Continua no top das vendas de
livros de não-ficção, em França, desde a sua publicação em Novembro passado, o
livro de Éric Zemmour, Le suicide français.
Fiz aqui uma breve referência à obra, nos primeiros
dias de Janeiro, quando havia apenas lido as primeiras páginas de um volume com
perto de 600. É tempo de escrever mais algumas linhas.
A tese sustentada por Zemmour é a de
que a França entrou em profundo declínio desde a morte do general De Gaulle,
cometendo um suicídio progressivo ao longo dos últimos 40 anos, consumado com a
inenarrável presidência de François Hollande.
Começando pelo fim:
«De Gaulle a échoué. Quarante ans après sa mort, son chef-d'oeuvre est en ruines. Il avait
rétabli la souverainité du peuple. Depuis 1992, la France a abandonné sa
souverainité nationale au profit d'un monstre bureaucratique bruxellois, dont
on peine à saisir les bienfaits. Depuis 2007, pour complaire à cet "Empire sans impérialisme",
sa classe politique quasi unanime a expédié la souverainité populaire dans les
poubelles de l'Histoire, en déchiquetant la tunique sans couture du référendum
que le général De Gaulle avait instauré pour imposer la volonté du peuple à tous
"les notables et notoires" qui avaient l'habitude séculaire de la
confisquer. (p. 517)
«Nous vivons dans une ère
carnavalesque. Nicolas Sarkozy fut un Bonaparte de carnaval; François Hollande
est un Mitterrand de carnaval et Manuel Valls, un Clemenceau de carnaval. La Ve
République est devenue la République radicale en pire. En ce temps-là, les
Clemenceau, Jaurès, Waldeck-Rousseau, Poincaré, Briand etc. avaient encore de
la tenue, de l'allure, du caractère, mais les institutions les entravaient et
les étouffaient. Aujourd'hui, seules les institutions, comme le
corset des femmes d'antan, maintiennent droit nos molles éminences. Chirac
dissimulait sous un physique de hussard une prudence matoise de notable
rad-soc. Sarkozy masquait par une agitation tourbillonante et un autoritarisme
nombriliste une crainte irraisonnée de la rue et une sensibilité d'adolescent.
Hollande cache derrière un humour potache un cynisme d'airain et une main de
velours qui tremble dans son gant de fer.» (p. 518)
«Le traité de libre-échange transantlantique a pour but, aux dires mêmes
des négociateurs américains, d'édifier "une OTAN commerciale". Cet
accord soumettrait l'économie européenne aux normes sanitaires, techniques,
environnementales, juridiques, culturelles des États-Unis; il sonnerait le glas
définitif d'une Europe cohérente et indépendante.» (p.519)
«La monnaie unique avait été conçue par François Mitterrand pour soustraire
aux Allemands réunifiés leur "bombe atomique": le mark. Les Allemands
utilisèrent la corde qui devait les ligoter pour étrangler les industries
françaises et italiennes qui ne pouvaient plus s'arracher à leur étreinte
mortelle par des dévaluations compétitives. La supériorité allemande est telle que la France ne
pourra plus échapper à sa vassalisation. Un siècle après le début de la
Première Guerre mondiale, nous entérinons le plan des dirigeants allemands
conçu par Guillaume II qui prévoyait déjà l'unification continentale autour de
l'hégémon germanique. (p. 520)
«Depuis quarante ans, la litanie des
"réformes" a déjà euthanasié les paysans, les petits commerçants et
les ouvriers. Au profit des groupes agroalimentaires, des grandes surfaces, des
banquiers, des patrons du CAC 40, des ouvriers chinois et des dirigeants de
Volkswagen. Ceux qui ont survécu à l'hécatombe ne veulent pas mourir. Cette hantise les rend méchants et hargneux. Les taxis, les pharmaciens,
les cheminots, les notaires, les employés se battent comme les poilus à Verdun.
Nos élites, qui viennent pour la plupart de la haute fonction publique, et ont
bénéficié des avantages du système mandarinal à la française, veulent imposer
le modèle anglo.saxon du "struggle for life" à toute la
population, sauf à eux-mêmes.» (p. 521)
«La droite trahit la France au nom
de la mondialisation; la gauche trahit la France au nom de la République.
