domingo, 30 de março de 2025

D. SEBASTIÃO, UMA VISÃO BRASILEIRA

O romancista e jornalista brasileiro Aydano Roriz publicou em 2004 O Desejado - A Fascinante História de Dom Sebastião, em que aborda o período que vai dos últimos tempos de D. João III até à morte de D. Sebastião. Trata-se de um livro muito bem escrito, em português de Portugal (adaptação da edição brasileira), empregando um estilo elegante que vai, contudo, vulgarizando-se com o correr das páginas.

Os capítulos seguem em geral a ordem cronológica mas as datas estão praticamente ausentes do texto, o que poderá constituir um problema para os menos industriados na matéria mas facilita a arrumação dos assuntos sem a preocupação rigorosa da ordem dos acontecimentos.

O autor revela excelente cultura e está pormenorizadamente informado dos factos do período que descreve, notando-se apenas leves imprecisões, exceptuando o caso notório da morte do rei D. Duarte, quando afirma (p. 121) que ele morreu a combater os mouros, o que é manifestamente falso.

Quanto à interpretação dos acontecimentos, Aydano Roriz permite-se algumas fantasias, o que empresta à obra um certo picante. 

Não interessando discorrer sobre os eventos propriamente históricos, que já foram por nós abundantemente referidos em vários anteriores posts deste blogue, assinalaremos os casos que decorrem da imaginação criativa do autor.

- O rei D. Manuel I casou pela terceira e última vez em 1518 com D. Leonor de Áustria (1498-1558), irmã de Carlos Quinto, que fora prometida ao príncipe D. João (futuro D. João III).  Mas D. Manuel I morreu em 1521, sem filhos deste casamento. Viúva, D. Leonor casaria novamente em 1530 com o rei Francisco I de França. Dado que D. Leonor permaneceu algum tempo em Lisboa depois da morte do marido, antes de regressar a Espanha e de ir depois para França, o autor imagina que o jovem D. João III manteve uma ligação sexual com a madrasta, praticamente da sua idade, e com a qual esteve até para se consorciar após a morte do pai. Aliás, era essa a vontade de muitos portugueses. A efabulação vai ao ponto de relatar que desse relacionamento nasceu uma criança e que D. Leonor ficou oculta num mosteiro de Espanha a fim de a dar à luz. (p. 34)

- O rei D. Sebastião nasceu hermafrodita, com um pequeno pénis e uma pequena vagina e com a bolsa escrotal murcha.  Assustado, D. João III confidenciou o caso ao seu amigo de muitos anos, o conde de Castanheira, encarregando-o de procurar um físico para esclarecer a situação. O conde conseguiu trazer a Portugal o cristão-novo João Rodrigues (que ficou conhecido como Amato Lusitano) para se informar sobre o futuro do futuro rei de Portugal. O famoso médico e erudito declarou que nada havia a fazer, limitando-se a receitar algumas substâncias para desenvolver os humores masculinos. O assunto permaneceu na maior confidencialidade, dele havendo conhecimento, além de D. João III e de D. Catarina, o cardeal D. Henrique e o conde de Castanheira. (p. 46)

- Em 1552, Lourenço Pires de Távora foi buscar a Castela a princesa D. Joana, filha de Carlos Quinto e irmã de Filipe II, para se casar com D. João Manuel, filho de D. João III. No percurso para Lisboa, a comitiva pernoitou em diversos locais, tendo o fidalgo e a princesa dormido muitas noites sob o mesmo tecto. Como D. Joana engravidou muito rapidamente, e haviam sido surpreendidos a trocar confidências, muita gente pensou que, apesar de muita devota, ela tivesse tido relações com Lourenço de Távora, que seria o verdadeiro pai de D. Sebastião. (p. 55)

- A piedade de D. Joana foi bem conhecida. Após muitas tentativas, conseguiu ingressar, com autorização do Papa, na Companhia de Jesus, com o nome de Mateo Sánchez. Tratou-se de um assunto da maior confidencialidade, já que a Ordem não admite mulheres. A princesa fundaria o Mosteiro de las Descalzas Reales, em Madrid.  (p. 73)

- A mesma D. Joana terá sido violada, com grande violência, por seu sobrinho o príncipe D. Carlos, filho de Filipe II, que a surpreendeu no leito. O príncipe, que dava sinais de loucura, foi mais tarde preso pelo pai e apareceu enforcado na sua cela. (p. 206)

Mencionados estes episódios, que não são inverosímeis, não alongaremos o texto. Resta frisar que o autor trata sempre D. Sebastião com ironia ou mordacidade, salientando o carácter autoritário e irreflectido do rei.

 

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