terça-feira, 3 de dezembro de 2013
AUSTERIDADE
O economista escocês Mark Blyth (n.1967), professor da Brown University (Providence, EUA), publicou no princípio do ano um livro sobre a actual situação económica e financeira mundial, intitulado Austerity - The History of a Dangerous Idea, que entretanto foi traduzido em várias línguas, incluindo a portuguesa.
A ideia do livro, que lhe foi sugerida por um amigo, atendendo aos seus estudos sobre a matéria, entusiasmou-o e concretizou-se na presente obra, cuja oportunidade não carece de ser enaltecida. De facto, e em especial na Europa, a palavra "austeridade" circula de boca em boca e justifica as medidas governamentais mais incríveis e as injustiças mais flagrantes. Aliás, ela é exactamente evocada para justificar essas mesmas medidas e permitir a instauração de um estado de excepção nos Estados, cuja finalidade é a redução destes ao mínimo de intervenção na vida pública. Como o delírio não tem limites, ignora-se até onde os corifeus do neo-liberalismo absoluto pretendem limitar a acção estatal.
Apesar dos discursos dos políticos da nova ortodoxia (que se desembaraçou da economia keynesiana), é consensual entre os economistas que não sacrificam no altar de Merkel e do IV Reich que a austeridade produz recessão, a recessão impede o crescimento e, em consequência, aumenta a dívida, a hoje tão propalada "dívida soberana". A crise financeira nos Estados Unidos, que alastrou à Europa (e ao mundo), provocou um verdadeiro abalo no sistema financeiro internacional, nomeadamente no sistema bancário, e levou os estados a criarem o jargão da "austeridade" para salvarem a banca, já que os países do norte da Europa (maxime Alemanha) se opõem aos eurobonds, à mutualização da dívida, a todas as medidas que possam, de alguma forma, colidir com os seus interesses específicos, numa clivagem Norte/Sul que passou a substituir a ideologia Direita/Esquerda. Ainda agora, na coligação CDU/SPD, Merkel apenas aceitou medidas de "esquerda" para vigorarem na Alemanha, recusando qualquer compromisso de solidariedade com os países do Sul.
Por razões muito diversas, que não por serem os seus habitantes preguiçosos, são especialmente os países do sul da Europa os mais atingidos pelas políticas da austeridade: a Grécia, a Irlanda, Portugal, a Espanha, a Itália e, mesmo, a França. Cada um com os seus problemas particulares. As receitas para a crise, aplicadas pelas troikas impostas pela Comissão Europeia, Banco Central Europeu e Fundo Monetário Internacional, são as mesmas. A Espanha e a Itália evitaram até agora o resgate e não parece crível que venham a sujeitar-se ao mesmo. A Grécia, a Irlanda e Portugal têm situações diferentes. Na Grécia, o remédio tem sido catastrófico. Na Irlanda, parece que as coisas se recompõem lentamente. Em Portugal, o cenário é o que conhecemos.
Como afirma Mark Blyth, a história da austeridade é a história de uma ideia perigosa. Escreve o economista: «O facto de pura e simplesmente não funcionar é a primeira razão pela qual a austeridade é uma ideia perigosa. Mas também é uma ideia perigosa porque o modo como a austeridade está a ser apresentada, tanto pelos políticos como pelos meios de comunicação - como o retorno de uma coisa chamada "crise da dívida soberana", supostamente criada pelos Estados que aparentemente "gastaram de mais" -, é uma representação fundamentalmente errada dos factos. Esses problemas, incluindo a crise dos mercados de obrigações, começaram com os bancos e acabarão com os bancos. A confusão actual não é uma crise da dívida soberana gerada por gastos excessivos seja de quem for, à excepção dos gregos. Quanto a todos os outros, o problema são os bancos pelos quais os fundos soberanos têm de se responsabilizar, especialmente na zona euro. O facto de lhe chamarmos "crise da dívida soberana" sugere uma política muito interessante de "engodo e desvio" em acção.» (pág. 21 da edição portuguesa).
Mark Blyth recorda também o filme Inside Job, sobre a crise financeira e a que nos referimos aqui e aqui. A política actualmente seguida de destruição do Estado Social, de cancelamento do investimento público, de desregulação dos mercados, de desagregação do tecido social não permitirá o pagamento da dívida, antes provocará uma explosão de violência, a que Mário Soares se referiu já em Portugal e o Papa Francisco denunciou ao Mundo. O autor sustenta com números a sua argumentação (o livro foi editado pela insuspeita Oxford University Press e lembra que «os 400 norte-americanos mais ricos têm mais activos do que os 150 milhões de base, enquanto 45 milhões de norte-americanos, cerca de 15 por cento da população, vivem em famílias de quatro pessoas que ganham menos de 22 314 dólares por ano.» (pág. 33) [na edição original a cifra não é de 45 mas de 46 milhões].
É evidente que o empobrecimento incessante das nações provoca uma significativo aumento das desigualdades sociais, e que, em muitos países, uma parte da população se encontra já no limiar da pobreza, quando não na mais completa indigência. «Populismo, nacionalismo e apelos ao regresso de "Deus e dinheiro" em doses iguais é o que a austeridade desigual gera, e ninguém, nem mesmo os do topo, beneficia. Num mundo tão desigual e austero, os que partem do fundo da distribuição do rendimento ficarão no fundo, e, sem possibilidades de progresso, de "melhoria da situação de uma pessoa", como diz Adam Smith, o único movimento possível é um movimento violento. Apesar do que a Srª Thatcher terá dito um dia, não só existe uma coisa chamada "sociedade", como nós vivemos nela, tanto os ricos como os pobres, para o melhor e para o pior.» (pág. 36).
Não sendo possível alongar-me em considerações e citações (a edição portuguesa tem 400 páginas), recomendo a leitura desta obra.
Concluindo, nas circunstâncias actuais, a dívida portuguesa é impagável, qualquer que seja a dose de austeridade. Aliás, quanto maior a austeridade, mais difícil a possibilidade de pagamento.
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