La droite a abandonné l'État au nom du libéralisme; la gauche a abandonné la
nation au nom de l'universalisme: La droite a trahit le peuple au nom du CAC
40; la gauche a trahit le peuple au nom des minorités. La droite a trahit le
peuple au nom de la liberté; cette liberté mal comprise qui opprime le faible
et renforce le fort; cette liberté devoyée qui contraint la laïcité à se parer
de l'épithète "positive" pour se rendre acceptable aux yeus de tous
les lobbies communautaires. La gauche a trahit le peuple au nom de l'égalité.
L'égalié entre les parents et les enfants qui tue l'éducation; entre les
professeurs et les élèves qui tue l'école; l'égalité entre Français et
étrangers qui tue la nation.» (p. 522/3)
«L'idéologie de la mondialisation,
antiraciste et multiculturaliste, sera au XXIe siècle ce que le nationalisme
fut au XIXe siècle et le totalitarisme au XXe siècle, un progressisme
messianique fauteur de guerres; on aura transféré la guerre entre nations à la
guerre à l'intérieur des nations. Ce sera l'alliance du "doux
commerce" et de la guerre civile.» (p. 527)
«La France se meurt, la France est
morte.» (p. 527)
«Nos élites politiques, économiques,
administratives, médiatiques, intellectuelles, artistiques, crache sur sa tombe
et piétinent son cadavre fumant. Elles en tirent gratification sociale et
financière. Toutes observent, goguenardes et faussement affectées, la France
qu'on abat; et écrivent d'un air las et dédaigneux, "les dernières pages
de l'Histoire de France".» (p. 527)
*****
O livro de Éric Zemmour destina-se
especialmente aos franceses, e não a todos, já que as referências em que se
alicerça a obra obrigam a um conhecimento da vida no Hexágono que não estará ao
alcance das gerações mais novas, por natureza (com as excepções que a regra, a
inteligência e o dinheiro impõem) funcionalmente analfabetas.
Parte Zemmour do pressuposto de que
a França se afunda inelutavelmente desde a morte de De Gaulle, estabelecendo um
paralelo entre Napoleão I e o general e entre a Revolução Francesa e a
revolução de Maio de 1968.
O livro está concebido como uma
sequência cronológica de capítulos anuais (ou quase) em que se referem casos
que, na opinião do autor, contribuíram para a decadência da França. Como leit-motiv,
a denúncia da perniciosa influência norte-americana, o que é manifestamente
evidente e que poderíamos extrapolar para Portugal ou para quaisquer outros
países do Velho Continente, à excepção, bien entendu, da Inglaterra,
essa astuta comparsa de Wall Street e de Hollywood e de temerárias aventuras
militares pelo mundo.
A União Europeia é outro dos alvos
de Éric Zemmour, evidenciado nas citações acima. Tal como a desregulação
financeira protagonizada pelo "diable à deux têtes" incarnado
por Thatcher e Reagan (p. 232), a globalização económica, o horror do
liberalismo e a sacralização do mercado.
Seria uma lista interminável
enumerar os pontos fundamentais da obra. Num relance, e de memória: a criação
de hipermercados de proporções mastodônticas e a extinção do pequeno comércio
urbano, com a consequente desertificação da vida nas cidades; a imigração
descontrolada, nomeadamente maghrebina (aspecto caro ao autor) para satisfação
de certo patronato desejoso de mão-de-obra não reivindicativa e barata e o bem
intencionado mas desastroso reagrupamento familiar que permitiu a instalação e
reprodução no Hexágono de milhões de árabes, que sem horizontes de futuro
ingressaram na marginalidade; a nefasta influência do audiovisual
anglo-saxónico na cultura francesa; a "emancipação" da mulher, que
levou à destruição da família tradicional, ao aumento do desemprego pela sua
entrada no mercado do trabalho e ao abandono da educação dos filhos; a
desindustrialização do país e a deslocalização das empresas para países
emergentes; a sujeição da soberania nacional, à revelia do povo, a instituições
sem legitimidade democrática; o fascínio de uma certa elite francesa pelos
teóricos liberais americanos, que à volta de Milton Friedman começavam a
suplantar nas universidades além-Atlântico a velha guarda keynesiana; a entrada
da Inglaterra na Europa como o cavalo de Tróia americano; a lei Pleven de 1972
(a mãe de todas as batalhas) e a sua descendência (leis Gayssot, Taubira,
Lellouche, Perben) e o fim da liberdade de expressão em França (imigração,
