quinta-feira, 12 de fevereiro de 2015

A SEGUNDA CARTA




Um grupo de personalidades enviou ao primeiro-ministro uma carta sobre o problema das dívidas europeias.

Já em Março do ano passado um conjunto de pessoas representativas dos mais diversos sectores políticos, sociais e profissionais subscrevera um Manifesto (dito dos 74) apelando à reestruturação da dívida portuguesa. Nessa altura, Passos Coelho classificou desdenhosamente essas pessoas como "essa gente", com a conhecida falta de educação que normalmente lhe assiste. Sobre esse Manifesto, escrevemos aqui e aqui.

Sobre a carta agora enviada ao primeiro-ministro (com 32 assinaturas igualmente relevantes), dá conta o PÚBLICO, na notícia que se transcreve:


A carta tem duas ideias principais: O Governo português, ao insistir, a propósito da Grécia, que “a política de austeridade prosseguida se deve manter inalterada”, escolhe um caminho “contraproducente”; mais ainda quando esta é, na opinião dos subscritores, uma “oportunidade que não pode ser desperdiçada para um debate europeu sobre a recuperação das economias e das políticas sociais”.

No momento em que Passos Coelho se prepara para enfrentar um dos mais decisivos Conselhos Europeus do seu mandato, esta quinta-feira, em Bruxelas, a carta surge com diversas intenções. Um “apelo”, um “pedido”, um “alerta à opinião pública”. É assim que vários dos autores descrevem ao PÚBLICO esta iniciativa.

Subscrevem esta carta vários dos dinamizadores do anterior “Manifesto dos 74”, sobre a renegociação da dívida portuguesa, como António Bagão Félix, Francisco Louçã, João Cravinho e Carvalho da Silva. Mas esta carta tem outros nomes que, adianta Pedro Adão e Silva, um dos autores, “revelam que há um consenso alargadíssimo na sociedade portuguesa, de que o Governo não faz parte”. No campo político, há personalidades de todos os quadrantes: Octávio Teixeira (PCP), Mariana Mortágua (BE), José Reis (Tempo de Avançar), Carlos César (presidente do PS), Pacheco Pereira (PSD), Ricardo Bayão Horta (CDS). A principal novidade é a inclusão de cientistas que habitualmente não integram este tipo de manifestos, como Maria Mota (Prémio Pessoa 2013) e Mónica Bettencourt Dias, por exemplo.

Para Octávio Teixeira, esta carta aponta a abordagem “completamente errada” do Governo português face à Grécia: “Portugal tem problemas idênticos e não deve ter uma posição de total oposição à abertura de negociações. Por isso alertamos o primeiro-ministro para o seu dever de pensar o nosso país também. O que tem sido dito é contrário aos interesses de Portugal.” Pedro Adão e Silva salienta, ainda, que a carta rejeita “uma solução bilateral” e aponta o caminho “de uma resposta europeia”. José Reis, director da Faculdade de Economia da Universidade de Coimbra, concorda: “Antes de ser grego ou português, este é um problema europeu. A solução só pode ser cooperativa, solidária e europeia.”

Para Francisco Louçã, “Portugal não se pode isolar de um debate que pode ser decisivo ou perigosíssimo para a Europa”. O perigo está na tentação de forçar “a saída da Grécia do euro”, o que seria “gravíssimo”.

O almirante Melo Gomes, ex-chefe do Estado-Maior da Armada, considera que “a situação mais perigosa" para Portugal seria ficar isolado "com uma posição radical, e não com uma atitude construtiva e de aproximação” face à Grécia.

O discurso do primeiro-ministro, a este respeito, tem apontado a Grécia como um caso “singular” no contexto europeu. "A Europa tem o dever e o interesse em ajudar a Grécia a ultrapassar os seus problemas, o que não pode é fazê-lo de qualquer maneira, o que não se pode dizer é que a Grécia é um problema da Europa, dos portugueses, dos espanhóis e dos franceses."

Já o Presidente da República proferiu esta quarta-feira declarações ainda mais duras: "A Grécia não pode fazer o que bem entende." Para Cavaco Silva, "Portugal tem vindo a demonstrar solidariedade em relação à Grécia para que ela permaneça na zona do euro. Além do empréstimo que fizemos à Grécia de cerca de 1100 milhões de euros, Portugal tem vindo a transferir para a Grécia o produto dos juros das obrigações na posse do Banco de Portugal, o que significa muitos milhões de euros que saem da bolsa dos contribuintes portugueses". Esta última afirmação é polémica, uma vez que os juros das obrigações gregas apenas são incluídos no Orçamento português por uma questão “política”, dado que o BCE – que é quem de facto compra a dívida grega, e não os “contribuintes portugueses” – acordou com os Estados-membros um processo de devolução indirecta dos juros, tal como foi decidido no processo de reestruturação da dívida helénica.

A afirmação de Cavaco levou Carlos César a acusá-lo de ter “pouco sentido de Estado”. Octávio Teixeira prefere a ironia: “Estar calado é mau, mas é melhor do que dizer coisas destas…”


Presumo que Passos Coelho ignorará esta carta como ignorou o Manifesto que o ano passado lhe foi enviado. Insiste Marcelo Rebelo de Sousa, nas suas charlas televisivas semanais, que o primeiro-ministro é muito teimoso. Custa-me a acreditar que esta negação da realidade por parte de Passos Coelho seja apenas uma questão de teimosia, pois, se o fosse, evidenciaria não apenas obstinação mas uma clamorosa estupidez. Assim sendo, só posso acreditar que ele actua em função de uma agenda oculta que, obviamente, desconheço.

Mas ninguém ganhará com isso, em primeiro lugar os portugueses, e depois, ele mesmo.


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