O ex-primeiro-ministro iraquiano Iyad Allawi foi o vencedor das eleições legislativas realizadas no passado dia 7 e cujos resultados oficiais acabam de ser divulgados. A lista liderada por Allawi, um xiita laico e nacionalista, obteve 91 lugares no Parlamento contra 89 da lista do primeiro-ministro em funções Nuri al-Maliki. A Aliança Nacional Iraquiana, coligação de partidos religiosos xiitas, obteve apenas 70 lugares e a coligação de partidos curdos não passou dos 43.
Não se podendo considerar livres eleições realizadas num país ocupado, decorre desta votação um regresso significativo dos árabes sunitas, que tinham sido completamente marginalizados após o derrube de Saddam Hussein.
Entretanto continuam a verificar-se explosões no Iraque e ignora-se se Allawi terá possibilidades de formar um governo de coligação e de se iniciar uma pacificação do país.
É claro que haverá (já há) protestos relativamente à contagem dos votos, dado que al-Maliki perdeu a maioria por 3 votos em relação a Allawi.
A situação no Iraque está ainda muito longe de uma normalização.
I. Na sua última edição, o Expresso noticiou o seguinte: o governo está a pensar em demitir Manuel Maria Carrilho do cargo de embaixador de Portugal na UNESCO. Isto porque Carrilho - contrariando as indicações deste governo - recusou votar em Farouk Hosni para o cargo de director-geral da UNESCO. II. Vamos por partes. Manuel Maria Carrilho fez muito bem em recusar apoiar Farouk Hosni. Ou seja, fez muito bem em recusar seguir as indicações do governo. Porque Hosni é um conhecido anti-semita. É uma vergonha para a ONU ter um homem como Hosni à frente da UNESCO. É uma vergonha para Portugal ter um governo que apoia a nomeação de Hosni . E é um orgulho para Portugal ter alguém como Carrilho a criticar - nem que seja de forma passiva - a nomeação de Hosni. III. É, no mínimo, vergonhoso que o governo de Portugal demita Manuel Maria Carrilho por causa disto. Os negócios com a Líbia e demais Estados anti-semitas não permitem tudo, meus caros José Sócrates e Luís Amado. Há limites. Uma coisa é fazer negócios com ditaduras. Uma coisa que toda a gente faz. Outra coisa, bem diferente, é esta bajulação torpe das posições anti-semitas da malta com quem Vossas Excelências fazem negócios. Se Manuel Maria Carrilho for demitido, muita coisa terá de ser explicada. Portugal, meus caros, não pode apoiar, activa ou passivamente, pessoas ou Estados anti-semitas. IV. Para terminar, não se percebem estas viagens de negócios feitas por Amado e Sócrates (Venezuela, Líbia, etc.). Uma democracia não corteja assim regimes ditatoriais. Os negócios devem ficar com os empresários, e não com os políticos. Lá fora, tal como cá dentro, José Sócrates prossegue na sua política de promiscuidade entre política e negócios.
Trata-se de uma notícia incorrecta, pois, ao contrário do que escreve Raposo, Hosny não foi eleito director-geral da UNESCO. Embora o voto português (através do nº 2 de Portugal junto da UNESCO, devido à recusa de Carrilho) recaísse em Hosny, foi eleito outro candidato, a ex-embaixadora em França e actual representante da Bulgária na UNESCO, Irina Bukova.
Henrique Raposo mistura depois votações, negócios, bajulações, promiscuidade, ditaduras, anti-semitismo, etc. Da forma como a notícia está escrita, poderemos perguntar-nos também se Henrique Raposo não estará ao serviço do sionismo internacional?
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Transcrevo, a propósito, o que escrevi num comentário a um post publicado no blogue "Portugal dos Pequeninos", em 23 de Setembro passado:
Faruq Hosny não é propriamente um primata no sentido em que a palavra foi aqui utilizada.
Pelo contrário, é um homem muito civilizado, pintor de reconhecidos méritos, que exerce desde 1987 o cargo de ministro da Cultura do Egipto.
Deve-se-lhe o grande desenvolvimento da actividade da nova Ópera do Cairo, construída após o incêndio do anterior edifício, mandado erguer por Ismaïl Pacha, a reconstrução e reabertura da Ópera de Alexandria (o Teatro Sayyed Darwich), a criação da Companhia de Bailado (clássico e moderno) da Ópera do Cairo, a criação da Orquestra Nacional, a reabilitação do imenso património do Velho Cairo (desde os Fatimidas), a construção (em curso) do novo Museu Egípcio (para substituir o anterior muito degradado) junto às pirâmides de Gizeh, a criação do novo Museu da Civilização (construção em curso), o apoio às pesquisas sempre em curso relativamente ao Egipto Faraónico, o apoio precioso às actividades da Biblioteca de Alexandria, etc., etc.
Tem assumido posições muito heterodoxas na sociedade egípcia, nomeadamente quando criticou o uso do véu nas mulheres, que considerou coisa retrógrada, o que lhe valeu as críticas mais acerbas dos sectores islamistas.
Proferiu mais recentemente algumas declarações polémicas relativamente aos livros israelitas (não judeus) que desejaria ver queimados nas bibliotecas egípcias. Foram declarações infelizes (não conheço nem o texto nem o contexto em que foram proferidas), pois é condenável tudo o que aluda à queima de livros, sejam eles quais forem.
Acontece que Faruq Hosny é homossexual, condição que é do conhecimento público em todo o Egipto. Por isso, os sectores fundamentalistas não perdem ocasião de o criticar e de pedir a sua demissão. São inúmeras e sistemáticas as referências à sua orientação sexual na imprensa egípcia, umas veladas, outras claras e só a protecção do presidente Mubarak (e de sua mulher Suzanne) o tem segurado no lugar.
Admito, assim, que por vezes possa emitir alguns juízos menos serenos na tentativa de dar satisfação aos seus mais ferozes inimigos. Consta-me, aliás, que se retratou das infelizes declarações que proferiu.
