terça-feira, 2 de setembro de 2014

A QUEDA DO MURO DE BERLIM




Pela sua pertinência, transcrevemos, com a devida vénia, o artigo hoje publicado no blogue "Duas ou Três Coisas"  e no "Diário Económico", pelo embaixador Francisco Seixas da Costa:


25 anos

 
 
Em 2014, deveríamos estar a celebrar a passagem de 25 anos sobre o fim do muro de Berlim, símbolo da Guerra Fria. Ora a verdade é que, pelo contrário, estamos a assistir à rápida reconstituição de um novo cenário de elevada tensão.
 
A Guerra Fria havia criado algumas “regras” na ordem internacional, numa leitura quase comum que ambos os lados iam aceitando daquilo que Ialta tinha desenhado. Fora desse indizível consenso, em várias zonas do mundo, onde conflituavam os poderes, continuaram-se a medir regularmente as forças, com avanços e recuos estratégicos que acabaram por evoluir de forma muito díspar.
 
O final da União Soviética mudou tudo isso e uma apressada revisão estratégica fez desaparecer quase todas as anteriores “regras”. Do lado ocidental, tudo foi visto como uma vitória, com maior ou menor exaltação. Do lado de Moscovo, nenhuma alegria foi partilhada e, pelo contrário, o fim do país foi sentido, pelos russos, como uma humilhação nacional.  
 
Aproveitando a janela de oportunidade criada pela fragilidade conjuntural de Moscovo, o Ocidente cuidou em alargar o seu modelo de segurança e de desenvolvimento a Estados do centro e leste do continente, na NATO e na União Europeia. Com os EUA como claro “backseat driver”, os europeus entenderam – e bem – que o acolhimento das novas democracias nesses “clubes” era, para além de um imperativo estratégico, um gesto de justiça histórica. Como forma de “compensação”, a Rússia seria cooptada para modelos de diálogo e cooperação cada vez mais integrados. Até na NATO, que mudaria de paradigma e que quase já só se preocupava com questões “out of area”. A UE deixou-se cair num diálogo economicista com Moscovo, descansada na miragem liberal de que já não pode haver guerras entre países onde se vendem Mac’Donalds.
 
A ressaca histórica russa gerou, entretanto, Vladimir Putin, que foi dando iniludíveis sinais da reconstituição de um modelo autoritário com que o Ocidente fingia poder ir convivendo. Do lado de cá, os traumas históricos bálticos e polacos, com uma cumplicidade errática de Berlim, foram influenciando a UE no sentido de “esticar a corda” com Moscovo. E viu-se então o espetáculo de Bruxelas a estimular, na Ucrânia, o derrube, por um golpe de Estado, de um presidente que havia sido democraticamente eleito, como forma a garantir em Kiev um governo favorável à relação privilegiada com o Ocidente.
 
A UE já havia sido complacente no modo inaceitável como as minorias russas foram tratadas nos Estados bálticos e, de forma irresponsável, nada cuidou em as tentar proteger na “nova” Ucrânia. O resultado está à vista: deu um pretexto nacionalista a Putin, para quem um tratado de Direito internacional é uma obra de ficção, e ao proteger sem limites nem moderação a tática prevalecente em Kiev, colocou-nos agora na soleira de uma guerra. Para regredirmos 25 anos, já só falta fazer ingressar a “Ucrânia de Kiev” na NATO.
 
 
 
Analisando com objectividade, somos forçados a constatar que a queda do Muro de Berlim, há 25 anos, foi realmente uma tragédia.

2 comentários:

Zephyrus disse...

Dia 18 de Setembro ocorrerá um evento de elevada importância para o futuro da Europa.

Caso o sim à independência da Escócia vença no referendo:

- o Partido Trabalhista terá mais dificuldade no futuro em vencer eleições no Reino Unido;

- Cameron provavelmente demitir-se-á;

- o Reino Unido como potência europeia ficará muito enfraquecido, o que será do agrado da Alemanha;

- os movimentos independentistas da Catalunha, Flandres ou Norte de Itália ganharão força;

- a desagregação do Reino Unido, Espanha, Bélgica ou Itália beneficiarão e muito o poderio alemão;

- recorde-se que já ocorreu a desagregação criminosa da Jugoslávia e está em marcha a destruição da Ucrânia;

- voltando à Escócia, a independência não trará nenhum benefício prático ao quotidiano dos escoceses e apenas sentimentos nacionalistas ultrapassados poderão justificar uma opção que, em boa verdade, prejudicará e muito o país;

- veremos ainda o impacto da independência da Escócia nos mercados financeiros.

Já agora, quem está a financiar estes movimentos nacionalistas em Espanha, Itália ou no Reino Unido? Qual a origem do dinheiro? Que pensa Bruxelas?

Até à data, não se conhecem movimentos independentistas com tamanha força e expressão na Alemanha...

Com o fim das grandes nações, a Alemanha terá ainda mais condições para «mandar» no Velho Continente.

Anónimo disse...

Notável esta resenha da história europeia recente. Está aí e veio para ficar a nova (velha) Rússia de Putin. Numa recente reunião de jovens lembrou, e muito bem, que a Rússia é uma potência nuclear. Temos portanto uma actualizada reedição da "Guerra Fria". Julgo porém que desta vez será quente, diria mesmo, a ferver!