sábado, 26 de maio de 2012

A DESAGREGAÇÃO PROGRAMADA DA EUROPA



O cientista político francês Pierre Hilard publicou em 2005 uma obra de profunda acuidade, La décomposition des nations européennes, de que saíu, há meses, uma segunda edição aumentada.

Porque se trata de um trabalho de notável reflexão sobre a desagregação planificada dos países europeus que, com avanços e recuos, segue uma trajectória que os seus autores pretendem irreversível, e atendendo à situação que hoje se vive no Velho Continente, afigura-se conveniente tecer algumas considerações sobre tão importante obra.

No Balanço introdutório, Hillard considera que a ratificação do Tratado de Lisboa e a eleição de Herman van Rompuy para a presidência do Conselho Europeu, em 2009, marca uma viragem decisiva nas ambições mundialistas. Segundo o autor, a União Europeia não é mais do que a componente de um vasto programa visando a emergência de blocos continentais dotados, cada um, de uma moeda, uma cidadania, um parlamento único, etc., devendo o conjunto destes blocos tonar-se num governo mundial. Citam-se outros blocos em formação ou já constituídos: Comunidade Económica Euroasiática (Rússia, Bielorússia, Cazaquistão, etc.); União das Nações Sul-Americanas (todo o continente à excepção da Guiana Francesa); Sistema de Integração Centro-Americano (América Central); Organização da Unidade Africana (depois União Africana); Conselho de Cooperação do Golfo; uma união asiática (sob a égide de três actores principais: Japão, China e Coreia do Sul); uma união norte-americana (englobando os Estados Unidos, o Canadá e o México).

Procede Pierre Hillard a uma rápida digressão sobre o poderio financeiro e aristocrático anglo-saxónico, desde a instauração da Magna Carta. Refere as companhias London Staplers, London Mercers Company e British East India Company, como pontas de lança do imperialismo britânico. Detém-se em Cecil Rhodes (curiosa figura, que viveu sempre rodeado das suas jovens amizades masculinas), ardoroso defensor do Império Britânico, convencido da superioridade da "raça" anglo-saxónica cuja preeminência deveria ser assegurada pela união de todos os países anglo-saxónicos (ou, mais exactamente, pela instauração de um bloco reunindo o Império Britânico e os Estados Unidos), precursor da ligação ininterrupta do domínio britânico do Cairo ao Cabo (que inutilizou o português mapa cor-de-rosa) e cujo nome haveria de ser dado a uma colónia britânica, a Rodésia, depois dividida em Rodésia do Norte e Rodésia do Sul, hoje os países independentes Zâmbia e Zimbabwe. A sua acção foi continuada por Lord Alfred Milner, seu sucessor e filho espiritual, que foi chefe do gabinete de guerra do primeiro-ministro Lloyd George durante o conflito 1914/1918, e a quem se deve realmente a redacção da célebre Declaração Balfour (emanada do ministro britânico dos Estrangeiros Arthur James Balfour) e dirigida a Lord Walter Rothschild, líder da comunidade judaica britânica, a fim de ser transmitida à Federação Sionista Internacional, e que preconizava a instalação na Palestina de um Lar Nacional para o Povo Judeu.

Cita-se também Lionel Curtis, participante do Tratado de Versalhes  e autor da expressão Commonwealth of Nations e que teve um papel determinante na criação do think tank inglês, o Royal Institut of International Affairs (RIIA), conhecido como Chatam House (1920). E a Sociedade Fabiana (1884), impulsionada por Sydney Webb, George Bernard Shaw, Robert Owen, John Ruskin, etc., e cuja designação deriva do nome de Fabius Cunctator (contemporizador), general romano do tempo das guerras púnicas que praticava a política de guerrilha a fim de atingir os seus fins sem brusquidão mas implacavelmente. Os fabianos estiveram na origem da criação da London School of Economics, que formou no seu espírito gerações de políticos não só ingleses como de outras nacionalidades. Impregnado do ideal fabiano, o escritor Herbert George Wells desenvolveu os seus pontos de vista em numerosos livros, nomeadamente em The Open Conspiracy (1928), em que preconiza um estado mundial controlando tudo, e The New World Order (1940), em que retoma o tema da nova ordem mundial.

