Rei Abdullah |
O rei Abdullah bin Abdulaziz Al Saud da Arábia Saudita (o único país que ostenta na sua designação o nome da família reinante), usa também o título de Guardião das Duas Mesquitas Sagradas (Meca e Medina). Seria, pois, de esperar que fosse um fervoroso crente, homem temente a Deus e empenhado na felicidade do seu semelhante. Duvido, contudo, que o seja. Duvido, até, que seja crente.
A criação do reino da Arábia Saudita é recente (1932). O território engloba fundamentalmente as zonas do Hijjaz e do Nejd e ocupa a maior parte da Península Arábica, onde também se situam o Yemen, o Oman, o Qatar, os Emirados Árabes Unidos e o Kuwait.
Na sequência de lutas tribais, Abulaziz ibn Saud, no princípio do século passado, conquistou sucessivamente o Nejd e o Hijjaz (onde se encontram Meca e Medina). O emir, Hussein bin Ali, sharif de Meca, representante da dinastia hachemita e supostamente descendente do profeta Muhammad (s.a.w.), a quem o célebre coronel Lawrence (da Arábia) prometera a chefia de um grande reino árabe em todo o Médio Oriente, foi expulso e a sua descendência, que ainda governou a Síria e o Iraque, está hoje reduzida a reinar na Jordânia.
Estabeleceu-se, entretanto, uma aliança duradoura entre a dinastia saudita e o wahhabismo, um subgrupo do hanbalismo, uma das quatro escolas do islão sunita. Devido às suas imensas reservas petrolíferas, o presidente Franklin Delano Roosevelt considerou em 1942 que a defesa da Arábia Saudita era vital para os interesses norte-americanos, vindo a cimentar essa aliança no navio "Quincy", no canal de Suez, em 1945, através de um "acordo secreto" pelo qual os Estados Unidos garantiam a segurança do reino em troca de petróleo.
Não cabe aqui a história das lutas para a constituição da Arábia Saudita, as traições oportunistas do Ocidente (especialmente dos britânicos) nem a ligação íntima do reino aos interesses americanos ao longo das últimas décadas. Mas importa referir a poderosa contribuição da Arábia Saudita na desestabilização do mundo muçulmano, quer pela exportação do wahhabismo, quer pelo apoio em dinheiro, armas e homens às revoluções que têm agitado o mundo árabe. E dinheiro é o que não falta à família de Ibn Saud, certamente milhares de biliões de dólares.
Assistimos hoje à instalação de um governo islâmico na Tunísia (do partido Ennhada), à predominância da Al-Qaeda na Líbia, à vitória dos Irmãos Muçulmanos e dos salafistas no Egipto (tudo pago pela Arábia Saudita e pelo Qatar) e agora na Síria onde o Guardião das Mesquitas, de parceria com a Turquia de Erdogan (que sonha com o restabelecimento do Califado e do Império Otomano) e com o Qatar multiplica esforços para o derrube de Bashar Al-Assad.
A "fronda" conduzida contra o regime (laico) sírio, o único que subsiste no Médio Oriente, depois da invasão do Iraque e do assassinato de Saddam Hussein, visa, de facto, mais o Irão do que a própria Síria. A rebelião na Síria é o último passo para o cerco e posterior invasão do Irão, e neste ponto as monarquias do Golfo e Israel estão de mãos dadas num nefando conúbio. Israel, porque o Irão se afirma contrário à sua existência como estado; as poderosas monarquias petrolíferas do Golfo porque, sendo sunitas, se supõem ameaçadas pelo xiismo iraniano. É evidente que não são motivos humanitários que levam os países da Península Arábica a apoiar os opositores do governo ditatorial de Al-Assad, pois os governos desses países são muito mais ditatoriais e absolutistas do que o governo sírio. Trata-se de países governados segundo a mais estrita lei islâmica, interpretada segundo os interesses dos seus dirigentes e muitas vezes contrariamente aos próprios ensinamentos do Profeta.
Jogam-se hoje no Médio Oriente não só os destinos da região para o futuro próximo mas os interesses vitais do Mundo para as décadas que se aproximam. Por causa do petróleo, do gás, das comunicações, das indústrias de armamento. Tem estado o planeta, desde a Segunda Guerra Mundial, confinado a guerras locais, com "poucos" proventos para os negociantes de armas. Por isso, os grandes interesses económicos e financeiros suspiram por uma guerra generalizada, uma nova guerra mundial. Aliás, a presente crise da União Europeia mais não é do que o prólogo da grande confrontação que se avizinha.
Regressemos ao início.
Vivia a Síria em paz e com franco desenvolvimento económico e social sob o regime (ainda que ditatorial e repressivo, como em todos os países árabes) do presidente Bashar Al-Assad. Conviviam, em perfeita harmonia, as cerca de 20 confissões religiosas e as diversas etnias. Com a guerra civil instalada, de que o atentado de hoje constitui a prova inequívoca de que os opositores ao regime trabalham mais de acordo com Shaitan do que com Allah, prefigura-se para o país um cenário terrível, semelhante, ou pior, ao do Iraque, onde as vítimas, entre mortos, feridos, estropiados, loucos, desalojados, emigrantes, são da ordem dos cinco milhões.
O papel da Arábia Saudita neste conflito tem sido tenebroso. Onde deveria reinar a paz e a concórdia decorrem conciliábulos de horrores. Espanta-me que os muçulmanos de todo o mundo permitam que a guarda dos Lugares Sagrados do Islão esteja confiada a gente de tão discutível idoneidade.
E há muitos muçulmanos que colocam já esta questão: será o rei Abdullah um homem piedoso e crente ou um criminoso de guerra?
2 comentários:
Os leitores fiéis e atentos deste blog, já suspiravam pelo regresso do seu autor. Suspeitamos, que a ausência se deva a alguma viagem ao exterior; cá esperamos por alguma partilha das experiências que, como sempre, não deixarão de ser esclarecedoras Quanto ao post, nada mais é preciso acrescentar, pois a clareza da exposição, só deixará dúvidas em quem defenda os horrores que se perpetuam naquela região do planeta.
Sem dúvida que tudo se conjuga para uma outra guerra, mas desta feita, de efeitos muito mais devastadores do que a de 39/45. Existem agora à disposição, toda uma sinistra panóplia de armas de destruição maciça que, certamente os contendores, não deixarão de usar, com todo o cortejo de misérias que arrastarão consigo.
Tempos negros se aproximam a passos largos.
Marquis
A ler:
http://expresso.sapo.pt/economista-do-fmi-demite-se-envergonhado=f741346
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