quarta-feira, 6 de julho de 2022

A FRANÇA AOS FRANCESES!

A propósito da campanha eleitoral para as últimas eleições presidenciais francesas, e das posições assumidas quanto à imigração pelos candidatos do Rassemblement National, Marine Le Pen, e de La Reconquête, Éric Zemmour, escrevi neste blogue sobre as grandes teorizações do tema da prevalência das populações, a saber, a de Jean Raspail, em Le Camp des Saints, e a de Renaud Camus em Le Grand Remplacement. Citei, também, Edouard Drumont, a quem se deve a primeira e volumosa tese relativa à substituição dos franceses de souche na vida nacional, neste caso pelos judeus, em La France Juive

Foi, realmente, Drumont quem apresentou, e depois largamente divulgou, a ideia de que os judeus, nomeadamente através da Banca, se tinham apoderado da condução da vida política francesa. Esta tese manteve-se activa em França (e ainda é bem visível) por ter sido defendida mais tarde por Jean-Marie Le Pen, à frente do Front National. A evolução deste partido, e a substituição do pai pela filha à testa do mesmo, levou a que os judeus fossem trocados por muçulmanos e, mais recentemente, por imigrantes em geral.

Como proclamava Drumont: "A França aos Franceses"! E esta é uma preocupação que se mantém no hexágono. É evidente que os fenómenos migratórios são uma constante da História (Umberto Eco escreveu sobre o problema) e não são facilmente travados. Eles têm-se verificado nas últimas décadas em direcção à Europa, por óbvias razões, não só económicas mas também decorrentes das guerras que o Ocidente vai provocando nas suas regiões. No momento em que escrevo, a grande migração é mesmo dentro da Europa, em virtude da guerra na Ucrânia. Apraz também dizer que certas migrações foram (e são) largamente benéficas para o continente europeu, falho de mão-de-obra para serviços que os autóctones europeus desdenham exercer. Daí o fluxo de imigrantes norte-africanos, desde há largo tempo, e igualmente de asiáticos e, mais recentemente, de latino-americanos.

Mas não é a imigração que me move neste escrito, mas um comentário ao livro La France Juive, de Edouard Drumont, que prometera quando discorri sobre Le Grand Remplacement e Le Camp des Saints. Confesso que não  comprei nem li La France Juive, (obra em dois volumes com 1 200 páginas) cujo original está obviamente esgotado e cujas reimpressões custam centenas ou mesmo milhares de euros, tendo optado pela completa biografia do autor, devida a Grégoire Kauffmann (mesmo assim mais de 500 páginas), que tem o mérito de enquadrar aquela obra no tempo de Drumont.

Não pretendo resumir aqui a vasta obra de Kauffmann mas apenas traçar uma breve trajectória de Drumont, enquadrando-a na França da época. O livro de Kaufmann é muito pormenorizado, recheado de referências, sendo por vezes mesmo excessivo na quantidade de informação que nos faculta. Digamos que é um livro para utilização de especialistas na matéria. 

Edouard Drumont nasceu em 1884. Originário de família modesta, iniciou uma carreira de jornalista, considerando-se sempre vítima dos seus colegas de estudos, nomeadamente dos que eram judeus. Aderiu cedo ao catolicismo, digamos que a um catolicismo histórico, só muito mais tarde se verificando a sua conversão a um catolicismo propriamente religioso. É mesmo possível que, realmente, nunca tenha efectuado a sua verdadeira conversão espiritual.

Em jovem, recebeu uma profunda influência do padre Du Lac, sacerdote jesuíta e iniciou-se no estudo dos rituais judaicos. Durante seis anos trabalhou no livro que o tornaria célebre, La France juive, que viria a ser publicado (1886) graças à influência do seu grande amigo, o escritor Alphonse Daudet, que intercedeu a seu favor junto de Ernest Flammarion. Mas não foi a grande editora parisiense a editá-lo, mas um seu associado, Charles Marpon. A primeira edição teve uma tiragem de apenas 2 000 exemplares, já que se receava pelo sucesso da obra, que foi publicada por conta do autor, garantindo os editores a sua distribuição, através da vasta rede de que dispunham. Consultado sobre a obra, o padre Du Lac aconselhou moderação e corrigiu algumas partes do livro. No momento em que a Europa se encontrava assolada por uma vaga de anti-semitismo, o livro recebeu um acolhimento entusiástico, pois constituía a primeira obra de grande fôlego (1 200 páginas) sobre o tema.