Outra instituição visando a criação do estado mundial é a Round Table (1910), devida a Lord Milner que, sendo grande admirador de Karl Marx, convenceu Lloyd George a apoiar firmemente a revolução bolchevique. Para dotar a Round Table de maior eficácia, foi decidido criar dois think tank em ambas as margens do Atlântico: do lado inglês, o já citado RIIA, do lado americano, o Council on Foreign Relations (CFR), em 1921, sob a égide de Edward Mandell House, conselheiro do presidente Wilson e personagem central entre o grupo Milner e os grandes de Wall Street (J.P. Morgan, Vanderlip, Rockfeller, Warburg, etc.). Warburg, que esteve à frente da Reserva Federal Americana (FED) desde a sua criação (1913), foi uma figura de primeiro plano na oligarquia anglo-saxónica.

Um outro instituto chamado a desempenhar um papel de primeiro plano na construção europeia é a Paneurope. Criada devido á acção do aristocrata austríaco Richard de Coudenhove-Kalergi (1894-1972), o seu objectivo era a unificação da Europa a fim de a integrar no quadro de uma organização política  mundial unificada. O seu primeiro congresso paneuropeu teve lugar em Viena, em 1926, sob a égide do presidente do Conselho francês Aristide Briand, que era o seu presidente de honra. Kalergi contribuiu largamente para a união parlamentar europeia, permitindo a criação, em 1949, do Conselho da Europa, e recebeu em 1950 o Prémio Carlos Magno, a mais alta distinção europeísta. Sucedeu-lhe à cabeça da Paneurope o arquiduque Otto de Habsburgo.

Nas manobras tendentes à concretização do governo mundial, importa referir a importância, óbvia, dos meios financeiros, muito bem explicada na obra que apreciamos. O apoio prestado pela aristocracia comercial e apátrida anglo-saxónica ao comunismo, ao nazismo e à tomada do poder por Franklin Delano Roosevelt encontra-se descrita na trilogia de Antony Sutton: Wall Street and the Bolshevik Revolution: The Remarkable True Story of the American Capitalists Who Financed the Russian Communists; Wall Street and the Rise of Hitler e Wall Street and FDR. Parecendo uma contradição, Sutton sustenta que o socialismo soviético, o nacional-socialismo e o New Deal são designações diferentes para a instalação de um socialismo monopolístico, ideal de organização que deveria ver o dia à escala planetária no quadro da nova ordem mundial. A guerra de 1939-1945 alterou os dados mas permitiu  a instauração de dois blocos aparentemente antagonistas mas obedecendo ao princípio hegeliano da tese e da antítese, sendo os dois mundos irrigados pelas mesmas fontes financeiras.

Após a Segunda Guerra Mundial, foi Winston Churchill quem relançou a ideia da unificação da Europa, no discurso de Zurique de 19 de Setembro de 1946: "É preciso construirmos uma espécie de Estados Unidos da Europa".

Uma outra etapa é a criação em Montreux (Suíça), em Agosto de 1947, sob a égide de Max Habicht do World Federalist Movement (WFM) e da Union of European Federalists (UEF). A Declaração da WFM propõe, entre outras coisas, a "limitação das soberanias nacionais", a "transferência para a Confederação dos poderes legislativo, executivo e judicial", a "criação de uma força armada supra-nacional" e "uma justa perspectiva federalista que deve integrar os esforços feitos nos planos regional e funcional. A formação de uniões regionais (sublinhado do autor) - na medida em que não constituem um fim em si e não correm o risco de se cristalizar em blocos - pode e deve contribuir para o bom funcionamento da Confederação mundial". Paralelamente, a UEF defende o ideal de uma Europa unificada segundo o princípio federal e inspirada no modelo suíço. Tem "filiais" em vários países europeus e inspirou a "Constituição Giscard", que foi um prelúdio ao Tratado de Lisboa. O "grupo Milner" e os fabianos foram sempre favoráveis à unificação da Europa,desde que esta se fizesse sob direcção anglo-saxónica. Por isso, no decurso das duas guerras mundiais, as tentativas de unidade europeia sob direcção alemã, potência terrestre, não podiam ser aceites por Londres e por Washington, porque a talassocracia anglo-saxónica se encontrava excluída dos assuntos do velho continente.

