quarta-feira, 1 de junho de 2016

A FRANÇA DE VICHY




Não vendo televisão diariamente, tomei conhecimento, graças a uma referência do Eduardo Pitta no Facebook, de que a RTP2 estava a transmitir uma série sobre a ocupação da França pelos alemães, durante a Segunda Guerra Mundial: "Uma Aldeia Francesa". Vi três ou quatro episódios (não sei quantos ficaram para trás) e pareceu-me que as situações retratadas eram um pouco "forçadas", mas só no fim poderei avaliar da qualidade desta produção.

Curiosamente, acabei de ler o livro de Robert O. Paxton, La France de Vichy, 1940-1944, que o historiador americano publicara em 1972, com o título Vichy France, Old Guard and New Order, 1940-1944 e que reeditou, revisto e com algumas correcções, em 1997. Ambas as edições foram traduzidas para francês, com a denominação que referi, tendo saído há algum tempo uma reedição da tradução francesa, aquela que agora li.

Acerca de um assunto sobre o qual existem centenas, se não mesmo milhares de livros, a obra de Paxton foi uma primeira abordagem pretensamente objectiva da situação em França no tempo do governo do marechal Pétain. Na altura em que publicou a 1ª edição, Paxton consultou os arquivos alemães e americanos, já que os franceses estavam ainda indisponíveis, ao abrigo da legislação vigente. E a maioria das obras até então dadas à estampa adoptavam uma posição claramente favorável ou desfavorável ao regime de Vichy.

Na 2ª edição, Paxton actualizou alguma informação (já tinha decorrido meio século sobre o fim do conflito), embora considere que no essencial nada havia a mudar.

A invasão da França pelas tropas de Hitler constituiu um doloroso período para os franceses, tanto na zona ocupada como na zona dita livre, e que a partir do desembarque aliado no norte de África iria ficar igualmente ocupada. Foram cometidos actos terríveis, de ambas as partes, e a Libertação não pôde evitar (certamente não poderia) os posteriores ajustes de contas que, aliás, se verificam normalmente em situações semelhantes.

A dúvida que se colocou logo após o fim da guerra - e que ainda hoje permanece - foi a seguinte: teria sido preferível o armistício de 1940 acordado com Hitler ou a criação de um governo no exílio. Pétain sempre sustentou, inclusive no seu julgamento, que a sua acção fora motivada pelo desejo de poupar maiores males ao povo francês.

Como não é possível submeter a história a experiências laboratoriais, a dúvida subsistirá. Ao contrário do que muita gente será levada a pensar, a maioria dos franceses esteve ao lado de Vichy durante os primeiros tempos, digamos que até 1942. E terá estado com Pétain praticamente até ao fim, já que estabelecia uma nítida separação entre o velho marechal e o seu governo, progressivamente mais detestado, especialmente o presidente do Conselho, Pierre Laval. Apoiado  por uma investigação exaustiva, Paxton concluiu que o homem comum procurou manter-se neutro, pelo menos enquanto isso lhe foi possível, e que a Resistência, ou as várias resistências que se uniram precariamente para celebrar a vitória, só conseguiu aumentar os seus membros com a aproximação do fim da guerra. Muitos pétainistas aderiram já muito tarde ao general De Gaulle, mesmo algumas figuras militares do maior prestígio, como os marechais Alphonse Juin e Jean De Lattre de Tassigny. Encontraremos bom número de partidários do marechal Pétain em lugares de relevo na IV e na V República. Os intelectuais tiveram sorte diversa. Charles Maurras, o ideólogo da Nova Ordem desejada por Pétain, morreu na prisão, Céline, que fugira para a Dinamarca, foi condenado à indignidade nacional e morreu em casa. Pierre Drieu La Rochelle suicidou-se e Robert Brasillach foi fuzilado, depois de uma petição a seu favor, assinada por numerosos vultos das artes e das letras, como Paul Valéry, Paul Claudel, Jean Anouilh, Arthur Honegger, Albert Camus, Jean Cocteau ou Colette, ter sido recusada pelo general De Gaulle.

Mas não é este o lugar nem o momento para discorrer sobre Vichy. Vejamos, pois, a série televisiva.


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