sexta-feira, 9 de janeiro de 2015

HOUELLEBECQ E O ISLÃO




O escritor francês Michel Houellebecq (n. 1956), também cantor, realizador e actor, notabilizou-se em França, e no mundo, pela sua prosa melancólica e pérfida, caracterizada por um pessimismo antropológico e por um antiprogressismo conscientemente assumido. É hoje um dos autores contemporâneos de língua francesa mais lido e mais traduzido, inclusive em português, encontrando-se editados na nossa língua, pelo menos, os seus livros As Partículas Elementares e Plataforma. As suas ideias identificam-no especialmente com as teses da extrema-direita francesa e tornou-se célebre a sua afirmação, após a publicação de Plateforme, a uma entrevista da revista "Lire": «La religion la plus con, c'est quand même l'islam. Quand on lit le Coran, on est effondré… effondré!».

A sua xenofobia, as suas posições anti-islão, as suas obsessões sexuais (o turismo sexual que praticou nas praias tailandesas constituiu uma narrativa de sucesso), as suas convicções sobre a decadência do Ocidente, transformaram-no num autor de culto. Em 2010, após o seu nome ter sido anteriormente várias vezes evocado, recebeu finalmente o Prémio Goncourt pelo livro La Carte et le Territoire.

Pode considerar-se que Houellebecq é um provocador, e é, mas não pode ignorar-se, ou negar-se, que é um grande escritor, filosoficamente discípulo de Schopenhauer e literariamente na linha do realismo francês de Flaubert, Balzac e Stendhal. Muita gente, por razões várias, o compara a Céline.

Acontece que o ultimo livro de Michel Houellebecq (Soumission), que é a tradução francesa de Islam, em árabe, tinha previsto seu lançamento, que a Flammarion efectuou, para o passado dia 7 deste mês, o mesmo em que teve lugar o ataque à sede da revista satírica "Charlie Hebdo". Longe de mim pensar que tal acto fosse uma manobra publicitária à edição do livro, ainda não chegámos a tal extremo, mas não pode deixar de assinalar-se a coincidência, já que o assunto da obra é precisamente a ascensão do islão ao poder em França.

Num resumo muito simplificado, o tema é o seguinte: em 2022, após um segundo mandato de François Hollande (reeleição que a mim se afigura improvável, mas não é a opinião de Houellebecq), apresentam-se ao escrutínio para a presidência a  conhecida Marine Le Pen, e Mohammed Ben Abbes, politécnico e enarca, filho de um merceeiro tunisino emigrado em França, e presidente da "Fraternidade Muçulmana". Para evitar a eleição da líder da Frente Nacional, o PS, a UMP e a UDI apoiam o candidato muçulmano que nomeia François Bayrou como primeiro-ministro. Entrertanto registam-se em França mutações profundas. As mulheres deixam os empregos e regressam ao lar para se ocuparenm dos maridos e dos filhos, o que provoca uma drástica diminuição do desemprego, os problemas sexuais são resolvidos pela adopção da poligamia, a Arábia Saudita compra a Sorbonne e transforma-a numa universidade islâmica, os professores que se afastaram, convertem-se ao islão e são readmitidos com o triplo da sua remuneração anterior, e por aí fora.

Devo dizer que  os livros de Houellebecq que tive oportunidade de ler (não todos) me provocaram quase sempre uma profunda irritação, o que não é propriamente um demérito para o escritor. Pior fora que eu permanecesse indiferente. Mas importa acrescentar que essa irritação adveio de circunstâncias distintas. Uma, a de que muitas partes da sua obra são verdadeiramente provocatórias; outra, a de que Houellebecq permite-se ignorar o "politicamente correcto",  com o que até concordo, mas vai além disso: aniquila muitas das convicções que havíamos por adquiridas, desconstrói o nosso universo mental e confronta-nos com as  nossas próprias dúvidas acerca da bondade de coisas que, no fundo de nós, há muito vínhamos pondo em causa. É essa evidência de uma realidade que nos recusamos a admitir que suscita em  nós uma repulsa, mas também uma adesão, às teses do escritor.

Um dos pontos nevrálgicos da obra é a questão da religião e do ateísmo. Houellebecq preconiza um regresso á religião e sustenta que fracassada a "religião positiva"  de Auguste Comte uma sociedade não pode subsistir sem um regresso ao religioso. A propósito, recorde-se a frase, atribuída a André Malraux: «Le XXIe siècle sera religieux ou ne sera pas». 

 Para melhor elucidação do leitor, recomenda-se a consulta do nº 2618, de ontem, do L'Obs, que inclui precisamente um dossier sobre Houellebecq e o seu livro Soumission. Além de um texto introdutório, pode ler-se a estimulante entrevista do escritor e dois depoimentos, um do insigne catedrático e arabista Gilles Kepel e outro do famoso psicanalista Fethi Benslama.

Os mais recentes acontecimentos em França têm tudo a ver com esta obra.


2 comentários:

Zephyrus disse...

Um dos pontos nevrálgicos da obra é a questão da religião e do ateísmo. Houellebecq preconiza um regresso á religião e sustenta que fracassada a "religião positiva" de Auguste Comte uma sociedade não pode subsistir sem um regresso ao religioso. A propósito, recorde-se a frase, atribuída a André Malraux: «Le XXIe siècle sera religieux ou ne sera pas».

Gostaria de enviar-lhe algumas ideias sobre este tema. Escrever-lhe-ei um e-mail.

Blogue de Júlio de Magalhães disse...

Para Zephyrus:

Fico aguardando o seu contacto.