Em 1975 foi publicado pela primeira vez em Portugal o romance A Mulata, de Carlos Malheiro Dias (1875-1941), assinalando o primeiro centenário do seu nascimento, e que havia sido editado originalmente no Brasil em 1896.
Acontece que A Mulata não é verdadeiramente um romance mas antes uma longa dissertação filosófico-literária onde se encontra incrustado (hoje dir-se-á plasmado) um romance. Trata-se de um livro de mais de 400 páginas, servido por uma linguagem rebuscada e ortodoxamente naturalista, mas demonstrando já as capacidades do autor, então com apenas 21 anos, que se tornaria mais tarde um consagrado romancista, jornalista e historiador, e também político, mas que se encontra hoje praticamente esquecido.
Monárquico convicto e católico assumido, Carlos Malheiro Dias foi iniciado na Maçonaria em 1897, donde seria posteriormente irradiado.
A obra, recheada de citações e referências eruditas, é também um ensaio de psicologia não só das personagens mas da humanidade em geral, e especialmente do protagonista, Edmundo, jornalista tuberculoso de 21 anos cuja paixão fatal por Honorina, a "mulata", o há-de conduzir à morte.
Embora gostando de Edmundo, Honorina é uma prostituta que não se exime a manter relações sexuais com outros homens, e mesmo com mulheres, já que, com a sua amiga Emília, cultiva o lesbianismo.
Outras figuras perpassam pelo livro, como Julião, o pobre estudante de medicina que, mergulhando no álcool, acaba na prisão, ou Emílio de Alcântara, que acha as mulheres impuras, faz o elogio da Antiguidade, arranja um efebo e indigna-se por não encontrar nas livrarias do Rio de Janeiro (onde a acção decorre) o livro de Abel Botelho O Barão de Lavos (1891), comentando: «Não encontro; decididamente, não há livrarias nesta terra, ninguém lê... - E baixando a voz: - A pederastia morre à falta de incentivos! E é pena...» (p. 332)
Atendendo ao conteúdo, e também por alusões à situação política brasileira, A Mulata provocou um escândalo no Brasil e Carlos Malheiro Dias foi constrangido a regressar a Portugal, acabando mesmo por retirar o romance da lista das suas obras publicadas. Pelo seu teor, o livro foi considerado um insulto ao povo, à magistratura, ao exército, à imprensa, à literatura. Porém, sem razão. Os brasileiros já tinham lido O Mulato, de Aluísio Azevedo (1881) e O Bom-Crioulo, de Adolfo Caminha (1895), embora este, por tratar não só de relações entre pessoas de etnia diferente mas também da homossexualidade na Marinha, tivesse igualmente originado escândalo público.
Com a proclamação da República em Portugal (1910), Carlos Malheiro Dias voltaria ao Brasil, onde residiu até 1935, data em que regressou a Lisboa.
O prefácio à presente edição de A Mulata é assinado por Alexandre Pinheiro Torres.
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