terça-feira, 24 de janeiro de 2012

CAVACO SILVA


As recentes declarações de Cavaco Silva sobre as suas pensões de reforma provocaram uma onda de indignação no país. O que mais terá irritado os portugueses, creio, não terão sido tanto as lamentações de que o dinheiro não lhe chega para pagar as despesas do quotidiano (apesar de, nas funções de presidente da República, dispor de regalias que o dispensam praticamente de suportar encargos de renda, água, electricidade, gás, alimentação, transportes, telefones, internet, televisão, e nem sei quantas mais coisas) mas o ter mencionado com ênfase a pensão da Caixa Geral de Aposentações (€ 1.300), mas declarando ignorar a pensão de reformado bancário, que deverá atingir os € 8.700, já que ambas as pensões totalizam cerca de € 10.000. Esta premeditada ocultação, já que se dispusera a falar sobre a matéria, é realmente insuportável, quer porque se trata de uma afirmação pública do chefe do Estado, quer porque Cavaco Silva tem insistido, no decurso da sua longa carreira política, em considerar-se uma referência moral, acima do comum da maioria dos portugueses.

Enquanto primeiro-ministro, ao longo de dez anos, e beneficiando dos dinheiros comunitários, Cavaco Silva governou o país com um certo à vontade financeiro, não se importando, todavia, de permitir ou mesmo incentivar a destruição do tecido económico nacional (que agora tanta falta nos faz), a fim de satisfazer as disposições comunitárias que atribuíam aos países da Europa Central, maxime França e Alemanha, as competências europeias em matéria económica, que neste momento se revelam um esbulho  e um desastre.

As suas qualidades, ditas excepcionais, de governante, tão incensado no seu tempo, começam a revelar-se, com o efeito de distanciação, menos preclaras do que à época. E a sua permanência em Belém não goza, desde o início, do estado de graça de que desfrutou na chefia do Governo. Tem havido já demasiados equívocos. Limito-me aos mais comentados: o estatuto dos Açores, a polémica das escutas (que nunca se chegou a compreender o conteúdo), as liaisons dangereuses com os seus homens de confiança (dois estão presos; um, a quem nomeara conselheiro de Estado, parece que está oculto, etc.). Sem querer alargar-me nas contradições do seu percurso apenas mais um exemplo: o ter afirmado ainda há dias que o Orçamento do Estado não respeitava a equidade fiscal e depois tê-lo promulgado sem sequer ouvir o Tribunal Constitucional.

Desta vez, os portugueses francamente não gostaram. Porque, como costuma dizer o dulcamariano prof. Marcelo, pode enganar-se uma pessoa durante todo o tempo, pode enganar-se muitas pessoas durante algum tempo, mas não se pode enganar toda a gente durante o tempo todo. Assim, o assunto preenche a imprensa, a rádio (nos fóruns matinais de hoje ouviram-se  os mais violentos protestos), a televisão (Pedro Marques Lopes foi contundente, ao contrário do que é hábito), as redes sociais, os cartazes e, até, uma petição na rede pedindo a resignação de Cavaco Silva que conta, neste momento, com cerca de 30.000 assinaturas. Além da manifestação de hoje à tarde, frente ao Palácio de Belém, onde foi pedido a todos os participantes uma moeda para ajudar Cavaco Silva.

Pelas mais variadas razões, não creio que Cavaco Silva vá resignar, o que não constituiria qualquer desonra. O escritor Manuel Teixeira Gomes, uma figura intelectualmente muito superior a Cavaco Silva, também resignou do cargo nos idos anos 20. Mas Cavaco está demasiado agarrado ao poder vigente para sair nesta altura.

Estou certo de que muitos dos que nele votaram para este segundo mandato se encontram desiludidos, embora não se prefigurassem então alternativas suficientemente credíveis, por força de uma lacuna da nossa lei eleitoral. E, sendo a sua eleição obviamente legítima, é bom não esquecer o número recorde de abstenções, que ultrapassaram os 50%, o que significa que mais de metade dos cidadãos com capacidade eleitoral tenha achado que os candidatos em presença não lhes ofereciam as garantias mínimas para a chefia do Estado.

Estamos, pois, com um problema de representação nacional, que convém não escamotear, pois tal exercício só poderá contribuir, inequivocamente, para agravar a actual situação.

A fragilidade da presidência da República era neste momento o menos desejável, face a um governo "mais papista do que o papa", que - cego, surdo e mudo -, se empenha em prosseguir uma política, espero que não sinceramente (tal levantaria a maior inquietação sobre a saúde mental dos seus autores), que nos conduzirá à catástrofe, como dentro de pouco tempo se poderá concluir.

Eu sei que há compromissos internacionais, e não são apenas económicos e financeiros, mas políticos (globalização a quanto obrigas). Mas também creio que, nos meandros dos compromissos nacionais e internacionais, surgirão inevitavelmente muitas vozes de protesto. Para citar os versos inspirados de um poeta que não soube ser político: "Há sempre alguém que resiste! Há sempre alguém que diz não!".

1 comentário:

Anónimo disse...

Pois... nem mais, caro bloger! Então a pessoa em questão que, sempre se quis manter como um outsider da política e, anda à 30 anos a pisar todas as salas e corredores alcatifados de tudo quanto é palácio do poder, quer seja aqui, quer seja noutro qualquer país, atreve-se a insultar toda uma população? Para além de mau político, que o é, é ainda por cima, mentiroso. É possível acreditar-se num PR mentiroso? Tentou fazer o exercício do pobrezinho, se calhar para fazer algum favor ao governo e, de uma penada, para que os portugas ignaros, tivessem pena do coitado. Tirando isto, só pode ser Halzeimer ou outra qualquer patologia, que o impede de continuar a exercer o mais alto cargo da nação.
Como dizia o outro senhor: obviamente, devia demitir-se já!!!!!!!! claro que o não fará. Entretanto, eu gostaria de saber onde param os outros cerca de 9.000,00 Euros que a personagem se "esqueceu" de mencionar. Se alguém souber, avisem-me, pois dava-me muito jeito.
Marquis