sábado, 25 de junho de 2016

AS MULHERES DOS HOMOSSEXUAIS



Acabou de ser publicado um livro curioso sobre as mulheres de alguns homossexuais célebres: Femmes d'homosexuels célèbres, escrito por um especialista na matéria, o escritor, jornalista e realizador cinematográfico Michel Larivière.

Nesta obra concisa, que não chega às 150 páginas, o autor passa em revista 16 casais célebres, escolhidos segundo um critério que não é revelado, mas em circunstâncias idênticas a escolha é sempre arbitrária.

Os eleitos remontam até à Idade Média, mas a maioria situa-se no século XIX.

Indicamos a seguir as esposas e os respectivos maridos. Eles foram célebres, elas ficaram conhecidas por terem sido suas mulheres.

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Bérengère de Navarra e Ricardo Coração de Leão, rei de Inglaterra

Isabel de França e Eduardo II, rei de Inglaterra

Élisabeth Charlotte, princesa palatina e Filipe d'Orléans (irmão de Luís XIV)

Christiane Vulpius e Johann Wolfgang Goethe

Anne Isabella Milbanke e Lord George Gordon Byron

Mathilde Mauté de Fleurville e Paul Verlaine

Honorine Morel e Júlio Verne

Constance Lloyd e Oscar Wilde

Jeanne Amélie Blanche Franc de Ferrière e Pierre Loti

Winnaretta Singer e o príncipe Edmond de Polignac

Madeleine Rondeaux e André Gide

Maria Bonaparte e o príncipe Jorge da Grécia

Élisabeth Toulemont (dita Caryathis) e Marcel Jouhandeau

Wallis Simpson e o duque de Windsor (ex-Eduardo VIII, rei de Inglaterra)

Elsa Triolet e Louis Aragon

Edwina Ashley, Baronesa Mount Temple e Lord Louis Mountbatten, vice-rei das Índias (tio da rainha Isabel II de Inglaterra)

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Não cabe aqui a biografia nem delas nem deles. A deles será fácil encontrar nos livros de História e na história das literaturas. A delas só se encontrará (quase) nos livros que falam deles.

Mas não queremos deixar de satisfazer a curiosidade dos leitores e por isso registamos uns breves apontamentos.

Ricardo Coração de Leão alimentou durante anos uma paixão, correspondida, pelo jovem Filipe Augusto, rei de França. Partiram ambos para a Terra Santa, na Terceira Cruzada, mas haveriam de desentender-se por razões políticas. O escritor americano James Goldman escreveu uma peça, The Lion in Winter (1966), sobre o tema, que foi passada ao cinema por Anthony Harvey.

Eduardo II viveu dominado pelo seu favorito Gaveston, e depois da morte deste pelos seus sucessores, e acabou derrotado pelos apoiantes da mulher, tendo sofrido horrível suplício. Christopher Marlowe escreveu uma peça sobre a tragédia do rei (1592), a primeira peça de teatro com tema homossexual; Derek Jarman, no nosso tempo, realizou um belo filme sobre a peça.

 Goethe, que haveria de casar sobre o tarde com Christiane Vulpuis, porque esta, com a sua graça equívoca e hermafrodita,  lhe lembrava um rapaz, escreveu em Poesia e Verdade: «C'est vrai que j'ai fait aussi l'amour avec des garçons, mais je leur préférais les filles, car quand elles me lassaient en tant que fille, je pouvais encore m'en servir en tant que garçon». Conhecem-se-lhe diversas aventuras amorosas masculinas.

Lord Byron, que morreria combatendo os turcos ao lado do seu companheiro, o soldado grego Lukas,  na batalha de Missolonghi, fez um casamento de interesse com uma herdeira rica e ignorante das inclinações do autor de Childe Harold's Pilgrimage. Proibido de entrar na Câmara dos Lords e separado finalmente da mulher, viajou durante sete anos com os seus amantes pela Itália, antes de chegar a Cefalónia e se tornar o herói da independência grega. (Não o refere o autor do livro mas acrescentamos que Byron viveu algum tempo em Sintra, que considerou uma das mais belas vilas do mundo).

Sobre Verlaine e a sua tempestuosa relação com Rimbaud tudo já foi dito. Os interessados poderão ver o filme Total Eclipse, de Agnieszka Holland, onde o muito jovem Leonardo DiCaprio interpreta, todo descascado, a personagem de Rimbaud. Um desempenho bastante realista que o actor possivelmente gostaria de eliminar da sua biografia.

Júlio Verne é uma figura pouco conhecida pela sua homossexualidade. Respeitável chefe de família, cultivaria uma relação com seu sobrinho Gaston, de dezasseis anos e depois com Aristide Briand, também da mesma idade, e que seria mais tarde chefe do Governo francês.

A vida de Oscar Wilde tem sido dissecada ao longo do século passado. Além dos numerosos livros, pode ver-se o filme Wilde, de Brian Gilbert, e vários outros sobre o seu julgamento e a sua obra, nomeadamente sobre Dorian Gray.

Pierre Loti, oficial de Marinha e académico, grande amante do mundo árabe, em especial da Turquia, de seu verdadeiro nome Julien Viaud, escreveu numerosas obras onde, por vezes, surgem aventuras com raparigas que mais não são do que rapazes travestidos com um nome feminino. Na vida real cultivou a bissexualidade, com a complacência da esposa. Ainda hoje existe em Istanbul um hotel com o nome de Pierre Loti. E também nos arredores, em Ëyup, um café evoca a memória do escritor.

