Foi publicado em 1992, pela "Biblioteca Breve", do Instituto de Cultura e Língua Portuguesa (uma colecção que tantos serviços prestou aos leitores portugueses), o breve ensaio Carlos Malheiro Dias na ficção e na história, de João Bigotte Chorão.
Trata-se de um pequeno livro sobre a vida e a obra de Carlos Malheiro Dias (1875-1941), analisando o seu trajecto entre a história e a ficção, sem esquecer a crónica e a polémica célebre que manteve com António Sérgio.
Na ficção, assinalam-se Filho das Ervas, Os Teles de Albergaria, Paixão de Maria do Céu, Cartas de Lisboa, O Grande Cagliostro, A Vencida, A Esperança e a Morte, A Verdade Nua e Amor de Mulher.
Na história destacam-se Quem é o Rei de Portugal, Do Desafio à Debandada (I - O Pesadelo; II - Xeque ao Rei), Zona de Tufões; Em Redor de um Grande Drama/Subsídios para uma História da Sociedade Portuguesa - 1908-1911; Entre Precipícios... (Crónicas Políticas dos Últimos Tempos); História da Colonização Portuguesa do Brasil; O "Piedoso" e o "Desejado".
Na doutrina e ensaio salientam-se Carta aos Estudantes Portugueses; Exortação à Mocidade; Um Ensaio sobre o Pintor Henrique Medina; Pensadores Brasileiros.
Lamenta-se que João Bigotte Chorão tenha eliminado da Bibliografia o primeiro romance do escritor, A Mulata, publicado no Brasil. É certo, que devido ao escândalo que então provocou, Malheiro Dias tinha-o retirado da Lista das Obras, mas nada impedia que, neste trabalho, e morto o autor há muitos anos, o romance aparecesse agora no seu devido lugar.
Muitos especialistas não concedem a Carlos Malheiro Dias o estatuto de historiador, até porque não utilizava os métodos próprios do ofício. Citamos: «Historiador, e não apenas escritor, talentoso escritor, de temas históricos, como reconhece Marcello Caetano. Discordando de Jaime Cortesão, reticente quanto à condição de historiador de Malheiro Dias, a quem sobrava talento literário mas falecia o método histórico, entendia, pelo contrário, Marcello Caetano que ele dispunha da informação, do rigor, da seriedade do historiador. Reportando-se à História da Colonização Portuguesa do Brasil, afirma Marcello Caetano: "A bibliografia de que se serve é abundante, citando os mais autorizados autores brasileiros e portugueses, sempre com grande escrúpulo: nomes e títulos corretos, indicação de página exata, transcrições fiéis. O mesmo escrúpulo de citação se nota quanto à procedência e localização dos documentos transcritos, ou invocados, procedendo com um cuidado que nem sempre historiadores ilustres [...] tiveram nos seus escritos". Daí que Marcello Caetano se sinta autorizado a concluir que Carlos Malheiro Dias foi historiador, e notável historiador. Mais ainda: que a sua obra de historiador sobreleva "a sua restante obra", "por mais valiosa que ela seja".» (p. 82) Esta afirmação de Marcello Caetano foi feita na conferência que proferiu no Instituto Histórico e Geográfico Brasileiro, em 10 de Dezembro de 1975, em sessão comemorativa do centenário do escritor.
Quanto à sua polémica com António Sérgio, abordá-la-emos em próximos posts.
Sendo monárquico convicto, Malheiro Dias, sem abdicar das suas convicções, cultivou um espírito de convivência com os seus pares, mesmo com os republicanos mais intransigentes, reconhecendo o seu mérito, quando era o caso. Por exemplo, prefaciou Jardim das tormentas, de Aquilino Ribeiro, o qual esteve presente no seu funeral, em 1941, e em que Júlio Dantas fez o elogio fúnebre, no cemitério do Lumiar, dizendo que "nenhum dos romances de Malheiro Dias [...] é tão comovedor como o romance da sua própria vida", evocando o homem e o seu drama, defendendo que na sua obra "se conjugam o vigor de Camilo e a elegância de Eça, e em que todos os géneros se encontram opulentamente representados" e terminando protestando que não é aquele "pobre cemitério de toda a gente" o cenário para despedir-se de Malheiro Dias, mas o Panteão, onde o devia acolher a "gratidão nacional".
Passou o escritor parte da sua vida no Brasil. Viajou para o Rio e Janeiro em 1893 e ali se manteve até 1896, ano em que foi publicado o romance A Mulata, que provocou grande escândalo e forçou Maalheiro Dias a regressar. Voltou ao Brasil em 1913, depois da proclamação da República em Portugal e aí permaneceu até 1935, quando gravemente doente retornou a Lisboa, mas já não lhe foi possível ocupar o cargo de embaixador de Portugal em Madrid, para que fora nomeado por sugestão de António Ferro.
Concluímos com esta transcrição da contracapa: «Pelo seu talento de romancista, considerado o legítimo herdeiro de Eça de Queirós, Carlos Malheiro Dias abandonou, porém, a ficção para se dedicar ao jornalismo. As razões, mais pessoais que literárias, de tal "deserção" são estudadas neste livro, à luz de documentos inéditos do espólio do escritor. Procurando restituir a Carlos Malheiro Dias o lugar que lhe cabe na literatura portuguesa, esta obra sublinha também os aspectos camilianos deste ficcionista queirosiano.»
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