domingo, 21 de abril de 2013

UM LIVRO INDISPENSÁVEL




Foi publicado há um mês o mais recente livro de Gabriel Matzneff, Séraphin, c'est la fin!. Trata-se de uma obra que recolhe 60 textos do autor, de 2005 a 2012 (ainda que alguns sejam anteriores a este período), publicados em diversos jornais e no seu site, ou relativos a conferências.

Escritor controverso, o que os franceses chamam sulfureux, Gabriel Matzneff é autor de uma vasta obra que engloba vários géneros literários: romance, conto, ensaio, poesia, diário íntimo. Oscilando entre um sentimento religioso de raiz ortodoxa (devido à sua ascendência russa) e um proselitismo libertário, Matzneff insurge-se contra a "nova ordem mundial" «pregada pelos fariseus glabros de Além-Atlântico e os excitados barbudos da Arábia que, uns e outros, pretendem reger os nossos costumes e estender a sua sombra sobre o planeta». Sem prejuízo da simpatia que Matzneff dispensa aos árabes (que não os actuais fundamentalistas islâmicos) e tenha escrita um livro intitulado Le Carnet arabe. «Lorsque le décervelage opéré par les media, les sales guerres de l'impérialisme américain, la bruyante omniprésence des mufles du tourisme de masse, les mercuriales des tartuffes culs-bénits et des tartuffes bouffeurs de curés, les prurigineux anathèmes des quakeresses de gauche et des psychiatres de droite, s'emploient à détruire tout ce qui constitue le charme et le sel de la vie, un écrivain épris de liberté a d'autant plus le devoir de se répéter que cette liberté est désormais tenue pour subversive, sulfureuse».



Para Matzneff, a sua geração viveu um breve período de euforia libertária, que durou em França cerca de 12 anos, de 1970 a 1982 mas que terminou, por razões que talvez os sociólogos possam explicar. «Nous aurions pu espérer qu'avec le siècle nouveau, un juvénile souffle de liberté dissiperait ces miasmes pharisaïques. Il n'en a hélas rien été. Nous sommes dans le douzième année du siècle. et le politiquement correct, le sexuellement correct, n'ont jamais été aussi frétillants. Il ne se passe pas une semaine qu'on ne nous explique ce que nous devons manger - cinq fruits et légumes par jour! -, fumer, penser, écrire, publier, aimer, et surtout ce que nous n'avons pas le droit de manger, de fumer, de penser, d'écrire, de publier et d'aimer».

Ao longo destes textos (como, aliás, da sua obra) Matzneff manifesta a sua profunda aversão pelos americanos (o que só prova a lucidez do seu espírito) e pelas suas guerras, insurge-se contra as invasões da Sérvia, do Iraque, da Líbia, manifesta a sua admiração por Qaddafi (lamentando o espalhafato dos seus últimos tempos e de quem predisse o fim muitos anos antes do seu assassinato), recorda que as vítimas de Saddam Hussein, durante o período em que esteve no poder, foram infinitamente inferiores às provocadas pela coligação anglo-americana. Todavia, a conferência que proferiu no anfiteatro da Maison des étudiants da Universidade de Bordéus 3, em 14 de Dezembro de 2007, intitulada "À propos du viol", aquando do colóquio internacional "Viol, violence, corps et identité", por se tratar de uma intervenção notável, justifica, só por si, a leitura do livro.

Ocioso será referir que Gabriel Matzneff é um homem de profunda erudição, e que qualquer pessoa, ainda que dotada de grande cultura, aprende sempre algo com ele. Por isso, os seus livros reúnem um vasto leque de admiradores, e apreciadores, e criam sempre a necessidade de conhecer o conjunto da sua obra.

Julgo que poderia subscrever a totalidade das asserções de Matzneff, à excepção de uma: chamar sistematicamente mahometanos aos muçulmanos, quando a última designação é a correcta, sendo a primeira a utilizada durante séculos passados mas que desde há muitas décadas caiu em desuso. Possivelmente que não o faz por lapso, mas intencionalmente, pois não poderá ignorar que "muçulmano" é a palavra correcta. Empregará "mahometano" por convicção, talvez porque os seguidores de Cristo são cristãos e que os muçulmanos são seguidores de Maomé. Só que, religiosamente falando, Cristo é Deus e Maomé é tão só um profeta de Deus (Allah).

Em Séraphin, c'est la fin!, Matzneff recorda-nos alguns escritores da maior importância que estão praticamente esquecidos, pelo menos do público em geral, designadamente escritores russos, enaltece a nossa herança greco-romana, conta-nos episódios da sua vida pessoal, presta homenagem a Casanova, procede a alguns ajustes de contas literários, procura conciliar o sentimento religioso (a ortodoxia) e a vida libertina (segundo o conceito vigente).

Oxalá estas breves notas suscitem nos meus leitores o desejo de lerem este último livro de Gabriel Matzneff.

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