islão, homossexualidade, história da escravatura, da colonização e da Segunda
Guerra Mundial, do genocídio dos judeus pelos nazis); a falsificação da
História pelo americano Robert Paxton no que concerne à Segunda Guerra Mundial
e ao Regime de Vichy (este capítulo, p. 87, é importante); a actividade
nefasta do sinistro Bernard-Henri Lévy e a deturpação sistemática da verdade no
seu livro L'idéologie française (p. 191); a actuação intempestiva do
CRIF a favor de Israel (p. 257) e a famosa resposta de De Gaulle ao grande
rabino de França: «Si c'est pour me parler des Français de confession juive,
vous êtes le bienvenu, si c'est pour me parler de mes relations avec l'État
d'Israël, j'ai un ministre des Affaires étrangères pour ça.»; a emergência do
poder gay; a carreira irresistível de Louis Schweitzer, responsável pela
destruição da Renault (p. 278); a questão dos símbolos religiosos; a
reunificação da Alemanha; a morte da democracia em Maastricht; a questão dos
nomes próprios; o fim do serviço militar obrigatório, sob Chirac; a
reintegração da França na NATO, por Sarkozy; a falhada criação por este do
Conselho Francês do Culto Muçulmano, à imagem do CRIF (p. 475); a traição do
eticamente duvidoso Jean-Claude Trichet como primeiro governador do Banco
Central Europeu, depois da "regência" de Wim Duisenberg (Trichet,
cujas primeiras palavras foram «I'm not French» e que motivaram o comentário
sarcástico do antigo vice-presidente britânico da Comissão, Christopher Soames:
«Dans une organisation internationale, il faut toujours mettre un Français, car
ils sont les seuls à ne pas défendre les intérêts de leur pays.») (Ainda não
conheciam Passos Coelho); a presença malfazeja de Thatcher na chefia do Reino
Unido: «I want my money back», «There is no alternative», «There is no such
thing as society»; a aberração do funcionamento da oligarquia imperial da União
Europeia: «Au fil des ans, un jeu de rôle se mit en place: les chefs de
gouvernement mettaient en scène leurs conflits au cours de "sommets
européens" médiatisés, défendant leurs "intérêts nationaux";
mais derrière la scène de ce théâtre, le vrai pouvoir instaurait les règles et
des normes qui s'imposaient à tous.» (p. 488); os tumultos juvenis em
França em Outubro de 2005; e tantos outros temas que o autor propõe à reflexão
dos leitores.
***
O livro abre com a evocação das
soleníssimas exéquias do general De Gaulle, em 12 de Novembro de 1970, em
Notre-Dame de Paris, com a presença dos chefes de Estado e de Governo de quase
todos os países do mundo e das mais altas personalidades da França. Entre os
presentes, Zemmour menciona André Malraux mas, se bem me lembro, o ex-ministro
da Cultura não esteve presente, assistindo ao funeral íntimo propriamente dito
(uma das raras pessoas autorizadas pela família) e à inumação no cemitério de
Colombey-les-Deux-Églises. Mas posso estar equivocado, já lá vão tantos anos.
Sem dúvida que Le suicide
français peca por excesso de informação, tornando a leitura por vezes
fastidiosa, e colocando ao mesmo nível factos inegavelmente importantes e fait
divers. O autor poderia ter reunido os temas principais, evitando o
desdobramento cronológico, a meu ver desnecessário, e facilitando a compreensão
do leitor, nomeadamente do leitor não francês. Mas são opções que importa
respeitar.
As convicções de Éric Zemmour não deixam lugar a dúvidas. O seu discurso identifica-se largamente com as posições da Frente Nacional, de Marine Le Pen e, nesse aspecto, distancia-se de Michel Houellebecq, o autor do outro best-seller da saison, também um conservador, mas cujo argumentário, porque ficcionado, lhe permite evitar posições de um controverso radicalismo.
É evidente que não subscrevo grande
parte das teses de Zemmour, nem perfilho a bondade das suas conclusões (algumas
francamente precipitadas), mas não posso deixar de reconhecer que ele procede a
um apurado diagnóstico dos males da sociedade francesa e que, em muitos casos,
a razão sobejamente lhe assiste.
Éric Zemmour tem a nostalgia de la grandeur de la France. Creio, porém, que trava um combate inelutável. È TARDÌ !
Éric Zemmour tem a nostalgia de la grandeur de la France. Creio, porém, que trava um combate inelutável. È TARDÌ !
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