sexta-feira, 6 de dezembro de 2013

AS MÁSCARAS DE "UM BAILE DE MÁSCARAS"



Gustavo III

O recente visionamento de Un Ballo in Maschera, de Verdi, na célebre produção de 1989 em Salzburg, encenada por John Schlesinger, que deveria ter sido dirigida por Herbert von Karajan, falecido dias antes da estreia e que foi, oportunamente substituído por Georg Solti, recordou-me as peripécias desta ópera.

Como se sabe, o tema é o assassinato do rei Gustavo III da Suécia, durante um baile de máscaras, na Ópera Real de Estocolmo, em 16 de Março de 1792. Sobre este acontecimento, Eugène Scribe escrevera um libretto para o compositor Daniel-François-Esprit Auber, cuja ópera, que subiu à cena em Paris em 27 de Fevereiro de 1833, se chamou Gustave III ou le Bal masqué. O espectáculo alcançou grande sucesso e Verdi apaixonou-se pelo assunto, tendo pedido um libretto ao seu colaborador Antonio Somma que, para o efeito, recorreu ao texto escrito por Scribe, efectuando as convenientes modificações e adaptações ao estilo verdiano.

Contudo, a censura de Nápoles recusou a ópera em 1859, com o pretexto de que não se mata um rei em cena. Para mais, algum tempo antes verificara-se uma tentativa de assassinato do imperador Napoleão III. Para satisfazer as exigências dos censores, Verdi deslocou a acção para Stettin, transformando o protagonista em duque da Pomerânia. Não chegou. Para a Casa das Duas Sicílias também era inconveniente a morte de um duque. Verdi resolveu então transferir a acção para a América e o rei Gustavo III  tornou-se o Conde Riccardo de Warwick, governador de Boston. O seu assassino, o jovem aristocrata Johan Jakob Anckarström passou a ser Renato, secretário e amigo fiel do governador.

A causa do assassinato é a suspeita (ou mesmo a certeza, dadas as circunstâncias) de Renato de que a sua mulher Amelia, é amante do governador. Aliado aos condes Adolf Ludvig Ribbing e Claes Fredrik Horn (na ópera Samuele e Tom) que conspiram por razões políticas, Renato, cego pelo ciúme, dispara o tiro fatal.

Habitualmente, é a versão "americana" que é apresentada, e só muito raramente a ópera se passa em Estocolmo, protagonizada pelo rei Gustavo III, o que, felizmente acontece na grandiosa produção a que nos referimos no início.

Assim, só com uma máscara a ópera pôde fazer carreira, constituindo um dos marcos na obra de Verdi.

Mas há mais. Existe uma outra máscara que não foi devida a qualquer censura oficial, senão à censura dos "bons costumes" da época. O rei da Suécia não terá sido assassinado por razões sentimentais ou mesmo políticas, apesar da contestação do seu governo por parte de muitos nobres. A causa seria o resultado de intrigas e rivalidades homossexuais, já que Gustavo III era gay (*) e vivia rodeado de muitos favoritos, entre os quais Axel von Fersen, Adolf Muell, Johan Aminoff e Gustave Arnfelt. Duvidava-se mesmo da paternidade do seu primeiro filho.



Na produção de Salzburg, que se incorpora, é evidente a preocupação do encenador John Schlesinger em salientar essa tendência do monarca, apresentando, no I e no III actos, o rei rodeado de jovens e bonitos cortesãos.

E assim se faz a arte e a história.

(*) Michel Larivière, Homosexuels et bisexuels célèbres, Delétraz Editions, 1997 (pág. 171)

1 comentário:

Anónimo disse...

Não fazia ideia destas máscaras. É sempre bom aprendermos alguma coisa. E muito se aprende com o autor deste blog