Confesso que também não percebo a posição de Carrilho. Em primeiro lugar as votações para estes lugares são decisão governamental e não compete ao embaixador ter estados de alma. Depois, sendo Carrilho um homem inteligente, ou quis fazer um número, ou então ignora quem é Faruq Hosny, o que não me causa admiração, já que a cultura de Carrilho se alicerça fundamentalmente na Herança Ocidental.
Gostaria que o autor do post corrigisse a designação que atribuiu a uma figura tão estimável e que tanto tem contribuído para a elevação do nível cultural dos egípcios e para a salvaguarda do património egípcio e mundial.
Corrigiu-me outro comentador, versado na matéria, dizendo que a eleição do director-geral não compete ao embaixador de Portugal (e dos outros países) na UNESCO enquanto tal, mas ao embaixador, a título pessoal, enquanto membro do Conselho Executivo da UNESCO. É uma distinção que me parece demasiado artificiosa, mas registo o facto.
Ignoro se a situação verificada com o embaixador português ocorreu com embaixadores de quaisquer outros países, mas isso agora também não interessa.
Considero Manuel Maria Carrilho um homem de cultura e de acção, o que por vezes não coincide na mesma pessoa (mérito dele), reconheço que foi um bom ministro da Cultura em Portugal, mas também não posso abstrair do facto que é o seu gosto pela assunção de posições polémicas. Também não sei se, em termos estritamente diplomáticos, a posição que adoptou justifica a substituição.
Mas anoto que, nos dias que correm, todas as ocasiões são boas para acusar terceiros (como faz Henrique Raposo) de anti-semitismo! Algo de estranho se passa, talvez alguma má consciência de quem pensa que a melhor defesa é o ataque.
Para quem se interesse pela matéria, é fundamental a leitura desta obra, contendo uma parte dos interrogatórios (ainda que truncados, por "razões de segurança"), pelo FBI, a que foi submetido Saddam Hussein. O livro contém um notável prefácio do historiador Pierre Jean-Luizard, investigador do CNRS de Paris.
Facto: a 11 de Julho de 1995, tropas sérvias sob comando do general Ratko Mladiæ abateram oito mil homens muçulmanos em Srebrenica (Bósnia). A missão da NATO, composta por militares holandeses, foi impotente para evitar o genocídio. Na Holanda, a investigação dos acontecimentos durou mais de seis anos, terminando com a queda do governo em 2002.
Delírio: numa audiência do Congresso (americano) sobre o fim da norma Dont’t Ask, Don’t Tell, o general na reserva John Sheehan, antigo comandante supremo da NATO, afirmou que o massacre terá sido consequência da presença de homossexuais nas forças holandesas: «uma força mal preparada para a guerra [...] O caso a que me refiro é aquele em que os holandeses foram chamados a defender Srebrenica contra os sérvios. O batalhão estava sob pressão, tinha uma liderança pobre, e os sérvios chegaram, amarraram os soldados aos postes de telefone, marcharam até aos muçulmanos e executaram-nos.» Só faltou dizer que os enrabaram. A parte mais aleivosa é que Sheehan declarou ter ouvido isso da boca de oficiais holandeses.
Facto: ontem, o democrata-cristão Jan Peter Balkenende, primeiro-ministro holandês desde 2002, desmentiu categoricamente Sheehan, considerando-o desprezível. Por seu lado, o ministério holandês da Defesa sublinhou que «os soldados homossexuais holandeses cooperam frequentemente com o Exército dos EUA e com a Aliança Atlântica em missões no Afeganistão.» Ler mais no NYT e no Público.
Comentários para quê?
[Na imagem, dois sobreviventes do massacre de Srebrenica, defronte do mural com o retrato de algumas das oito mil vítimas do massacre.]
(Publicado hoje por Eduardo Pitta , no blogue "Da Literatura")
É suposto que o general na reserva John Sheehan sofre da doença de Alzheimer; em qualquer circunstância, confirma-se que o estado de loucura é o estado normal da maioria dos norte-americanos.
Em 20 de Março de 2003, há precisamente sete anos, uma coligação internacional liderada pelos Estados Unidos da América (governo de George W. Bush) e pelo Reino Unido (governo de Tony Blair) atacou e invadiu o Iraque. O pretexto invocado foi possuir este país armas de destruição massiva, o que constituiria uma ameaça à paz mundial. Houve em tal argumento uma trágica e suprema ironia: o primeiro e único país (até hoje) a utilizar a bomba atómica, com a agravante extrema de o fazer sobre cidades habitadas (Hiroxima e Nagasáqui), foi a América. Por outro lado, existem no Oriente (Médio e não só) países comprovadamente possuidores de armas nucleares: Israel, União Indiana, Paquistão, China, pelo menos. Sabiam os países protagonistas desta aventura que a questão das armas de destruição massiva era falsa. Tal fora sobejamente demonstrado pelo director-geral da Agência Internacional de Energia Atómica Mohamed El Baradei, pelo inspector britânico do armamento no Iraque David Kelly (que apareceu estranhamente "suicidado" num bosque nos arredores de Londres), etc. Honra seja feita à França e à Alemanha que recusaram participar nessa farsa, e evoque-se o famoso discurso proferido no Conselho de Segurança das Nações Unidas pelo ministro francês dos Negócios Estrangeiros, Dominique de Villepin, que aí recebeu, pela primeira vez na história da organização, uma ovação estrondosa. O próprio papa João Paulo II, receando o pior, recebeu no Vaticano o vice-primeiro-ministro iraquiano Tareq Aziz e enviou a Bagdad o cardeal Roger Etchegaray, vice-decano do Sacro Colégio.