«Le modèle d'Edouard Drumont est le maître ouvrage d'Hyppolyte Taine Les Origines de la France contemporaine, dont le deuxième volume, La Conquête jacobine, a été publiée en 1881. "Taine a écrit La Conquête jacobine. Je veux écrire La Conquête juive: ainsi débute La France juive.» (p. 83). Os dois volumes contêm seis "livros":

1 – Le Juif

2 – Le Juif dans l’histoire de France

3 – Gambetta et sa cour

4 – Crémieux et l’Alliance israélite universelle

5 – Paris juif et la société française

6 – La persécution juive

 

O livro é um violento manifesto anti-judaico, utilizando várias vezes duas frases que os discípulos de Drumont repetirão à saciedade: "Quand le Juif monte, la France baisse; quand le Juif baisse, la France monte" e "Le seul auquel la Révolution ait profité est le Juif. Tout vient du Juif; tout revient au Juif" (p. 85)

 

A obra inspira-se de certa forma em Renan e a repetição das fórmulas e dos lugares comuns torna-a enfadonha. Uma das obsessões de Drumont é a insistência nas taras hereditárias dos judeus. E também a detenção pelos judeus do poder financeiro em França, aos quais pertencia, no final do século XIX, 20% das instituições bancárias, designadamente as detidas pela família Rothschild.


«Au total, La France juive est un bariolage de doctrines parfois contradictoires, une compilation peu rigoreuse de "démonstrations" et de "preuves" aboutissant toutes au même constat: le caractère prétendument comploteur et envahisseur des Juifs, assimilés à la société moderne, au développement du capitalisme et au triomphe du laïcisme républicain, supposé menacer la cohésion identitaire de la France. Dans l'expression de ce rejet, la dimension religieuse l'emporte sur toutes les autres. Rédigé sous l'inspiration de la "grâce", La France juive se veut d'abord et surtout une réponse aux menées anticléricales, aux décrets d'expulsion, à la "persécution" des catholiques, pour prendre la terminologie de l'auteur. Les contemporains du polémiste ne s'y tromperont pas: à quelque camp qu'ils appartiennent, c'est la lumière du conflit qui oppose les catholiques au pouvoir républicain qu'ils tenteront d'interpréter le sens de La France juive.» (pp. 100-101)


«Le pouvoir de séduction des thèmes de La France juive obéit à quelques grandes lignes de force. Leur dénominateur commun est ce sentiment éprouvé par de nombreux Français que leur pays s'achemine inexorablement vers le déclin. Drumont s'adresse aux désanchantés du progrès, aux laissés-por compte de la modernité. La France des années 1880 connaît de profundes mutations structurelles sources d'anxiété, de pessimisme et de désespoir culturel. Les campagnes se décloisonnent, l'urbanisation progresse, les échanges s'emballent, l'industrialisation s'intensifie, les solidarités naturelles volent en éclats sous l'effet de l'exode rural et de la centralisation administrative. Les cadres traditionnels de l'ancienne France se délitent; la foi recule. Le changement, vertigineux, bouleverse les modes de représentation et réactive les grands peurs collectives. Les contemporains de Drumont assistent bel et bien à la "fin d'un monde", pour reprendre une expression chère au polémiste. Ce dernier leur fournit une clef d'explication totalisante, qui soulage leur conscience en même temps qu'elle les innocente. Le chaos apparente, l'ordre injuste du monde ont une cause univoque: la conspiration juive, envers diabolique du réel et "main invisible" du désosrdre moderne. L'antisémitisme, dont la rhétorique émotive fait largement appel à l'irrationnel, remplit en la circonstance une fonction rationalisante et stabilisatrice.» (p. 125)

 

As sucessivas críticas a La France juive nos jornais provocaram um sucesso de vendas. Esgotados os 2 000 exemplares de Abril de 1886, as reimpressões sucederam-se: em fim de Maio tinham sido ultrapassados os 20 000 exemplares; nos finais do Verão a tiragem ia em 50 000; um ano depois em 62 000. E até 1910 foi impresso um bom milhar cada ano. E houve rapidamente traduções em italiano, espanhol, polaco, alemão, etc. (p. 127)


Analisando a situação política em França, Kauffmann examina uma certa convergência do anti-semitismo e do boulangismo, já que ambos tinham inimigos comuns.


