Transcreve-se, sem comentários (já foram feitos tantos que parece dispensável), o texto publicado em "O Economista Português", pelo prof. doutor Luís Salgado de Matos:
O Engº Carlos Moedas leu num ápice as
80 páginas do relatório do Fmi e juntou a sua voz à cacofonia
governamental: o relatório é «excelente» – mas esqueceu-se de dizer que
era excelente apenas para os credores de Portugal
Foi ontem divulgado o relatório para cortar despesas públicas que o Governo do Dr. Passos Coelho pediu ao Fundo Monetário Internacional (Fmi). Intitula-se Rethinking The State — Selected Expenditure Reform Options. O próprio relatório traduz Rethinking de um modo estranho: traduz por refundação, a palavra-chave do estribilho governamental. O subtítulo informa que tratará de opções de reforma de algumas despesas; não especifica que essas despesas são públicas, mas é apenas delas que trata de modo metódico.
Quando consultamos o índice de Rethinking The State, logo verificamos que trata dos vencimentos dos funcionários públicos, das pensões de reforma, benefícios sociais além das pensões (subsídio de desemprego e rendimento social de inserção), das despesas com a educação e a saúde, com referências menos sistemáticas às forças militares e de segurança. O leitor logo verifica que o Fmi não estuda uma das nossas principais despesas: o serviço da dívida pública. É pena que o não faça. Tal como está, é o relatório de uma comissão de credores apressados e não o de um fundo monetário e internacional -, se o fosse, deveria reequacionar a reestruturação da dívida e a sua renegociação.
Rethinking The State repete lugares comuns do politicamente correto de hoje: Portugal gasta mais do que a média da União Europeia com os funcionários públicos, pensões de reforma, com a educação e a saúde, com a segurança. Recomenda a redução dos gastos, afirmando serem insustentáveis. A afirmação dessa insustentabilidade é repetida – mas nunca é demonstrada. Todas as despesas são insustentáveis, mesmo que a economia cresça como o Fmi e o governo prevêem? Um estudo económico sério colocaria esta questão e tentaria responder-lhe – mas em vão procurámos a resposta em Rethinking The State.
Para reduzir a despesa pública Rethinking The State recomenda com frequência a diminuição da massa salarial dos empregados do Estado. A sua solução preferida parece ser o despedimento; mas também parece recomendar o corte salarial. Contudo, nunca analisa os efeitos económicos e sociais de outro método para atingir o mesmo resultado: a diminuição dos vencimentos dos funcionários públicos. Dito de outro modo: nunca compara os custos e vantagens de uma e de outra solução.
A metodologia económica lembra a do Avante! As afirmações são repetidas sem provas, massacrando o leitor. O raciocínio é quase sempre assente em médias cujo significado é de vez em quando analisado. Em geral, falta uma abordagem marginal: diminuir em um euro a despesa no ensino diminui mais o Pib do que cortar em um euro a despesa na saúde? Como variam as consequências sociais daqueles dois cortes? Este género de subtilezas não interessa o Fmi.
Rethinking The State nasceu com a equidade na boca: a palavras e as da sua família são usadas 68 vezes em 77 páginas de texto. A falta de equidade é a arma para combater as reformas dos funcionários públicos. A afirmação é feita no sumário executivo e não é demonstrada. Em anexo final, transcrevemos a parte relevante do sumário executivo e a demonstração constante do texto. Se o leitor comparar, verificará estar perante afirmações dogmáticas e não perante um raciocínio probatório: quanto descontaram uns e outros? Essa questão nem sequer é aflorada. Rethinking The State usa com frequência este método de repetir afirmações não provadas. Outro exemplo: o prémio de que beneficiam os funcionários públicos nos seus vencimentos. O relatório afirma dez vezes a existência desse prémio. Mas nunca é proposta uma tentativa de quantificação dele.
Além de não usar um raciocínio económico, no sentido de procurar o emprego mais produtivo de bens escassos, Rethinking The State ignora que Portugal é um Estado de Direito: as pensões dos funcionários públicos são consideradas iníquas, mas o relatório nunca se interroga se essas pensões estavam integradas naquilo que o Estado prometeu pagar aos seus funcionários quando os contratou e enquanto beneficiou dos seus serviços. O relatório recomenda os despedimentos dos empregados do Estado e nunca se interroga se essa questão é legal e constitucionalmente possível.
Rethinking The State começa por um abuso de linguagem: nunca estuda o Estado e por isso devia intitular-se: «Reforma da Despesa Pública: Implicações para Repensar o Estado». É um documento de propaganda, não contendo um facto ou raciocínio novos; é inútil para qualquer trabalho de reforma séria do Estado ou da economia em Portugal. É um relatório chapa 1, daqueles que o Fundo despeja sobre as Micaráguas deste mundo.
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Ficámos a saber pelo Rethinking The State que o Governo «já
completou o seu exercício anual de comparação (com cujas linhas gerais o
grupo de missão concorda)» (segundo parágrafo da pág. 6). Traduzimos benchmarking por comparação. É curioso que os portugueses ignorem por completo este exercício. Quando teremos a possibilidade de conhecer o documento económico secreto do Governo?
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Anexo
Rethinking The State : Afirmação da falta de equidade das pensões de aposentação da função pública
an average pension in the civil service retirement system (CGA) is nearly three times higher than an average pension in the general contributory regime (GCR), and CGA retirees also worked fewer hours per week and fewer years before retiring. (p.7)
Rethinking The State : Demonstração da falta de equidade das pensões de aposentação da função pública
The pension system is not equitable. Workers in the civil service and workers in the private sector receive vastly different pensions. Civil servants, who account for about 15 percent of all retirees, receive 35 percent of all pension spending. The average old-age pension in the CGA (€16,052 per year) is nearly three times higher than the average old-age pension in the GCR (€5,515 per year). The differences in average pensions significantly exceed the differences in average earnings (€1,800 vs. €700 per month). This suggests that civil service pensions carry a premium of about 15 percent relative to private sector pensions.42 This is further exacerbated by considering that civil servants work fewer hours per week and, in many cases (e.g., for the military, diplomats, judges, and justice officers), have a benefit formula that counts more than one year of contributions for each year of work (pp. 37-38).
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2 comentários:
O Moedas, como já foi pedido pelo presidente da Câmara de Cascais, deveria ir para o olho da rua.
Li o relatório e tem dados falsos. É um embuste. Isto tem de ser denunciado e o governo tem de cair.
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