sexta-feira, 24 de janeiro de 2020

OS CÉSARES DE SUETÓNIO



Caius Suetonius Tranquillus, vulgo Suetónio, foi um alto funcionário romano, protegido de Plínio, o Jovem, e depois de Caius Septicius Clarus, que exerceu importantes cargos, nomeadamente o de secretário ab epistulis latinis (responsável da correspondência imperial) do imperador Adriano.

Nasceu em Roma no ano 70 (ou 69 segundo alguns autores) de uma família pertencente à ordem equestre. Caído em desgraça, por volta do ano 122, apesar da sua amizade com Adriano, nada se sabe do período posterior, presumindo-se que tenha morrido cerca do ano 130, ou mesmo depois desta data.

Autor de vasta obra, na sua maior parte desaparecida, chegaram aos nossos dias De viris illustribus (Vidas dos homens ilustres) e De vita duodecim Caesarum libri (Vidas dos doze Césares).

Da primeira, consagrada às glórias da literatura latina, dividida em cinco partes: poetas, oradores, historiadores, filósofos e gramáticos e retóricos, perdeu-se uma parte significativa.

A segunda, sobre a qual nos debruçamos, chegou quase intacta até hoje. Inclui as biografias de Júlio César, Augusto, Tibério, Calígula, Cláudio, Nero, Galba, Otão, Vitélio, Vespasiano, Tito e Domiciano. Embora os historiadores considerem Augusto como primeiro imperador de Roma, Suetónio inicia a sua obra com Júlio César (tio-avô de Augusto) e que foi o verdadeiro precursor do estabelecimento do Império. Aliás, viria a ser assassinado exactamente pelo receio que tinham os defensores da República Romana de que ele viesse a consagrar-se imperador. Desta obra, que foi publicada entre 119 e 122, perdeu-se apenas a dedicatória e o primeiro capítulo da vida de Júlio César.

As obras desaparecidas são numerosas, abordando os mais variados assuntos, como os costumes gregos e romanos, o exército, brincadeiras de crianças, os jogos públicos, as cortesãs, as abreviaturas, os defeitos físicos, as palavras injuriosas, os cargos oficias da administração romana, etc.

Em Vidas dos doze Césares, Suetónio segue o mesmo figurino relativamente a todos os imperadores. A narrativa não acompanha a ordem cronológica mas encontra-se organizada por uma sucessão de temas: a origem familiar, a carreira, a chegada ao poder, as campanhas militares, a obra legislativa, o físico, carácter e vida sexual, os presságios, a morte.



Li pela primeira vez, com muito proveito e ainda muito novo, as Vidas dos doze Césares, numa tradução de João Gaspar Simões, feita certamente a partir de uma edição francesa, mas não é referida a fonte: Os 12 Césares, livro publicado em 1963. Recorde-se que Gaspar Simões, romancista e tradutor, foi durante décadas o crítico literário do "Diário de Notícias" e a ele se deve a primeira, e indispensável, biografia de Fernando Pessoa, quando o poeta era ainda praticamente desconhecido do grande público.



Mais recentemente surgiu uma outra edição portuguesa, publicada em três volumes: As Vidas dos Doze Césares, com tradução a partir do original latino e das traduções francesa (Vie des Douze Césars, de Jacques Gascou) e inglesa (The Twelve Caesars, de Michael Grant). O primeiro volume, de 2005 (Júlio César e Octávio César Augusto) é traduzido por Angelina Pires. O segundo volume, de 2006 (Tibério, Calígula e Cláudio) e o terceiro volume, de 2007 (Nero, Galba, Otão, Vitélio, Vespasiano, Tito e Domiciano) são traduzidos por Adriaan De Man.



O primeiro volume tem um estudo introdutório de Victor Raquel; o segundo e o terceiro, da autoria de Adriaan De Man.



O primeiro volume não parece ter sido objecto de atenta revisão; curiosamente, até a imagem da estátua do imperador Augusto (dita de Prima Porta), exposta no Museu do Vaticano e que figura na contracapa, está reproduzida ao contrário, como num espelho. Também os estudos introdutórios, até por terem sido feitos por pessoas diferentes, não obedecem a um critério uniforme e as cronologias são deficientes.

O livro de Suetónio constitui a mais importante contribuição para o conhecimento da vida dos primeiros imperadores romanos, da vida pública e da vida privada. Suetónio compraz-se mesmo na descrição dos pormenores dos prazeres sexuais dos imperadores, relatados com uma vivacidade como se tivesse assistido a tais cenas. 

Nas funções que desempenhou, nomeadamente como secretário de Adriano, Suetónio tinha acesso aos arquivos imperiais, posição que lhe permitia consultar os documentos mais confidenciais, indispensáveis para o trabalho que nos legou. Pelas obras que nos chegaram, e por aquelas de que apenas conhecemos o titulo, é inegável que Suetónio possuía uma cultura enciclopédica e uma curiosidade pelos mais variados assuntos. Mas pouco ou nada se sabe da sua vida pessoal.

Ao contrário de Tácito, seu contemporâneo, autor de Anais e Histórias, obras em grande parte também perdidas, e que perfilhou o método da história analítica, Suetónio optou por adoptar o critério biográfico. Todavia, ao fazê-lo, acabou por nos legar também uma obra histórica de inestimável valor. Foi principalmente através dela que se tornou possível reconstituir o tempo das dinastias júlio-claudiana e flaviana e dos três imperadores (Galba, Otão e Vitélio) que exerceram o poder em 68/69, intermediando as duas dinastias.



3 comentários:

Anónimo disse...

Quanto a autores clássicos gregos e latinos prefiro sempre edições bilingues,não por snobismo, mas porque "amarram" mais o tradutor ao texto traduzido,e ainda,para os que ainda guardam umas luzes da aprendizagem das línguas mestras,poder compulsar frases e parágrafos que podemos analisar. Entre as mais divulgadas, as Loeb e as Belles Lettres,prefiro estas últimas,embora mais caras,por serem traduções mais recentes. Consta que o Suetónio não é de grande confiança histórica,sobretudo para os mais afastados do seu tempo, mas as suas descrições de Tibério,Nero e Calígula, são imperdíveis. O Tempora,O Mores! Mas aqui entre nós,trocava o Suetónio pelo Satyricon completo. Isso é que seria a "tutta Roma" de que nos fala a outra imperdível,a Floria Tosca...

Blogue de Júlio de Magalhães disse...

Para o Anónimo das 16:41:

É um facto que as edições bilingues são sempre melhores, mas creio não existir alguma portuguesa.

Também é verdade que poucos portugueses, tirando os especialistas, serão hoje capazes de ler o grego antigo ou o latim.

Suetónio não seguiu o método de Tácito, mas as suas páginas sobre os Césares são de inestimável valia.

Anónimo disse...

Ok, muita gente continua a julgar que Júlio César foi o 1º Imperador, apesar desse rumor lhe ter custado a vida ...