Nada, contudo, demoveu George Bush, incondicionalmente apoiado por Tony Blair, da sua pretensão de invadir o Iraque. O pretexto consistia, pois, no perigo de existência de armas nucleares e na piedosa intenção de democratizar o Iraque; a razão verdadeira era mais prosaica e menos confessável: a apropriação das reservas petrolíferas do país. Houve até alguém (cujo nome obviamente já esqueci) que disse na altura, aludindo ao conflito israelo-palestiniano, que o caminho para Jerusalém passava por Bagdad. Essa gente – e devem incluir-se Dick Cheney, Donald Rumsfeld, Paul Wolfowitz, e toda uma legião não só na América mas também na Europa - não teve, nem tem, o menor sentido de decência e de vergonha e deveria ser submetida a julgamento em tribunal internacional (como em Nuremberga) por crimes contra a Humanidade.
O Iraque, estado cujas fronteiras foram geometricamente traçadas pelos interesses das potências ocidentais (e democráticas?!?) após a queda do Império Otomano, não corresponde, de maneira alguma, ao que se entende por uma nação. Albergando uma multiplicidade de etnias, de línguas e de religiões, de muçulmanos sunitas e xiitas a cristãos de várias obediências, de árabes a curdos e até judeus, falando árabe, curdo e, em escala mais reduzida, assírio, caldeu e arménio, o país era um mosaico heterogéneo, apenas possível pela existência de um forte poder central, autor, certamente, de muitas arbitrariedades. Sempre assim foi (no Oriente sobretudo) e sempre assim será, em casos análogos, no decorrer da História.
Pretendia a coligação "democratizar" o Iraque. Esta palavra, nos nossos dias, só poderá fazer-nos tremer, pois mais não significa do que alargar a economia de mercado na sua expressão ultra-liberal a países fora da influência do "mundo ocidental". Já havia exemplos anteriores, como o célebre bombardeamento da Jugoslávia, em 1999, devido especialmente à insistência da judia-checa-americana Madeleine Albright.
Decorridos 7 (sete) anos, ao observarmos o Iraque constataremos que continua ocupado (até quando?) por tropas estrangeiras, que a invasão devastou praticamente toda uma região, a Mesopotâmia, berço de civilizações e célebre desde a História mais antiga, que foram danificados ou destruídos locais ou peças arqueológicas de valor inestimável, insubstituíveis para o estudo das épocas remotas, que se registou uma pilhagem de objectos artísticos sem precedentes nos tempos mais recentes. A juntar a tudo isto, que não é pouco, deve contabilizar-se a tragédia humana: esta guerra, e a inevitável guerrilha subsequente, provocou já milhões de mortos, feridos, estropiados, loucos, desalojados, deslocados, enfim, todo um cortejo de horrores que nenhum pintor (que eu saiba) ousou ainda retratar na tela. Sendo os iraquianos as principais vítimas, não podemos esquecer os soldados estrangeiros que, até hoje, pagaram, muitas vezes com a própria vida, o preço de uma guerra motivada pela ganância dos homens que, ao morrer, nada levarão no seu caixão além do próprio corpo. Porquê, então, toda esta obstinação do lucro, toda esta loucura de dominação, toda esta corrida desenfreada para o abismo? É uma interrogação pertinente que deverá ser colocada aos especialistas capazes de lerem os desígnios da "alma humana".
Feisal I
Nasceu o Iraque das cinzas do Império Otomano e teve como primeiro rei Feisal I (de 1921 a 1933), a cujo pai, Hussein Bin Ali, Grande Xerife de Meca fora prometida pelos ingleses a soberania de um vasto Estado árabe. Nunca o Grande Xerife reinou sobre semelhante Estado e acabou mesmo por perder Meca a favor da Casa de Saud, que passou a governar a quase totalidade da Península Arábica, dita agora Arábia Saudita. Feisal começou por ser, efemeramente, rei da Síria, e foi depois, devido às negociações anglo-francesas, transferido para o trono do novo país, o Iraque. Sucedeu-lhe seu único filho varão Ghazi, que morreu num misterioso acidente de viação em 1939. Dado que o seu único filho Feisal II (1935-1958) era ainda uma criança, assumiu a regência o príncipe Abdul Ilah, seu tio. Começou a governar em 1953 e foi assassinado, com toda a família real, aquando do golpe de estado de 1958, conhecido como Revolução de 14 de Julho, que proclamou a República. O exército, que tomou conta do poder, colocou na presidência o autor do golpe, o general Abdul Karim Qassim, que foi por sua vez derrubado em 1963 pelo coronel Abdul Salam Arif. Este morreu em 1966 e seu irmão, Abdul Rahman Arif sucedeu-lhe na chefia do Estado.
Feisal II
Assim viveu o Iraque, país artificial e heterogéneo, entre intentonas, golpes de estado, revoluções, já no tempo da monarquia e nomeadamente depois da proclamação da república. Em 1968, Arif foi derrubado pelos dirigentes do Partido Socialista Árabe Ba'ath (em árabe, Renascimento), fundado em Damasco, em 1940, pelos intelectuais sírios Michel Aflaq, um cristão, e Salah al-Bitar, um muçulmano sunita. O Ba'ath criou ramos em diversos países árabes, mas, além da Síria, onde ainda hoje está no Poder, apenas viria a triunfar no Iraque, onde Ahmed Hassan al-Bakr assumiu então a presidência (de 1968 a 1979). Em 1979, o vice-presidente Saddam Hussein al-Tikriti, que adquirira progressivamente o controlo do país, afastou o seu mentor e tornou-se presidente da república.
Ahmed al-Bakr
Não é possível resumir em algumas linhas o que foi o consulado atribulado de Saddam Hussein Abd al-Majid al-Tikriti. Nascido em Al-Awja (perto da cidade de Tikrit) a 28 de Abril de 1937, seria enforcado a 30 de Dezembro de 2006, na base militar iraquiana de Kadhimiya, a nordeste de Bagdad. É curioso e estranho o percurso político de Saddam Hussein. Num Iraque sujeito, desde a sua criação, às pressões externas britânicas, soviéticas, americanas e do mundo árabe, e às hostilidades internas de sunitas em relação a xiitas, de árabes em relação a curdos, de chefes tribais em relação às populações urbanas, de nómadas em relação a camponeses, Saddam procurou, ainda como vice-presidente da república e do partido (ramo iraquiano), apaziguar tensões e atingir um nível de estabilidade indispensável às reformas que pretendia implantar. Tarefa ciclópica, só possível promovendo, em simultâneo, uma elevação do nível de vida da população (num país de vastos recursos, nomeadamente o petróleo) e uma repressão violenta dos opositores.
