segunda-feira, 30 de dezembro de 2013

AUTO-DA-FÉ




Talvez sugestionado pela recente leitura de Alfabetos, de Claudio Magris, resolvi reler uma obra maior da literatura do século passado: Auto-da-Fé, de Elias Canetti, numa edição velha de 30 anos, pelo menos, mas sem data de publicação, existente na minha biblioteca.

O original, com o título Die Blendung (o brilho intenso que cega), foi publicado em Viena, em 1935, e depois traduzido em várias línguas. Obra longa de 400 páginas, protagonizada pelo Dr. Peter Kien, o sinólogo homem-livro (Büchermensch esteve para ser o título do livro), o seu projecto inicial constava de oito novelas que vieram a transformar-se no grosso volume finalmente dado à estampa.

A primeira parte é uma consolação para todos os bibliófilos: Kien, que possuía em casa oitenta mil livros, chegou ao ponto de pedir ao senhorio autorização para entaipar as janelas, para poder colocar nesse espaço mais estantes. Saía de casa todas manhãs, mas bem cedo, para contemplar as montras das livrarias antes que estas abrissem, a fim de não ser tentado a comprar mais livros. E nesses passeios pela cidade transportava sempre uma pasta cheia de livros.

Pela obra perpassam algumas figuras grotescas, como a governanta Teresa, o anão Fischerle ou o porteiro Pfaff, numa sequência de alucinantes situações que não é possível aqui descrever. O casamento de Kien com Teresa, para proteger-se e à sua biblioteca, acaba por determinar a sua expulsão de casa e todas as aventuras subsequentes ocorridas no degrau ínfimo da escala social, até ao incêndio em que será consumido juntamente com a biblioteca, o auto-da-fé que servirá de título às edições europeias ocidentais.

 Elias Canetti (1905-1994), nasceu na Bulgária e em 1911 emigrou com os pais, judeus espanhóis, para Inglaterra. Depois da morte do pai, viveu em Zürich, em Frankfurt e, finalmente, em Viena, onde estudou química, acabando por abraçar a filosofia e a literatura. O incêndio do Palácio da Justiça, de Viena, na revolta operária de 15 de Julho de 1927, e a repressão que se seguiu, marcaram a sua vida. A queima de livros, por essa e por muitas outras razões, tornou-se-lhe uma obsessão, que se reflecte no livro em apreço.

A vasta obra de Canetti, designadamente Auto-da-Fé, Masse und Macht (Multidões e Poder) e as memórias, valeram-lhe, entre outras distinções, o Prémio Nobel da Literatura em 1981. Embora cidadão britânico, viveu em Zürich a maior parte dos últimos 20 anos da sua vida.

O livro de viagens, Die Stimmen von Marrakesch (1968), dedicado à sua primeira mulher, Veza, está publicado em português com o título As Vozes de Marraquexe.

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