) concluíram, entre outras coisas, que os signos dentro de anéis ovais, as cartelas (que os franceses designam por cartouches), estavam associados a nomes de reis ou de deuses, e que os três sistemas de escrita egípcia conhecidos (hieroglífico, hierático e demótico) formavam um todo e que os signos hieroglíficos não representavam vogais. 

Outras descobertas foram sendo realizadas, entre elas as de Silvestre de Sacy (1758-1838), Johann David Äkerblad (1760-1819) e Thomas Young (1773-1829) e contribuíram decisivamente para a decifração final, por Champollion, da pedra de Roseta, que estabeleceu que o sistema hieroglífico egípcio era uno, semi-fonético, parcialmente alfabético e fazia reduzido uso das vogais.

Entre a decifração da Pedra de Roseta, por Chanpollion, e a descoberta do túmulo de Tut-Ankh-Amun, por Howard Carter (exactamente cem anos de diferença) foi grande a movimentação no Egipto de investigadores e caçadores de tesouros. Na impossibilidade de descrever aqui em pormenor as personagens e os factos, mencionaremos apenas um aventureiro italiano a quem se devem contudo algumas descobertas, Giovanni Battista Belzoni (1778-1823), o francês Émile Prisse d'Avennes (1807-1879), o francês Auguste Mariette (1821-1881), que viria a fundar o Serviço de Antiguidades Egípcias e o primeiro Museu Egípcio do Cairo (em Bulaq) e a quem o khediva Ismaïl viria a conceder o título de Pasha (1879). Mariette escreveu o argumento original da ópera Aida, de Verdi, que Antonio Ghislanzoni modificaria para a estreia da ópera, prevista para a inauguração do Canal de Suez (1869), mas só apresentada em 1871, na nova (hoje desaparecida) Ópera do Cairo.

Outra figura notável foi Gaston Maspero (1846-1916), que sucederia a Mariette como director do Serviço de Antiguidades Egípcias.

David Roberts

Há ainda que salientar o inglês John Gardiner Wilkinson (1797-1875), o alemão Karl Richard Lepsius (1810-1884), o inglês David Roberts (1796-1864), o inglês William Flindres Petrie (1853-1942). E tantos outros cujos trabalhos foram fundamentais para a descoberta, preservação e divulgação das obras do Antigo Egipto.

A descoberta do túmulo de Tut-Ankh-Amun, por Howard Carter (1874-1939), com o apoio de Lord Carnarvon, constituiu um marco decisivo na consolidação da Egiptologia. Tratou-se do primeiro túmulo faraónico encontrado praticamente intacto desde que começaram as escavações no país. 

Mas não é este o lugar para entrar em pormenores sobre os caminhos que levaram à descoberta da régia sepultura, nem para discorrer sobre os imensos tesouros encontrados no hipogeu.

«Mais do que em qualquer período da sua história, a arqueologia egípcia do século XIX passou por várias etapas desde a descarada "caça ao tesouro" do início do século, no verdadeiro sentido da palavra uma tentacular empresa organizada de destruição e de delapidação do património, até ao desenvolvimento e utilização de modernas técnicas científicas de organização, prospecção e escavação arqueológicas que marca já a transição para o século XX.» (p. 83)

A descoberta da civilização do Antigo Egipto, proporcionada pela expedição de Bonaparte, valeu bem a Batalha das Pirâmides.

A bibliografia sobre o Egipto Antigo é infinita. Gostaria de reproduzir as capas de muitos outros volumes, mas alguns, porque gigantescos, não são digitalizáveis. Assim, limitei-me aos autores que cito no texto

2 comentários:

Anónimo disse...

Felicita-se o autor do blog pela vastidão e pertinência da sua biblioteca,que em certas áreas como esta são provavelmente únicas no nosso país. Talvez ele queira fundar uma "Associação dos Amigos do Egipto" à qual facultaria a consulta da sua aparentemente inesgotável colecção especializada. Aliás,atendendo à profusão de exemplos bibliográficos com que nos brinda em tantas áreas do saber, justificar-se-ia mesmo a criação de numerosas associações de carácter similar, e depois uma federação dessas associações. A Câmara Municipal de Algés certamente estaria disponível para oferecer um espaço condigno para o funcionamento da Federação e consulta destes volumes que oelo seu valor científico não devem estar encerrados longe da meditação dos investigadores e simples curiosos da Cultura Universal. Creio que o autor encontrará nos seus leitores os necessários apoios para este projecto de bem necessário mecenato cultural.

Blogue de Júlio de Magalhães disse...

Para o Anónimo da 01:07:

A minha colecção de livros, e de estatuetas e outros objectos, do Antigo Egipto é, de facto, apreciável, pelo menos a nível nacional;

Existe uma Associação de Amizade Portugal/Egipto, presidida pelo embaixador Graínha do Vale, mas não sei se continua a funcionar;

Não julgo que a Câmara Municipal de Oeiras (Algés não é município) esteja interessada. Em tempos, propus doar a minha colecção de livros de Economia e Finanças à biblioteca local da mesma e a resposta foi de que não tinham espaço. Doei-os depois à Universidade Lusíada.

Obrigado pelo comentário.