Diga-se, en passant, que, mercê das muitas e anteriores interferências da União Soviética na política do Iraque, Saddam foi considerado pelos Estados Unidos, durante os anos 60 e 70, como um baluarte anti-comunista no Médio Oriente, onde predominava ainda o pan-arabismo socialista da época de Nasser. Considerando-se um político progressista, procurou a convergência das várias tendências do Ba'ath, tornando-o no motor das reformas que permitiriam o desenvolvimento nacional. Deve-se-lhe a criação de serviços sociais, inéditos em qualquer país da região: a Campanha Nacional para a Erradicação do Analfabetismo, a Educação Obrigatória Gratuita, a instituição de estabelecimentos de ensino de todos os níveis (centenas de milhares de iraquianos aprenderam a ler neste período), o apoio às famílias dos soldados, a hospitalização gratuita, a concessão de subsídios aos agricultores. Criou também o mais moderno serviço de saúde pública do Médio Oriente, tendo sido por isso agraciado com um prémio da UNESCO. Deve-se-lhe igualmente a criação de infra-estruturas indispensáveis como a rede de estradas ao longo do país, o desenvolvimento industrial acelerado, a electrificação de todas as cidades, a reforma agrária, a mecanização da agricultura, a instalação de cooperativas agrícolas, etc. Para financiar este ambicioso programa, Saddam superintendeu, em 1 de Junho de 1972, a nacionalização das empresas petrolíferas internacionais que operavam no Iraque. Esta operação aumentou largamente os proventos do Iraque, e provocou a crise energética mundial de 1973. O desenvolvimento do país foi tão intenso durante a década de 70, que dois milhões de pessoas, designadamente do mundo árabe mas até da Jugoslávia vieram trabalhar para o Iraque.
Sendo laico (um princípio do Ba'ath), Saddam estabeleceu a liberdade religiosa para todos os cultos, deu mais direitos às mulheres, criou um sistema de justiça ao estilo ocidental e aboliu (salvo para casos excepcionais) os tribunais da lei islâmica, a Sharia.
Hafez al-Assad
Em 1979, o presidente Al-Bakr firmou uma aliança com a Síria (governada por Hafez al-Assad, também do partido Ba'ath), para a união dos dois países, resultando que essa União seria presidida por Al-Bakr e vice-presidida por Assad. Decorreria desta situação a relegação de Saddam para uma posição secundária. Este, em 16 de Julho de 1979, forçou Al-Bakr a renunciar, alegadamente por motivos de saúde, e assumiu a chefia do Estado, do exército e do partido. Os grandes problemas do já instável Iraque começam verdadeiramente a partir deste momento. Saddam, que se apoia na população sunita, minoritária, pertencendo à classe média e habitando o centro do país, tem de enfrentar os curdos, do norte, e os xiitas, do sul, que passam a constituir uma oposição ao regime. Sentindo a sua liderança ameaçada, Saddam começa a ver conspiradores por toda a parte, iniciando uma repressão que lhe aliena muitas das simpatias iniciais. Recorre, aliás como é usual no mundo árabe (e não só) ao culto da personalidade, a sua imagem é amplamente difundida por todo o país, o Raïs julga-se descendente de Nabucodonosor e pretende para o Iraque o prestígio do antigo Califado Abássida de Bagdad.
Também em 1979 tem lugar um acontecimento que modificaria, até hoje, o status quo da região: a revolução que depôs o Xá Muhammad Reza Pahlevi e instalou um regime islâmico no Irão, sob a autoridade suprema do ayatollah Khomeini. As relações de Saddam com Khomeini eram péssimas, do tempo em que o ayatollah, em fuga do Irão e exilado no Iraque, tentara derrubar Saddam, que finalmente o expulsara para França. Em 1980, o Iraque invade o Irão, com o apoio tácito dos Estados Unidos, da União Soviética, da Europa e do mundo árabe. Todos receavam a imprevisibilidade política da República Islâmica e do seu Imam, e sobretudo o abastecimento do petróleo. A Guerra Irão-Iraque durou oito anos, de Setembro de 1980 a Agosto de 1988 e causou mais de meio milhão de mortos, sem quaisquer alterações territoriais (o Iraque reivindicava o Khuzistão), os prejuízos materiais foram incalculáveis e o regime de Khomeini não foi derrubado como pretendiam Saddam e os seus apoiantes. Foi uma guerra mortífera e inútil não só para os directamente envolvidos mas para os apoiantes de ambos os lados.
São extensos os pormenores que levaram à Guerra Irão-Iraque, também chamada Primeira Guerra do Golfo como são também complexos os motivos que determinaram a invasão e anexação do Kuwait pelo Iraque em Agosto de 1990. Diga-se apenas que o Iraque sempre considerara que o Kuwait fazia historicamente parte do seu território e que teria sido garantida a Saddam a não intervenção americana relativamente a essa invasão pela então embaixadora americana em Bagdad April Glaspie. Mas o que veio a acontecer foi a criação de uma coligação internacional, liderada pelos Estados Unidos e sancionada pelas Nações Unidas, que libertou o Kuwait em Fevereiro de 1991 e ocupou parte do território iraquiano. Terminava assim a Segunda Guerra do Golfo. Foram impostas sanções ao Iraque, limitadas as suas exportações de petróleo, reduzida a circulação no seu espaço aéreo e designados inspectores da ONU para verificar da existência de armas de destruição massiva, mas Saddam manteve-se no poder, pois julgou-se que a sua queda poderia constituir um mal maior, como acabaria por acontecer mais tarde.