Em 1889, Drumont publica La fin d'un monde, que Edmond de Goncourt, do círculo de Daudet, considera superior a La France juive. «L'idée-force de La fin d'un monde tient en peu de mots. La Révolution française s'est faite au seul profit de la bourgeoisie, contre la volonté et aux dépens du peuple. Achetant à vil prix les bien nationaux, ses bénéficiaires ont constitué d'immenses fortunes, transmises de la première à la troisième génération. Héritière et profiteuse des grandes spoliations jacobines, celle-ci triomphe aujourd'hui. Ces fortunes sont illégitimes car elles reposent sur le vol et la spéculation. L'État républicain, rempart de l'ordre bourgeois, ne l'est pas moins. Les socialistes qui le récusent sont ainsi dans leur droit. Inhumainement exploité, coupé de Dieu, abandonné par le haut clergé qui ignore ses soufrances, le prolétariat attend sa revanche. L'aristocratie, prosternée devant le dieu Argent, a partie liée avec les grands féodalités financières qui ruinent l'économie nationale au profit de quelques parvenus. Les députés catholiques de la Chambre sont reçus chez les Rothschild. Les grandes dames du faubourg Saint-Germain "se livrent le matin à des momeries dans les églises [...] et, le soir, vont flirter avec des jeunes Juifs qui puent de façon désordonnée [sic]". C'est l' "anarchie bourgeoise". Sur les décombres de l'ordre ancien, au milieu de l'universel chaos, le Juif fait entendre son rire lugubre: il règne en maître, la France est son jouet.» (p. 145)

 

«La Fin d'un monde a souvent été qualifié de livre "socialiste". Drumont n'utiise pas ce terme pour définir son réquisitoire populiste et antibourgeois, mais l'ouvrage est nourri de références empruntées à une myriade d'auteurs socialistes auxquels il dit sa sympathie: "Le but poursuivi pas les socialistes de bonne foi est très noble et leur oeuvre est très nécessaire." (p. 145)

 

O anti-semitismo em França encontrava-se muito espalhado nos meios socialistas. Aliás, numa amálgama com o boulangismo, cujos apoiantes cultivavam as mesmas tendências. Assim, não são de estranhar certas referências de Drumont. «On n'est pas peu surpris de voir l'auteur de La Fin d'un monde citer le Manifeste du Parti communiste de Marx et Engels (dont les premières traductions en français datent de 1885-1886) ou le Droit à la paresse de Paul Fafargue. Mais Drumont, comme l'ensemble de ses contemporains, se livre à une lecture très superficielle du marxisme.» (p. 147)

 

Em 1889, foi criada a Liga Nacional Antisemita de França, que serviu para enquadrar os partidários de Drumont. Para muitos franceses, o anti-semitismo tornou-se uma ideologia de substituição, não sendo nem de esquerda nem de direita [Agora até estou a lembrar-me de Macron !!!]. O Manifesto do Comité da Liga apareceu em 5 de Setembro de 1889 e pedia a verificação da origem de certas fortunas escandalosas da Banca, nos últimos cinquenta anos, terminando assim: "Au milieu de la confusion actuelle, votez toujours pour un bon Français de France. Au moins lui, devant l'ennemi, ne vous trahira jamais. Votez pour les Français qui arracheront notre patrie au joug des Juifs allemands. Vive la France!" (p. 172)

 

«Selon un rapport de police, Drumont et ses amis auraient également profité de la générosité de donateurs étrangers, notamment du prince Colonna, descendant d'une illustre lignée romaine, et du prince de Liechtenstein, principal animateur, aux côtés de Karl Lueger, du mouvement antisémite autrichien, qui se transforme dans ces années en organisation de masse.» (p. 174)

 

Um dos principais visados pelas diatribes de Drumont e dos seus adeptos é o barão de Rothschild. Assim, pode ler-se: «"Guerre aux Juifs!" s'époumonent en choeur Laisant et Susini avant de céder la parole à Drumont. "Je ne viens pas parler ici en politicien, je suis un historien sociale", tient à préciser ce dernier, avant de se lancer dans une interminable diatribe contre le baron de Rothschild, "banquier de la Triple Alliance". "Savez-vous, lance Drumont, ce que représentent les trois milliards de Rothschild? Ces trois milliards répresentent le salaire de trois millions d'ouvriers travaillant toute une année, sans un jour de repos, à trois francs par jour."» (p. 177)

 

Nesta época, aparece Léo Taxil [de que possuo uma obra]. «Avant d'être considéré comme un imposteur de génie, Gabriel Jogand-Pagès, dit Léo Taxil, fut longtemps choyé par les autorités catholiques, qui donnaient volontiers en exemple l'itinéraire de ce fils prodigue, revenu des égarements de sa jeunesse pour s'enrôler avec fougue dans la lutte antimaçonnique. Ancien élève des jésuites, devenu franc-maçon, Taxil se fit d'abord connaître par ses ouvrages orduriers contre le pape, les prêtres et les religieuses. [...] Puis, du jour au lendemain, en avril 1885, Taxil prétendait avoir retrouvé la foi. Il fit un pèlerinage à Rome et se mit à écrire contre les ennemis de l'Église, républicains, libre-penseurs et surtout franc-maçons, accusant ces derniers d'ourdir un complot luciférien visant à instaurer le règne de l'Antichrist.» (p. 188)


Farejando o fascínio "fim de século" pelo esoterismo e as conspirações diabólicas, Drumont e Taxil partilharam numerosos leitores. E Taxil identifica-se com Drumont na luta anti-semita, nas publicações do seu jornal La France chrétienne.

