segunda-feira, 9 de setembro de 2019
O MUNDO DE ONTEM
Stefan Zweig (1881-1942) foi, certamente, um dos escritores mais lidos e traduzidos mundialmente na primeira metade do século passado. Natural de Viena, em cuja universidade se licenciou, e desfrutando de uma confortável situação económica, graças à fortuna da família, pôde consagrar-se à sua grande paixão, a literatura. Romancista, poeta, dramaturgo, biógrafo e jornalista, escreveu mais de trinta livros, que foram vertidos para os mais diversos idiomas. Em Portugal, a Livraria Civilização publicou, ao tempo, todos esses livros, embora existam agora algumas edições mais recentes.
Relativamente esquecido nas últimas décadas, autor de uma obra irregular, mas com momentos de inegável talento, Zweig não é um dos nomes cimeiros da literatura ocidental, mas também não é um escritor menor, como alguns pretenderam fazer crer durante um certo período. Os seus livro tiveram ampla divulgação na Áustria e na Alemanha, e alcançaram rápida projecção em todo o mundo.
No tempo em que vivemos, de tão profundas e significativas modificações, é interessante, e profícuo, reler O Mundo de Ontem (Die Welt von Gestern), editado em 1942 (a edição portuguesa que menciono é de 1953), onde Stefan Zweig traça a sua autobiografia até à ascensão de Adolf Hitler ao poder. O escritor debruça-se especialmente sobre a sua vida em Viena nos tempos de estudante, as suas amizades com personalidades sucessivamente mais notáveis, as viagens ao estrangeiro, a sua actividade literária, os usos e costumes da sociedade austríaca até ao início da Primeira Guerra Mundial. É esse mundo (de ontem) cujo desaparecimento Zweig profundamente lamenta. Um mundo que começou a desaparecer em 1914, que teve um efémero e pálido retorno entre as duas Guerras e que se afundou após a instalação do nazismo na Alemanha, e depois na Áustria.
Neste livro, por vezes demasiado minucioso e encerrando algumas contradições, ainda que bem traduzido (os tradutores antigos esmeravam-se habitualmente no seu trabalho) o escritor relata também a sua vida durante o período da Primeira Guerra, o tempo da Primeira República Austríaca e da República de Weimar, a credulidade ingénua dos austríacos de que Hitler nunca atacaria a Áustria (os mesmos que haveriam de ovacionar o Führer na Praça dos Heróis, em Viena e ratificar o Anschluss de 1938), e todas as desgraças subsequentes.
Sendo judeu, Stefan Zweig, verificando a situação existente de facto na Áustria e prevendo avisadamente o futuro, decidiu abandonar a sua casa de Salzburg e exilar-se em Inglaterra em 1934. Com a eclosão da Segunda Guerra Mundial, Zweig rumou em 1940 para os Estados Unidos, e daí para o Brasil, onde viria a suicidar-se (juntamente com a mulher), em Petrópolis, em 23 de Fevereiro de 1942, ao constatar que todo o mundo que era o seu se desmoronava à sua volta.
Abro um parêntese para recordar uma coincidência: o suicídio do casal Zweig talvez tenha sido um acto premonitório do suicídio de outro casal (Hitler e Eva Braun), sendo que a causa do suicídio de Zweig foi afinal a própria política de Hitler.
Não pretende este texto resumir uma biografia de Stefan Zweig (há várias editadas), mas tão só realçar o desencantamento do mundo sentido pelo escritor e amplamente exposto neste livro. Apesar de não termos desde há 70 anos uma guerra mundial, a aceleração do "progresso" processa-se hoje a uma velocidade que teria sido também insuportável para Zweig. Nunca, ao longo da História, tantas coisas mudaram tanto em tão pouco tempo. E mesmo os espíritos mais argutos têm dificuldade em adaptar-se ao mundo de hoje, o chamado "mundo novo" no léxico político de Emmanuel Macron. E ainda sobre guerras mundiais, é bom lembrar, temos tido, como já observou o Papa Francisco, uma guerra mundial a retalho, ora a frio ora a quente, como demonstram os conflitos na Jugoslávia, no Afeganistão, no Iraque, na Líbia, na Síria, na Ucrânia, etc.
Revisitemos, pois, a obra de Stefan Zweig.
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