Nos anos subsequentes, em que Saddam se converteu em muçulmano fervoroso, mantiveram os Estados Unidos (Bill Clinton) a esperança de que ele fosse derrubado pelos próprios iraquianos, atendendo à progressiva repressão do regime. Tal não aconteceu. O novo presidente americano, George W. Bush, por razões já apontadas, com o apoio do Reino Unido mas sem o aval da ONU, decidiu invadir o Iraque e derrubar Saddam Hussein em 20 de Março de 2003. A coligação "possível", com um poder bélico incalculavelmente superior ao destroçado exército iraquiano que se limitou a uma pequena luta de guerrilha, tomou Bagdad em 9 de Abril seguinte. Os Estado Unidos fizeram, pelo menos, duas tentativas para matar Saddam, mas enganaram-se nos alvos e, em seu lugar, mataram dezenas de pessoas inocentes. Em 13 de Dezembro, Saddam foi capturado numa quinta perto de Tikrit e transportado para uma base americana em Bagdad, tendo o anúncio da prisão sido efectuado no dia seguinte pelo administrador americano do Iraque Paul Bremer. Foi então constituído um Tribunal Especial iraquiano para julgar Saddam, e colaboradores, por crimes contra a humanidade. Durante o julgamento foi contestada a autoridade do tribunal, assassinados vários advogados de defesa e testemunhas e o próprio juiz presidente foi substituído. Em 5 de Novembro de 2006, Saddam foi considerado culpado dos crimes de que era acusado e condenado à morte por enforcamento que teve lugar em 30 de Dezembro, sendo sepultado no dia seguinte na sua aldeia natal de Al-Awja.
Destruição de Bagdad
As consequências da invasão do Iraque são sobejamente conhecidas. Tratou-se de uma guerra desencadeada com argumentos comprovadamente falsos e provocou, e continua a provocar, danos humanos e materiais sem paralelo em comparação com conflitos congéneres. Para mais, a decisão do idiota Paul Bremer de dissolver a administração pública e o exército lançou o país no caos. A contabilidade da invasão apresenta um saldo tragicamente negativo: aumentou inequivocamente a instabilidade no Médio Oriente, em nada contribuiu para a paz na Palestina (como alguém se atreveu a dizer), favoreceu o regime iraniano, devido ao apoio que recebe da população xiita do Iraque, acabou com a convivência pacífica dos diversos credos no país (nunca, antes da invasão, alguém perguntara ao vizinho qual era a sua religião), provocou em todo o mundo árabe e islâmico um verdadeiro ódio ao Ocidente, em especial aos EUA e ao Reino Unido, permitiu a instalação na região da Al-Qaïda até então combatida por Saddam, cavou um fosso entre muçulmanos sunitas e xiitas, agravou o problema curdo, fomentou o fundamentalismo islâmico, e por aí fora. Claro que permitiu o controlo do petróleo pelas companhias internacionais e permitirá que grandes empresas ocidentais obtenham contratos milionários para a reconstrução do país. Mesmo numa cínica óptica ocidental-liberal, não chega, como parece ser hoje um consenso universal.
Saddam Hussein não terá sido, propriamente, um modelo de virtudes, com certeza que não. Mas importa recordar a data que hoje se evoca. O homem ambicioso, todavia empenhado no progresso do Iraque, durante os primeiros anos de governação, deu lugar a uma personagem megalómana, permanentemente em fuga – dos outros, por receio de um atentado, e de si mesmo, por ter perdido o leme da própria consciência. Porém, no momento da derrota face a um inimigo omnipotente, e após ter encenado uma resistência obviamente inexistente, permaneceu no seu país, quando lhe fora dada a oportunidade de fuga. Capturado devido a uma delação, foi julgado pelos vencedores (Vae victis, diziam os romanos) e (antecipadamente) condenado à morte. Pesaram-lhe directamente sobre a cabeça crimes horríveis e injustificáveis massacres, porque ele, e só ele, praticamente, incarnava todo um regime. Suscita-se, assim, uma inevitável questão: quantas atrocidades terão praticado, ainda que indirectamente, através de corpos intermédios, tantos governantes "democráticos" do passado e do presente? E nunca julgados porque foram vencedores. A História o registará, talvez...
Mencione-se, por curiosidade, que Saddam Hussein também se dedicou à literatura, tendo escrito "anonimamente", em 2000, o romance Zabiba e o Rei, que constituiu um sucesso no mundo árabe e foi traduzido para línguas europeias, entre as quais a portuguesa em 2003.
Pelo menos 50 palestinianos e três oficiais israelitas ficaram feridos hoje em confrontos em várias zonas de Jerusalém.
Segundo fontes palestinianas em declarações à Agência Efe, nas últimas horas registaram-se distúrbios dentro da Cidade Antiga de Jerusalém - controlada pela polícia israelita -, nas muralhas da cidade, no bairro de Ras El Amud, no campo de refugiados de Shuafat e na aldeia de Abu Dis. Fontes palestinianas e israelitas informaram que pelo menos três mulheres palestinianas foram feridas pela polícia israelita e três oficiais israelitas sofreram ferimentos após terem sido apedrejados.
Os confrontos ente palestinianos e israelitas começaram durante a madrugada, depois do grupo islâmico radical, o Hamas, ter declarado o dia de hoje como o “Dia da Ira”- um protesto contra as "provocações" levadas a cabo por Israel na parte oriental de Jerusalém. Testemunhas relataram à Agência Efe que "em Kalandia, o clima está muito perigoso”.
No início da manhã, a polícia israelita tinha apertado a segurança em todos os bairros da zona oriental de Jerusalém, para controlar os distúrbios civis esperados. A segurança foi reforçada logo após o governo do Hamas ter convocado protestos contra a reabertura de uma sinagoga histórica no bairro judaico da Cidade Antiga de Jerusalém, que estava a ser recuperada.
Distúrbios semelhantes têm ocorrido com muita frequência, em diferentes locais, e são controlados pela polícia do país com gás lacrimogéneo. A maioria das manifestações é formada por pequenos grupos de pessoas, algumas delas mascaradas.