 

Kauffmann analisa o desenvolvimento do anti-semitismo em França a partir de 1892 e a ligação deste com o catolicismo e o nacionalismo. Barrès e Maurras, anti-parlamentaristas como Drumont, subscrevem as teses deste. É neste ano que Edouard Drumont cria o jornal La Libre Parole, que significa o seu regresso ao jornalismo. A palavra de ordem é "La France aux Français". O jornal desempenhou um papel importante no célebre caso do Canal de Panamá, que teve as maiores repercussões em França, envolvendo as mais altas personalidades.


No caso Dreyfus La Libre Parole desempenhou também um papel importante, considerando o oficial como um "traidor-judeu" e defendendo a sua condenação.


Em 1890, Drumont propôs, em La Dernière Bataille, a expulsão dos judeus para a Palestina. Sete anos mais tarde tomou conhecimento do livro L'État juif, de Theodor Herzl (Viena, 1896 - Tradução francesa, 1897) e passou a sustentar a tese de Herzl, considerando o sionismo como a resposta lógica às questões colocadas pelo anti-semitismo. (p. 318)

 

O livro ocupa-se depois do processo Dreyfus, da proclamação de Zola e das posições de Drumont, que seria, em 1898, eleito deputado pela 1ª circunscrição de Argel.  Passando por cima dos episódios relativos à sua participação na Câmara (a extensão do livro obriga-nos a omitir muitos pormenores), a projecção de Drumont começa a enfraquecer. A Liga Antisemita (tornada o Grande Ocidente de França) começa a esvaziar-se dos seus membros.


«Les relations entre Drumont et la jeune Action française n'ont jamais fait l'objet d'une étude approfondie. Les historiens se bornent à souligner la forte influence exercée par le directeur de La Libre Parole sur l'antisémitisme maurrassien, influence constamment revendiquée par Maurras qui, au lendemain de la mort de Drumont, saluera sa mémoire par ce mot souvent cité: "La formule nationaliste est née, presque tout entière, de lui." Presque tout entière, car il est bien évident que le maître à penser de l'Action française, tout en reconnaissant sa dette intellectuelle à l'égard de Drumont, s'attribue la paternité de cette "formule". (p. 423)


«L'antiromantisme de Maurras, comme son agnosticisme, éclaire pour une part son antisémitisme. Le "désordre romantique", selon lui, dérive du monothéisme, idée juive. Maurras impute au monothéisme l' "esprit révolutionnaire du Judaïsme": "C'est dans la Loi et les Prophètes, interprétés à la lettre et charnellement, que se montrent les premiers termes antiques de l'individualisme, de l'égalitarisme, de l'humanitarisme et de l'idéalisme politique et social de 1789"» (p. 424)


Sendo uma sua velha aspiração, Drumont foi candidato, em 1909, a uma cadeira da Academia Francesa, mas estando quase empatado na 1ª volta, perdeu à 4ª volta, a favor de Marcel Prévost (p. 433)


Edouard Drumont morreu em 3 de Fevereiro de 1917 e foi sepultado no cemitério parisiense de Saint-Ouen, tendo os seus restos mortais sido transferidos em 7 de Novembro de 1917 para uma sepultura definitiva no Cimetière du Père Lachaise. Em Fevereiro de 1943, durante a Segunda Guerra Mundial, foi colocada uma inscrição na sepultura: « À l'auteur de l'immortel chef-d'œuvre, La France juive, por iniciativa de Jean Drault, por ocasião de uma "peregrinação" organizada pela Union des forces françaises. Em 2000, o Conselho Municipal de Paris mandou retirar o epitáfio, considerado como uma perturbação da ordem pública.


Muito mais haveria a escrever. Este livro, com quase 600 páginas, é muito pormenorizado, por vezes demasiado. Seria preferível uma obra, suficientemente documentada como esta, mas que abordasse apenas os pontos essenciais da vida, da obra e da acção desenvolvida por um homem controverso que, todavia, durante muito tempo, exerceu profunda influência no espírito dos franceses, e não só. 


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