O grande escritor francês André Gide, Prémio Nobel da Literatura, manteve toda a vida o gosto pelos rapazes, ainda que acabasse por ser pai de uma filha, ilegítima. O seu casamento com a prima Madeleine não foi, por mútuo acordo, consumado, mas esta só mais tarde se apercebeu dos amores pederásticos de Gide, entre os quais Marc Allégret, de dezasseis anos, filho do seu antigo preceptor. Quando se apercebeu da realidade, Madeleine, num gesto intempestivo, queimou vinte anos da correspondência do marido, o que este considerou como "uma grande perda para a literatura", do que não se duvida. Gide, que nutriu grande afeição pelos árabes, iniciou as suas relações homossexuais com um jovem tunisino.

Maria Bonaparte, sobrinha bisneta de Napoleão Bonaparte, que haveria de ser uma interlocutora e grande estudiosa e divulgadora da obra de Sigmund Freud, casou com o príncipe Jorge da Grécia, filho do rei Jorge I. Pioneira da psicanálise, Maria Bonaparte respeitou a relação do marido com o tio deste, o príncipe Valdemar da Dinamarca, e quando aquele morreu colocou uma foto deste nas mãos do defunto.

Foi para tentar "curar-se" da homossexualidade que Marcel Jouhandeau, homem austero, desposou a célebre bailarina Élisabeth Toulemont, que frequentava círculos artísticos e literários. A sua paixão por um jovem oficial alemão durante a Ocupação, que determinou uma sua viagem a Weimar, trouxe-lhe problemas após a Libertação, mas foi ilibado de acusações de antisemitismo. O casal manteve-se unido e Jouhandeau nunca assumiu pubicamente a sua homossexualidade.

A história de Eduardo VIII, duque de Windsor depois da abdicação, é uma das mais bem forjadas mentiras públicas do nosso tempo. Atribuiu-se a renúncia ao trono devido à sua paixão por uma mulher divorciada, Wallis Simpson, com quem veio a casar. Ora Eduardo, além de ser exclusivamente homossexual, era um caloroso partidário de Hitler e de Mussolini e a abdicação foi-lhe imposta pelo governo britânico. A sua relação com seu primo Louis Mountbatten, de quem falaremos a seguir, era bem conhecida do tempo em que eram ambos alunos em Cambridge. Wallis Simpson, que tinha um passado pouco recomendável para desposar um rei, e que era extraordinariamente ambiciosa, aceitou sempre a orientação sexual do marido. O casal levou uma vida de luxo e dissipação. O duque de Windsor chegou a estar em Lisboa durante a Guerra, em casa de Ricardo Espirito Santo, antes de ser forçado a aceitar o cargo de governador das Bahamas. Para redimir a sua vida tumultuosa, os Windsor dedicaram-se a partir do anos sessenta a obras de caridade. Após a morte de Eduardo, Wallis legará as suas fabulosas jóias ao Instituto Pasteur, para as suas pesquisas na luta contra a sida.

Elsa Triolet, russa de nascimento e cunhada de Maïakowski, foi a eterna musa de Aragon. O escritor, que foi uma das figuras literárias cimeiras do Partido Comunista Francês, que fingiu ignorar as suas inclinações (na altura o Comunismo condenava a homossexualidade), manteve aventuras masculinas (entre outros os escritores René Crevel, Drieu La Rochelle, Jean Ristat) e femininas, mas após o casamento Aragon dissimulou a sua vida dupla. Só apos a morte de Elsa, em 1970, Louis Aragon passou a frequentar abertamente os locais de "engate", o que lhe valeu alguns dissabores com a polícia. O jovem Ristat, que acompanhou o escritor até à morte e foi seu herdeiro, tentou que o PCF, de que Aragon era membro do Comité Central, reconhecesse os seus gostos, o que nunca se verificou. Mas, apesar de tudo,  o casal constituiu um símbolo de união para os franceses.

Louis Mountbatten, bisneto da rainha Vitória, que, como se disse, manteve uma ligação com Eduardo VIII, desposou a riquíssima Edwina Ashley, baronesa de Mount Temple, um casamento encorajado pela família real. Foi um casamento de mútuo interesse. Ambos se entregaram ao longo da vida, por mútuo acordo, aos respectivos amantes. Nomeado vice-rei das Índias em 1947, Mountbatten aceitou perfeitamente a ligação de Edwina com o Pandit Nehru, discípulo preferido de Gandhi e que seria primeiro-ministro da Índia. Depois da independência do país e do regresso do casal a Inglaterra, Edwina ainda viajou várias vezes a Delhi para encontrar o seu amante. Lord Mountbaten morreu vítima de uma atentado do IRA em 1979.

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O estudo de Larivière apresenta, obviamente, numerosas lacunas, por exemplo o escritor François Mauriac, Prémio Nobel da Literatura, mas o autor sustenta que apenas mencionou os casos em que as esposas deixaram algum testemunho dos factos. Refere igualmente que todas as esposas referidas, à excepção de Winnaretta Singer (a herdeira das máquinas de costura), ignoravam a homossexualidade dos maridos antes do casamento.Também omitiu o nome das pessoas ainda vivas.

Como escreve David Caviglioli na crítica que faz ao livro, em "L'Obs", «Dans l'Antiquité, l'amour, le sexe et le mariage étaient trois idées distinctes. Les mariages chrétiens, puis bourgeois, puis d'amour, les auront amalgamées. Le désir homosexuel ramène cette désunion antique dans l'union moderne. Larivière rappelle qu'entre les sentiments le désir et l'institution familiale, toutes les combinaisons existent, et qu'un couple est toujours plus complèxe que le contrat matrimonial qui l'encadre.»

Falámos mais dos maridos do que das mulheres, o que era inevitável. São eles que têm biografia e elas existem na História por mérito deles, à excepção, quase, de Maria Bonaparte e de Elsa Triolet.

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