Nas muralhas de Jerusalém, mais de 200 pessoas participaram hoje num protesto pacífico, liderado pelo ex-candidato presidencial palestiniano Mustafa Barghouti e pelo deputado israelo-árabe Taleb el-Sana. "Viemos aqui dizer que não vamos ceder, que esta é a capital do futuro Estado palestiniano", disse Barghouti, pedindo aos manifestantes para não usarem a violência. A incitativa acabou por ser destruída pela polícia, depois de alguém ter lançado uma pedra contra as forças de segurança que controlavam a manifestação.
Mais de 3 mil polícias israelitas estão hoje espalhados por toda a cidade, onde há cinco dias Israel limitou o acesso a vários locais. Fontes da Autoridade Nacional Palestiniana (ANP) citadas pelo diário israelita "Yedioth Ahronoth" informaram também que as forças de segurança estão hoje em estado de alerta e em todos os núcleos urbanos da Cisjordânia.
Os confrontos levaram a que o enviado norte-americano para o Médio Oriente, George Mitchell, fosse obrigado a adiar a visita à região. Segundo um comunicado da embaixada dos Estados Unidos em Israel, a visita de Mitchell à Cisjordânia e a Israel tinha como objectivo dar início a negociações indirectas entre israelitas e palestinianos.
As relações entre Israel e os Estados Unidos entraram numa grave crise diplomática devido à política de colonização israelita em Jerusalém ocidental anexada por Israel em 1967, mas nunca reconhecida pela comunidade internacional.
Publicado hoje pelo jornal i
Depois de o primeiro-ministro israelita, Benjamin Netanyahu, ter dito que não travará a construção de casas num colonato em Jerusalém Oriental, o enviado especial de Barack Obama, George Mitchell, adiou uma viagem que deveria começar hoje à região. Mitchell era esperado esta semana em Israel e na Cisjordânia para lançar negociações indirectas, chamadas “de proximidade”, entre israelitas e palestinianos. Mas Mahmoud Abbas já dissera que não começará quaisquer negociações sem um recuo na expansão dos colonatos.
Dezenas de palestinianos envolveram-se entretanto em confrontos com a polícia israelita em Jerusalém Oriental. O Hamas declarou um “dia da fúria” em protesto contra novas construções num colonato na cidade e contra a dedicação de uma antiga sinagoga na Cidade Velha.
A violência de hoje ocorre no meio das piores tensões dos últimos anos entre Israel e os Estados Unidos, numa crise provocada precisamente pelos anúncios de expansão dos colonatos – o último dos quais feito durante a visita do vice-presidente Joe Biden a Israel, a semana passada.
A polícia já tinha mobilizado 3000 homens para Jerusalém Oriental e pelo quinto dia consecutivo vão continuar as limitações de acesso ao Pátio das Mesquitas, onde se situa a Mesquita al-Aqsa.
Também a polícia da Galileia montou bloqueios nas estradas para impedir os palestinianos das vilas do Norte de se juntarem aos protestos em Jerusalém.
Esta manhã, os palestinianos lançaram pedras e queimaram pneus em várias zonas de Jerusalém Oriental, conquistada por Israel em 1967. A polícia respondeu com gás lacrimogéneo e disparando balas de borracha. Quarenta palestinianos foram tratados a ferimentos menores em hospitais da cidade.
“Pedimos aos palestinianos para considerarem terça-feira um dia de fúria contra os procedimentos da ocupação [israelita] em Jerusalém contra a Mesquita al-Aqsa”, disse o Hamas num comunicado. Os islamistas do Hamas, mas também alguns membros da Fatah de Mahmoud Abbas têm dito que a abertura da sinagoga Hurva, depois de cinco anos de trabalhos de reconstrução, coloca em risco Al-Aqsa, situada a uns 400 metros de distância.
Milhares de palestinianos saíram à rua também na Faixa de Gaza, em diferentes vilas e campos de refugiados. "Mártires aos milhões, em frente para Jerusalém", gritaram os manifestantes, agitando bandeiras e cartazes com o Pátio das Mesquitas.
Ismaïl Shammut (1930-2006) foi o mais importante pintor palestiniano contemporâneo e um dos mais notáveis pintores árabes do século passado.
Lydda, em 1948
A sua pintura, especialmente figurativa, reflecte os diversos aspectos da moderna história palestiniana, desde a Naqba (ele mesmo foi expulso da sua terra natal) até à luta dos palestinianos pelo seu país. As suas telas, ou outros suportes, evidenciam a determinação política de um povo arrancado às suas raízes ou exilado na própria pátria mas sempre perseverando no combate pelos seus mais legítimos direitos. De alguma forma, os temas tratados por Shammut constituem um espelho da sua própria vida.
Auto-retrato
Usando um estilo específico, Shammut utiliza símbolos facilmente reconhecíveis das tradições e da cultura palestiniana, aspectos visíveis nos pormenores das suas composições, sejam os trajes característicos das mulheres palestinianas ou as paisagens das aldeias e dos campos do seu país natal. A sua obra não só documenta a experiência dos palestinianos antes e depois da Naqba como é também uma exaltação do sentimento e do orgulho nacional de um povo, diariamente perseguido e sujeito às maiores privações socioeconómicas numa Palestina ocupada.
Tamam Shammut
Ismaïl Abdul-Qader Shammut nasceu em Lydda, na Palestina, em 1930, mas a proclamação unilateral da independência do Estado de Israel, em 1948, forçou-o a ir viver num campo de refugiados em Khan Yunis, na Faixa de Gaza.
"Para onde ir...?"
Em 1950, ingressou na Escola de Belas Artes do Cairo, tendo realizado a sua primeira exposição de pintura em Gaza, em 29 de Julho de 1953. No ano seguinte, participou na Exposição da Palestina, no Cairo, em conjunto com a pintora palestiniana Tamam Aref al-Akhal, que viria a ser a sua esposa. Esta Exposição, apoiada pelo governo egípcio, foi inaugurada pelo próprio presidente Nasser, em 21 de Julho de 1954.