O Congresso da Haia (7-10 maio 1948), sob a presidência de honra de Churchill, que reuniu cerca de 800 militantes pró-europeus, lançou os primeiros fundamentos de uma Europa unificada. A figura de proa deste Congresso foi o seu secretário-geral Joseph Retinger (1888-1960), que, como a maioria dos verdadeiros actores da história, permaneceu nos bastidores.


Não cabe aqui referir todos os aspectos, personalidades, organizações e acontecimentos mencionados por Pierre Hillard. Anotemos apenas  a Fundação Bertelsmann, o Clube de Bilderberg (cujo primeiro presidente foi o príncipe Bernardo da Holanda e é hoje dirigida pelo visconde Étienne Davignon), a Trilateral (criada em 1973 por David Rockfeller e Zbigniew Brzezinski), o Komitee für eine Demokratische UNO (KDUN), a própria Igreja Católica (declarações de João XXIII e Bento XVI). Tudo coroado pelo Tratado de Lisboa. Na prossecução dos objectivos descritos importa não esquecer a acção das principais figuras das realezas europeias.

Cita-se o curioso pormenor de Herman van Rompuy, que foi convidado por Davignon para presidente do Conselho Europeu, ter sido submetido previamente a uma prova oral, em 12 de Novembro de 2009, perante os representantes do Clube de Bilderberg, entre os quais o antigo secretário de Estado americano Henry Kissinger.

Transcrevemos a conclusão da Introdução de Hillard:

«Cette rapide description de l'histoire des tenants du mondialisme remontant du Moyen Âge jusqu'au début du XXIe siècle souligne que cette tendance est très ancienne. Elle repose sur une cupidité sans limites, le contrôle complet des richesses planétaires et le rejet d'une autorité spirituelle qui rappelait la primauté de l'au-delà sur la recherche effrené des biens terrestres. Cette évolution n'a fait que prendre de la vitesse au fur et à mesure que le "clergé" mondialiste, successeur de Nimrod, réussissait à imposer son mode de pensée au niveau temporel et spirituel en faveur du nouvel ordre mondial. Depuis la chute du mur de Berlin, les événements s'accélerent; la crise aussi. La décennie 2010 sera décisive por le genre humain car le mondialisme est un messianisme pressé. Que peut-on dire d'autre? Humainement, ils ont gagné la partie... fermez le ban.»

Recomenda-se a leitura do livro para se perceber bem como a primazia outorgada aos regionalismos em detrimento das unidades nacionais é vital para o desmembramento das nações europeias. Um programa prosseguido com avanços e recuos, mas cujo objectivo permanece inalterado. Nesta obra constata-se igualmente a progressiva preponderância da Alemanha sobre o resto do continente europeu, na tradição do Santo Império Romano-Germânico (o Primeiro Reich). Aniquilados o Segundo e o Terceiro, os alemães tentam agora impor o Quarto.Uma "composição" de interesses devidamente analisada por Hillard, a partir das unidades de regionalização transfronteiriças alemãs.

Serão os homens mais felizes se, destruídas as nações, forem dirigidos por um Governo Europeu? Ou, caso extremo, por um Governo Mundial? Parece altamente improvável! Num mundo que apenas sacrifica no altar da finança, será o "socialismo" teoricamente subjacente a alguns dos ideais unitários um socialismo real ou apenas um simulacro para satisfação das oligarquias reinantes? Cabe a cada um tirar as devidas conclusões.


2 comentários:

Zephyrus disse...

Alguns autores de «teorias da conspiração» afirmam que os «cabecilhas» do tal «plano» para o Governo Mundial são um grupo de famílias da Europa Central, a par da aristocracia inglesa. Consideram ainda que os EUA são apenas uma «marioneta», e que o verdadeiro lobo com pele de cordeiro é a Alemanha. Em boa verdade em certos painéis misteriosos que surgem em edifícios de referência dos EUA ou no Aeroporto de Denver costuma haver um especial destaque para um rapaz de aspecto «ariano». Num dos painéis o tal misterioso rapaz é identificado como alemão. Simbolicamente, demonstra-se que os EUA se subjugarão à Alemanha. Em boa verdade, um grupo bem conhecido de famílias controla a Finança global há décadas; veja-se também quem fundou o grupo Billdeberg, e quem anda por lá.

observador disse...

Pelos vistos, Galiza fica independente, e nós ficamos como estamos, mas continuamos a existir ....

Gregos, apesar da troika. idem.