domingo, 21 de setembro de 2014

HEIDEGGER E O ANTISEMITISMO




A recente publicação na Alemanha, antecipada em relação à data prevista,  de três volumes (período 1931/1941) dos Cadernos Negros (o filósofo chamou-os assim não precisamente pelo conteúdo mas pela cor da capa) de Martin Heidegger (1889-1976), incluídos na Obra Completa  editada pela Klostermann, veio relançar a polémica sobre o antisemitismo do autor de Sein und Zeit (Ser e Tempo).

Durante quarenta anos, Heidegger anotou em 34 cadernos de capa preta as suas mais profundas reflexões - textos perfeitamente elaborados e não meras anotações de ocasião - destinadas a constituir, sem dúvida, uma evidente mensagem para a posteridade. O investigador alemão que orientou a publicação destes três tomos, Peter Trawny, chamou-lhe "um testamento filosófico". Atendendo à natureza das páginas consagradas ao judaísmo, o próprio Trawny não resistiu a publicar sobre as mesmas uma obra, Heidegger und der Mythos der jüdischen Weltverschwörung, que será editada esta semana em francês com o título Heidegger et l'Antisémitisme. Sur les "Cahiers Noirs".




A polémica sobre o antisemitismo de Heidegger é já antiga. E todos sempre souberam, especialmente em França, a primeira sucursal da internacional heideggeriana, que Heidegger era nazi. Sartre, Morin ou Jean Guitton visitaram-no em Friburg e o próprio Sartre resumiu a questão num dossier que "Les Temps modernes", em 1946, consagrou ao filósofo: «oui, il était nazi, et alors?» E o poeta René Char, antigo resistente, no fim dos anos 1960, convidou-o por três vezes para orientar em sua casa no Thor, perto de Avignon, um seminário privado.

Por isso, as revelações dos três volumes de Schwarze Hefte [(1931-38), (1938-39) e (1939-41)] não são surpreendentes. O antisemitismo de Heidegger manifesta-se aqui, segundo Trawny, fundamentalmente em três aspectos: 1) Associa os judeus ao "espírito de cálculo";  2) acusa-os de "viverem segundo o princípio racial"; 3) reprova-lhes a "ausência de solo" e o desenraizamento.


As convicções de Heidegger nunca abalaram, porém, a admiração dos seus fiéis, mesmo dos que eram judeus. Uma prova evidente é o caso de Hannah Arendt que foi sucessivamente sua aluna, sua amante, sua admiradora e também sua crítica e que permaneceu devotada ao Mestre até à morte deste. A relação entre ambos está convenientemente ilustrada no livro Hannah Arendt e Martin Heidegger, de Elzbieta Ettinger (1995), publicado em português em 2009.


Em 1987, Victor Farías publicou uma obra polémica, Heidegger e o Nazismo, editada em português em 1990, em que percorre a vida do pensador da Floresta Negra.

Martin Heidegger

No próximo mês de Janeiro, terá lugar na Bibliothèque National de France um colóquio intitulado «Heidegger et "les juifs"», com a participação de Peter Sloterdijk, Philippe Sollers, Bernard-Henri Lévy, Jean-Claude Milner, Blandine Kriegel, Barbara Cassin, etc., que permitirá um novo esgrimir de argumentos entre os que o consideram um filósofo perigoso e os que entendem que ele é indispensável para compreendermos  o mundo contemporâneo.

Que o antigo reitor da universidade de Friburg era nazi nunca constituiu segredo, como acima se escreveu, ainda que alguns tenham pretendido contornar a evidência. Aliás, Karajan, um dos mais notáveis maestros do século XX, também o foi. Que tivesse sido antisemita era uma tese mais controversa. Com a publicação dos Cadernos Negros - que serão editados em francês, na Gallimard, sob a responsabilidade do filósofo Marcel Gauchet - ficaram esclarecidas as dúvidas que porventura subsistissem.

A questão que permanece é, todavia, mais delicada. Pode um dos expoentes máximos da filosofia contemporânea, pensador incensado até à exaustão e intelectual universalmente respeitado, perfilhar a ideologia nazi e, além disso, ser convictamente antisemita? Em face do exposto, parece que a resposta é: Sim.

2 comentários:

João Alves disse...

Não me vou pronunciar sobre as simpatias de Heidegger pelo nazismo ou o seu antisemitismo. Mas é preciso distinguir entre uma crítica a determinados comportamentos associados a um povo, mesmo que a generalização seja injusta, e o ódio racial. É que correríamos o risco de considerar Eça de Queiroz anti-semita. Ou anti-britânico, por exemplo.

nuvorila disse...

Quando vejo um animal grasnar como um pato,voar como um pato,andar como um pato,nadar como um pato,o que farei se ando à caça de patos? Chumbo para cima da criatura!!!