terça-feira, 1 de janeiro de 2013
REENCONTRAR A ESPERANÇA?
Terminou o ano de 2012, ano em que Portugal e o Mundo continuaram a afundar-se no abismo provocado pela progressiva instalação de um ultra-liberalismo mortal e de uma sociedade de consumo mergulhada na satisfação de necessidades inexistentes. Jean-Claude Guillebaud (n. em Argel, em 1944), prestigiado escritor e jornalista francês, afirma que, apesar de tudo, ainda é possível uma vida diferente (Une autre vie est possible, 2012), que ainda há possibilidades de reencontrar a esperança.
Não estou tão certo do moderado optimismo de Guillebaud, mas não me eximo a registar algumas passagens da sua obra:
« Vainquer du communisme, débarrassé de son challengeur historique, régnant sans partage, la capitalisme c'était roidi au point de devenir simpliste, c'est-à-dire "autre". Son discours se ramena à quelques injonctions lapidaires. Elles résumaient, en les simplifiant encore, les dogmes élaborés entre 1959 et 1970 par Milton Friedman et son "école de Chicago". J'en résume les quatre principaux. Credo nº un: il est moins dangereux de défendre des intérêts que des convictions. Credo nº deux: l'efficacité des marchés (on parle doctement de leur efficience) est supérieure à celle de la décision politique. Credo nº trois: l'intérêt général n'est rien d'autre que la combinaison concurrentielle des intérêts particuliers puisq' "une société, ça n'existe pas", comme disait Margaret Thatcher. Credo nº quatre: il faut ramener l'État à un étiage minimal et privatiser le reste, y compris les anciens services publics.» (pág. 57)
«On prit l'habitude de parler de "néolibéralisme". Cela ne signifie pas grand-chose, mais on n'a pas trouvé mieux. J'ajouterai une remarque. Le capitalisme ainsi contrefait emprunta curieusement bon nombre de ses logiques ao communisme qu'il venait de vaincre. Je pense au scientisme revendiqué ("l'économie est une science"), au dédain des superstructures ("la politique doit obéir à l'économie"), au mépris du réel ("Si cela ne marche pas, alors il faut privatiser davantage"), à la promesse imprudente ("les lendemains qui chantent") de l'abondance, etc. Invité en 2005 à faire une conférence au "Club des entrepeneurs" à Düsseldorf (Allemagne), je m'étais retrouvé devant une centaine de chefs d'entreprise français ou francophones. En guise de provocation, j'avais posé d'entrée la question introductive: m'autorisez-vous à tenter de vous démontrer que vous devenez peu à peu des "marxistes blancs"? Leurs stupéfaction, puis leur trouble m'avaient amusé.» (pág. 62/3)
«La gauche dite morale supplanta la gauche sociale, et les pauvres selon Galbraith furent véritablement oubliés. Disons que la diversité l'emporta sur l'égalité.» (pág. 70)
«La mondialisation qui nous semble cataclysmique n'est rien de plus qu'une répétition, presque à l'dentique, des mondialisations précédentes (à la Renaissance, au XIXe siècle, etc.). Je ne suis pas convaincu par ce raisonnement. Je le crois même archifaux. À mes yeux, les contre-discours du type "la mondialisation n'a rien d'inédit" n'ont pas (ou plus) le moindre sens. Cette fois, en effet, un changement radical est bel et bien à l'oeuvre, un de ces basculements comme il s'en produit une ou deux fois par millénaire, et peut-être moins souvent encore. Un monde totalement autre respire en effet sous les ruines. Cette vérité est si aveuglante que nous avons du mal à la considérer, c'est-á-dire à croire ce que nous savons (Bergson).» (pág. 120/1)
Sobre as "mutações", na esteira de Edgar Morin, Henri Atlan e Cornélius Castoriadis, Guillebaud escreve:
«Qu'il me suffise de désigner ici, le plus clairement possible, les mutations en question, celles qui se mêlent et, invisiblement, se conjuguent. J'en dénombre cinq. Le chiffre est arbitraire, mais je le crois assez juste. Ces cinq mutations, à vrai dire, nous connaissons chacune d'entre elles...
1 - La première mutation est géopolitique. Je propose de l'appeler le décentrement du monde...
2 - La deuxième mutation est économique.Appelons-la mondialisation ou globalisation...
3 - La troisième mutation touche à la biologie (la "science qui a pour objet les êtres vivants"): c'est la révolution génétique...
4 - La quatrième mutation est induite par les technologies les plus avancées: on l'appele communément révolution numérique ou informatique...
