quinta-feira, 26 de dezembro de 2013

ENTRE ÁRABES E PERSAS

 Segundo a "Voz da Rússia" (publicado hoje):

 Monarquias do Golfo Pérsico preparam-se para grande guerra

Golfo Pérsico, Omã, Irã, Arábia Saudita, Bahrein, Kuwait, Qatar, EAU

Monarquias do Golfo Pérsico estão formando forças coletivas de defesa que integram 100 mil pessoas. Pergunta-se em que grau esta decisão depende da crescente ameaça do lado do Irã.

Em meados de dezembro, o Conselho de Cooperação de Estados Árabes, em que entram seis monarquias árabes – Bahrein, Qatar, Kuwait, Emirados Árabes Unidos, Omã e Arábia Saudita, anunciou a formação de um comando militar único com a sede em Riad. Como se espera, este agrupamento será encabeçado por um militar saudita. Contudo, a rigor, as forças unidas de intervenção rápida deste grupo de países já existiam antes. Mas agora trata-se de um novo nível de cooperação militar-política, considera Elena Melkumyan, professora da cátedra do Oriente Contemporâneo da Universidade Humanitária de Estado da Rússia:

"Hoje, assiste-se a um alagamento, ao aumento do número de efetivos dessas forças. Em termos gerais, as monarquias do Golfo Pérsico dispensam hoje mais atenção à cooperação militar. Por um lado, estão continuando aquilo que foi feito antes. Por outro, novas circunstâncias obriga as monarquias a acentuar a temática defensiva. Veem a maior ameaça no Irã. Hoje, este país começou a negociar com os Estados Unidos, concluindo um acordo preliminar em Genebra sobre seu programa nuclear. E os Estados do Golfo Pérsico dão-se conta de que a situação está mudando. Enquanto antes eles confiavam no papel de contenção dos Estados Unidos na confrontação com o Irã, hoje têm que contar mais com suas próprias forças."

Não se deve pensar que as monarquias do Golfo Pérsico representam um monólito militar-político. São unidas em certo grau pela forma de governo, o Islã de orientação sunita e a existência à conta de venda de hidrocarbonetos. Contudo, as contradições entre os participantes do bloco são bastante grandes e, numa outra situação, poderiam, possivelmente, impedir a futura integração. Mas, face ao Irã, que está ganhando força, as monarquias estão dispostas a esquecer muitas coisas, considera Vasili Kuznetsov, colaborador científico do Instituto de Orientalística da Academia de Ciências da Rússia:

"É evidente que a situação na região do Golfo Pérsico agrava-se cada vez mais. Há duas potências concorrentes parecidas – a Arábia Saudita e o Irã. O Conselho de Cooperação sempre foi uma organização que deveria unir as monarquias do Golfo contra o Irã. A ameaça é real e a luta é séria. Por outro lado, desde o ponto de vista da capacidade combativa, nenhum exército do Golfo pode ser equiparado ao iraniano. Qualquer que seja o abastecimento técnico, os iranianos combatem melhor. Ao mesmo tempo, a probabilidade de ações militares entre estes países é muito pequena por diferentes causas, em primeiro lugar graças a um alto grau de pragmatismo dos regimes iraniano e saudita. A meu ver, a formação das forças conjuntas de defesa é um passo político positivo para as próprias monarquias árabes, que prova sua capacidade de chegar a um consenso, e não é uma resposta a mudanças reais na esfera da segurança."

Possivelmente, a formação das forças unidas de defesa das monarquias do Golfo Pérsico é um sinal dados aos americanos, que, na opinião de Riad, sejam envolvidos profundamente na regularização das relações com o Irã. Sabe-se que a política externa independente dos sauditas depende estreitamente da parceria estratégica com Washington. Os Estados Unidos são o único garante da segurança da Arabia Saudita na região.

Seja como for, mas a aliança militar das monarquias do Golfo Pérsico, cujos contornos se tornam cada vez mais evidentes, é capaz potencialmente de influir negativamente na região, contribuindo para o crescimento da tensão entre Riad e Teerã.

2 comentários:

António disse...

Caro Júlio

Permita-me que discorde bastante deste texto. É interessante, mas não me parece muito verdadeiro. A união das monarquias do golfo é pouco mais do que uma miragem. Oman já avisou que não queria mais integração. Qatar e EAU estão a fortalecer e testar o seu músculo, também para evitar serem satélites sauditas (ou, como o Bahrain, estados vassalos). Quanto à ameaça iraniana, parece-me que é precisamente ao contrário do que diz o artigo. A ameaça não é militar. O que os sauditas temem é precisamente a amizade iraniana, ou seja, que o petróleo iraniano entre no mercado mundial. Que a sua economia, mais diversificada e independente que a saudita, os torne numa superpotência regional. São os sauditas, juntamente com os israelitas, que parecem querer que o Irão seja uma ameaça militar mundial. E são estes que estão mais incomodados com o apaziguamento do novo presidente iraniano. Os melhores cumprimentos. António

Blogue de Júlio de Magalhães disse...

PARA ANTÓNIO:

O autor do artigo não deixa de recordar as diferenças e contradições entre os vários países do Golfo, embora pensando que possam unir-se face a uma ameaça iraniana.

É claro que a Arábia Saudita e Israel são quem mais se incomoda com o levantamento de sanções ao Irão e com os laços que este país possa renovar com o Ocidente.

A questão religiosa também é relevante. Ainda que todos sejam muçulmanos, o xiísmo iraniano é olhado com grande receio pelos sunitas sauditas e do Golfo. E o problema do Bahrain (xiíta governado por sunitas) pode ressurgir a todo o momento.

O apoio de Teerão à Síria de Assad e ao Hizbullah é uma cartada importante dos iranianos e desagrada aos sauditas não só militarmente mas também porque, enfraquecido o Egipto, o Guardião das Duas Mesquitas Sagradas pretende impor a sua hegemonia senão a todo o mundo islâmico, pelo menos a todos os sunitas.

Aguardemos a evolução em 2014.

Cumprimentos,

Júlio