"O que restou"
Ainda em 1954, Shammut viajou para Itália, a fim de frequentar a Academia de Belas Artes de Roma, instalando-se depois em Beirute, em 1956, onde passou a viver e a desenvolver a sua actividade artística e cultural.
"Uma gota de água"
Em 1959, casou com a sua colega Tamam al-Akhal e em 1965 aderiu à Organização de Libertação da Palestina (OLP), ocupando o lugar de director das Artes e da Cultura Nacional. Em 1969 foi eleito primeiro secretário-geral da União dos Artistas Palestinianos e em 1971 primeiro secretário-geral da União dos Artistas Árabes.
"No mercado"
Em 1983, na sequência da agressão israelita contra a OLP, no Líbano, mudou-se com a família para o Kuwait e em 1992, a seguir à Guerra do Golfo, foi para Colónia, na Alemanha. Voltou ao Médio Oriente em 1994, para se instalar definitivamente em Amman, na Jordânia. Em 1997, deslocou-se a Lydda, sua cidade natal, hoje Lod, em território israelita, para ver a sua casa agora ocupada por uma família judaica.
"A Senhora das laranjas"
Ismaïl Shammut morreu em Amman, em Julho de 2006, com 76 anos.
"Mulheres da Intifada"
Ao longo da sua vida expôs, além dos locais já citados, na Palestina (Nablus, Ramallah e Jerusalém), em Amman (em cujo museu se encontra a sua colecção particular), Beirute, Tripoli, Damasco, Tunis, Argel, Rabat, Kuwait, EUA (New York, Washington, Pittsburgh, Filadélfia, Detroit, Chicago, Houston, Los Angeles, San Francisco, etc.), Paris, Londres, Roma, Viena, Tóquio, Pequim, Sofia, Belgrado, e em várias cidades da Alemanha.
"Em direcção ao Sol"
Durante a sua carreira artística, Shammut nunca vacilou na sua dedicação à causa palestiniana, quer através da pintura, quer da investigação histórica, quer mesmo da acção política. Editou várias publicações, em árabe e inglês, entre as quais Art in Palestine (1989). De 1997 a 2000, em conjunto com a mulher, realizou uma colecção de 19 murais subordinados ao título "Palestina: o Êxodo e a Odisseia".
Refere hoje o jornal PÚBLICO que um professor da Escola de Fitares - Sintra se terá suicidado, no dia 9 de Fevereiro, em consequência do bullying a que era sujeito pelos alunos de uma turma (9º B) daquela escola. Admira que a notícia só hoje tenha vindo a público e ignoram-se ainda informações mais concretas e detalhadas sobre o acontecimento.
Porém, uma coisa é certa, e a ela já aludimos em post anterior. A indisciplina, a crueldade, a criminalidade em curso nas nossas escolas, só terminará se forem adoptadas medidas drásticas, todas as medidas drásticas que a situação exigir.
O mito das crianças boas, ingénuas, inocentes, vítimas da malvadez dos adultos, que foi especialmente glosado nos últimos anos, teve como consequência uma desresponsabilização crescente desses ternos meninos e meninas que não são exactamente o "bom selvagem" que, ainda que noutro contexto, referia Rousseau.
O fenómeno a que assistimos não é exclusivamente português. Infelizmente, no Velho Continente cada vez mais se ensina menos, se aprende menos, se sabe menos, em parte devido, falando agora do ensino universitário, a esse famigerado Processo de Bolonha - que a União Europeia impôs com propósitos certamente muito amadurecidos nos gabinetes mas inconfessáveis para a opinião pública - que tenderá a reduzir a população dita "civilizada" a uns tantos homens cultos e instruídos e a uns milhões de escravos ignorantes e estúpidos, dominados pelos primeiros. Convém, por isso, fomentar a ignorância e a violência dos jovens. Não só na Europa a situação é dramática, mas também na América, onde as universidades se estão a transformar em clubes de tiro ao alvo.
É preciso, de uma vez por todas, pôr-mo-nos de acordo quanto ao facto de que as crianças (e muitas vezes aplica-se o termo até aos 18 anos!!!) não são apenas vítimas de agressões dos adultos mas igualmente agridem os adultos e agridem-se violentamente entre si. As polícias sabem alguma coisa disso, mas parece que os psicólogos, pedopsiquiatras, pais, educadores, responsáveis pela educação, legisladores, juízes, etc., ainda não perceberam nada do que se está a passar. É grave, por todos os motivos: em primeiro lugar, pela própria circunstância em si mesma; depois, pelas consequências que daí derivarão para o país (no nosso caso) e para a própria civilização em geral. Se há interesses, obscurantíssimos interesses, que permitem, facilitam e até incentivam esta prática, deverão ser imediatamente denunciados por quem deles tiver conhecimento.
Para já, e como medida de salvação nacional - não estou a brincar com o termo, falo muito a sério -, castiguem-se exemplarmente os prevaricadores e reveja-se o conceito de criança. Há meio século poderia talvez dizer-se que alguém com 14 ou 15 anos era uma criança; hoje, muitos com 10 anos são já criminosos de delito comum. E há também que pedir responsabilidades a todos quantos, ao longo destes anos, andaram a fingir que as crianças consubstanciam apenas, e totalmente, a incarnação do Bem. Também eles são culpados, a vários títulos, da situação a que se chegou.
Faleceu ontem na Arábia Saudita, aos 81 anos, quando se preparava para regressar ao Egipto, após uma visita a Riyadh , o Grande Cheikh Muhammad Sayyid el-Tantawy, Imam da Mesquita de Al-Azhar e Reitor da Universidade de Al-Azhar.Figura de grande prestígio no mundo muçulmano, já que o Grande Cheikh de Al-Azhar é considerado, desde a abolição do Califado (no final do Império Otomano) por Mustafa Kemal Ataturk, a mais alta instância do Islão Sunita, Tantawy morreu em consequência de um súbito ataque de coração, quando já se encontrava a bordo do avião que o haveria de trazer ao Cairo.