5 - Le cinquième séisme historique, c'est la révolution écologique...(pág. 123/132)
Sobre o "sonho europeu", seus equívocos, ambiguidades e má-fé, o autor escreve:
«La social-démocratie européenne - via la Commission de Bruxelles - fut rapidement contaminée par la logique anglo-saxonne. Loin de nous protéger contre une influence venue d'outre Atlantique, la construction européenne en devint le cheval de Troie et fit entrer ce "modèle" chez nous, en contrebande. Le centre de gravité politique de la Commission de Bruxelles favorisa la chose. Que ladite Commission puisse être présidé par un homme comme l'ancien gauchiste portugais José Manuel Durão Barroso, sans vraies convictions ni caractère, fut le signe de cette dérive.» (pág. 153/4)
(O sublinhado é meu)
«À ce sujet, il faut bien reconnaître une chose: l'un des premiers reproches qu'on puisse faire aux bâtisseurs de l'Europe - à commencer par le premier d'entre eux, Jean Monnet -, c'est leur refus de prendre la vraie mesure d'une réalité nationale qu'il est absurde de passer par pertes et profits. Identifier la nation au nationalisme et ce dernier au mal absolu est un raccourci partiellement faux.»
Diga-se, de passagem, que Guillebaud enfatiza excessivamente a matriz judaico-cristã da "civilização europeia", esquecendo de alguma forma o passado greco-romano e as contribuições inestimáveis do Islão na Península Ibérica, na Itália do Sul e nos Balcãs e que o próprio sultão otomano Suleiman esteve por duas vezes ás portas de Viena. Tão-pouco os franceses poderão ignorar que um dos seus bolos preferidos, o "croissant" (crescente), criação oriental, entrou na Europa "judaico-cristã" exactamente através de uma Viena sitiada pelos turcos.
Também me parece excessiva a forma como o autor recorre à Torah e ao Antigo Testamento, em geral, para fundamentar o que classifica de "souviens-toi du futur", que vai buscar à palavra hebraica zakhor, constante do Deuterenómio, bem como a sua evocação dos profetas judaicos e da tradição judaica. Trata-se do capítulo mais estranho, discutível e quiçá contraditório deste excelente livro.
Todavia, não compartilho o relativo optimismo de Jean-Claude Guillebaud concernente aos novos movimentos que por todo o lado surgem para contestar o estado da sociedade a que chegámos. Nem o altermundialismo, nem as comunidades autónomas, especialmente de jovens, que vão surgindo um pouco por toda a parte, nem mesmo a abnegada acção de intelectuais mais esclarecidos que tentam demonstrar o óbvio, me parecem suficientes para evitar o desastre.
A salvação do mundo (José Régio escreveu uma peça com este título) só poderá advir da instalação de uma ordem nova, fundada num paradigma (a palavra foi inventada em 1962 pelo historiador americano das ciências Thomas S. Kuhn) radicalmente diferente do actual, em que os valores do espírito se sobreponham ao valor do dinheiro. Apraz-me citar, a propósito, que o próprio papa Bento XVI, na sua mensagem de Ano Novo, se pronunciou contra o "capitalismo financeiro desregrado" e as crescentes desigualdades sociais e defendeu a função social do Estado. Não tem hoje a palavra do papa a influência que já teve (nem os especuladores financeiros que apenas cuidam dos bens materiais, que para eles vivem e por eles morrem, se importam muito com as considerações do pontífice romano), mas é bom que a Igreja Católica faça ouvir a sua voz tão alto quanto possível.
Os defensores da "mão invisível" evocada por Adam Smith no famoso ensaio A Riqueza das Nações, e segundo a qual o mercado se encarregaria de estabelecer o bem-comum, interpretam a metáfora segundo os seus interesses, esquecendo que o mesmo Smith, uns vinte anos antes, escrevera a Teoria dos Sentimentos Morais, em que insiste na noção de simpatia, que permitiria partilhar os sentimentos dos outros e concorrer para o equilíbrio da sociedade.
Termino com três votos:
1) Para todos, o melhor ano de 2013, dentro dos condicionalismos presentes;
2) Que leiam este livro, de que me limitei a citar breves passagens;
3) Que a esperança que Guillebaud ainda alimenta sobre os homens e o mundo possa tornar-se realidade e que o pessimismo instalado na generalidade do planeta (não só na Europa, mas nas angústias do mundo árabe em convulsão, nos sangrentos conflitos de África, nas progressivas dúvidas que invadem os Estados Unidos, nas promessas paralisadas dos BRIC's, na instabilidade da América Latina) possa ser contrariado pelos factos.
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