Muhammad Sayyid el-Tantawy fora nomeado, por Mubarak, Grande Mufti do Egipto em 1986, cargo que desempenhou até 1996, data em que o presidente o designou para imam de Al-Azhar. Homem de tendências liberais, partidário do diálogo inter-religioso, estudioso e profundo conhecedor do Corão, foi-lhe muitas vezes censurada a sua proximidade do Poder, do qual, de resto, dependia a sua nomeação.
Ao terem conhecimento da morte, enviaram condolências o papa Bento XVI, o presidente Barack Obama e a secretária de Estado Hilary Clinton, o rei Muhammad VI de Marrocos e muitas outras personalidades.
O Cheikh Tantawy ficará sepultado em Medina, por decisão da família, já que faleceu na Arábia Saudita, tendo o presidente Mubarak, também de 81 anos, que se encontra na Alemanha a recuperar de uma intervenção cirúrgica à vesícula, lamentado profundamente o passamento da ilustre personalidade.
O Cheikh Muhammad Wasel, nº 2 de Tantawy, assegurará o funcionamento da Mesquita e da Universidade de Al-Azhar, até à nomeação presidencial de um substituto.
Foi apresentado ontem à tarde, na Livraria Bulhosa, o livro Cardeal Cerejeira – O Príncipe da Igreja, de Irene Flunser Pimentel. Trata-se da primeira biografia sobre o eminentíssimo prelado, depois da monumental, e apologética, obra de monsenhor Moreira das Neves, O Cardeal Cerejeira – Patriarca de Lisboa, publicada em 1948. Ao longo destes mais de 60 anos, apenas uma fotobiografia, da autoria do actual Patriarca, D. José da Cruz Policarpo, Cardeal Cerejeira, editada em 2002, seria dada à estampa.
Figura discutida ao longo de meio século, o Cardeal Cerejeira (1888-1977) foi, na plena acepção da palavra, o último príncipe da Igreja em Portugal. Príncipe da Igreja, designação comummente atribuída aos cardeais, mas também príncipe da Igreja porque consubstanciou, na plenitude da sua acção e da sua representação, tudo o que, até ao Concílio Vaticano II, era suposto constituir missão e atributo de todos os purpurados.
O Cardeal Cerejeira, por Eduardo Malta
Tradicionalmente apontado, durante o anterior Regime, como cúmplice do silêncio e do apoio da Igreja Portuguesa (que nele se revia e que todos nele reviam) ao Estado Novo, tem sido ignorada a sua actividade pastoral, académica e até política, ao longo do (quase) meio século em que presidiu aos destinos da diocese de Lisboa e, lato sensu, aos da Igreja Portuguesa.
O Cardeal Cerejeira, por Henrique Medina
Doutor em Ciências Histórico-Geográficas pela Faculdade de Letras da Universidade de Coimbra, em 1918, e logo a seguir professor catedrático de Ciências Históricas, Manuel Gonçalves Cerejeira, já então sacerdote, é nomeado arcebispo de Mitilene e auxiliar do Patriarca D. António Mendes Belo em 1928. Por morte deste, no ano seguinte, é designado para o substituir (1929) e, ainda no mesmo ano, elevado a cardeal da Ordem dos Presbíteros, com o título dos Santos Marcelino e Pedro pelo papa Pio XI. Tendo pedido a resignação ao cargo em 1966 (de acordo com a nova legislação canónica), esta só é aceite pelo papa Paulo VI em 1971. Morre em Lisboa em 1977.
Não é este o local para falar da vida e da obra do Cardeal Cerejeira. Homem de invulgar erudição, humanista distinto, orador notável, os seus escritos, a começar pela tese de doutoramento O Renascimento em Portugal – Clenardo e a Sociedade Portuguesa do seu Tempo, revelam uma invulgar cultura, não só religiosa mas sobretudo profana, para espanto de quantos o julgassem afastado das coisas seculares. A última lição que proferiu na Universidade de Coimbra, ao jubilar-se, é um exemplo do seu interesse e profundo conhecimento do pensamento contemporâneo, mesmo do mais marxista e ateu.
Ao longo do Estado Novo foi hábito proclamar-se ser ele o responsável do suposto conúbio entre a Igreja e o Estado, mas também nas relações da religião com a política, como alguém disse uma vez, "o que parece é". Puro engano, ou má-fé. Sempre Salazar se mostrou cioso das suas prerrogativas e, apesar de ex-seminarista, não sei se acreditava realmente em Deus, que normalmente não invocava, preferindo referir-se à Providência. E sempre Cerejeira, não obstante uma camaradagem de muitos anos com Salazar, defendeu os interesses da instituição eclesial. Que esses interesses fossem muitas vezes convergentes ninguém o ignora, mas não é lícito admitir-se uma subordinação do Estado á Igreja ou vice-versa.
Permaneceu durante anos a tentação de dizer que ambos haviam feito um pacto para dividir Portugal, encarregando-se um do poder temporal e o outro do poder espiritual. Não acredito em tal género de pactos (o de Fausto e Mefistófeles me basta) mas se tal fora verdade, então ter-se-iam enganado no casting. Por natureza, Cerejeira era um homem mundano, extrovertido, certamente mais vocacionado para a cultura, e mesmo para a política, do que para a religião. Salazar, pelo contrário, austero e asceta, teria sido mais indicado para ocupar a Sé de Lisboa. Mas não se pode (objectivamente) reescrever a História.
Como ainda não li o livro, ignoro o que Irene Pimentel terá escrito sobre o Cardeal Cerejeira. Mas ao longo do tormentoso quase meio-século do seu magistério episcopal talvez a Igreja, e o Regime, lhe sejam devedores de uma actividade que exerceu, para os parâmetros da época, com extraordinário engenho e arte.